Sanguessugas religiosos

Autor: Silas Arbolato da Cunha
Uma sanguessuga é um anelídeo da subclasse Hirudinea (também chamados aquetas) que se alimenta de sangue de outros animais (hematófago). São animais hermafroditos, desprovidos de cerdas e que possuem ventosas para sua fixação. São assim chamados por produzirem uma substância anticoagulante denominada hirudina. Alimentam-se do sangue das suas vítimas. Podem ser encontradas em todo o mundo, geralmente na água doce. Existem também algumas espécies marinhas e outras que vivem na lama. Infelizmente, há delas também na igreja.

Senti-me enauseado nas poucas vezes que assisti TV durante as férias. Questionamentos sobre Deus, sobre a fé, sobre a igreja me vieram à mente por causa de mais um escândalo. A Igreja, um lugar de pessoas sérias, que buscam e adoram a Deus e querem mudanças em seu caráter, aperfeiçoando-o à semelhança de Cristo, passou a ser um covil de salteadores. Nós, evangélicos, temos assistido de camarote nosso nome ser lançado na lama, e parece que Deus também. Um canal de TV deve ter recebido centenas de e-mails de “evangélicos” reclamando porque os parlamentares evangélicos foram destacados na reportagem e os que professam outra fé, ou nada professam não tinham suas religiões associadas a eles. “E os católicos, e os espíritas, e os ateus?”

Isto não vem ao caso. Não podemos encobrir a podridão dentro do nosso meio apontando para a podridão dos outros. O fato é que nosso nome está na lama. Se nosso nome está na lama, nós temos culpa, pois elegemos picaretas, gente sem caráter. Infelizmente, muitos cristãos não pensam com a cabeça. Ladrões, lobos disfarçados de ovelhas, uma corja nojenta que usa o Reino de Deus para benefício próprio e quem sabe das igrejas que os apóiam. “Até quando, Senhor, os perversos, até quando exultarão os perversos?” (Sl 94.3). Às vezes, meu desejo é esconder-me na caverna, como Elias, outras vezes penso em negar o que sou, como Pedro.

Mas não quero desviar a atenção de mim mesmo para os outros também. Confesso que me senti culpado e desanimado com as Boas Novas: se elas são verdadeiras, porque alguém não se agrada em ouvi-las? J.R.R.Tolkien disse que o evangelho é uma eucatástrofe – algo espetacularmente bom que acontece a alguém ruim. Mas, por que poucas pessoas recebem essas notícias como sendo realmente boas? Temos culpa sim, pois não falamos mais de santidade, e quando falamos, muitos reagem como alguns atenienses diante da pregação de Paulo: “a respeito disso te ouviremos noutra ocasião” (At 17.32). A pregação expositiva da Palavra de Deus tem entediado a muitos, preferem fábulas por causa da “coceira em seus ouvidos” (2 Tm 4.3). Por que muitos cristãos tratam uns aos outros de maneira pior que as pessoas de outras crenças? Quantos são flagrados em mentiras, quantos acalentam amargura e ódio em seus corações, quantos há que cobiçam, não perdoam, não se arrependem do que fazem ou falam, quantos há que ao invés de levar as cargas uns dos outros impõem ainda mais peso?

O que temos feito com os ideais éticos do Sermão do Monte – dar a todo aquele que pede, amar os inimigos, não cobiçar, não odiar, perdoar sempre, receber a perseguição com alegria? Essa crise atinge a todos nós que confiamos em Cristo e o servimos. Eu mesmo, ao escrever estas palavras descubro e me pergunto: “Por que escrevo muito melhor sobre disciplina espiritual do que a pratico? Até quando a fenda que separa os ideais do evangelho e as falhas de seus seguidores permanecerá aberta?” Enrugo a testa diante do meu fracasso em alcançar a perfeição. Acho que agora estou mais parecido com o discípulo Tomé, talvez precisando de provas para fortalecer minha fé.

Quero registrar a fragilidade da minha fé. Uma fé que tem sido forjada em meio a incertezas, assim como aquelas do salmista. Há esperança para mim, e para a igreja? Quando tantos problemas, misérias, dúvidas e temores assolam um povo que precisa de cura, de esperança, vêm à tona os mais vis procedimentos de líderes que deveriam fazer a diferença. Quando deveríamos ser sal e luz do mundo, nos engalfinhamos em disputas e contendas banais e ridículas que nos desviam do alvo e mirram nossas energias. Precisamos nos livrar das sanguessugas que se alimentam da força do amor de Cristo em nossos corações, extirpar da língua as sanguessugas que se alimentam do seu “doce veneno” e colocá-la sob o controle do Espírito Santo. E tantas outras…

Não quero me render à sanguessuga de um ceticismo rancoroso que venha a tolher de mim a oportunidade de expressar a misericórdia e a graça com as quais fui alcançado, nem entregar meu coração à atrofia e ao isolamento. Prefiro ser um cristão em luta consigo mesmo e com os problemas de uma igreja imperfeita a ser um perfeito pecador fora dela. Uma certeza eu tenho, meu completo fracasso em perceber a verdade não desvaloriza a verdade, mas avulta minha necessidade de continuamente entregar-me à misericórdia de Deus. Por isso, não deixarei de lutar pelos ideais de Deus para mim e para a Igreja, embora saiba que nenhum de nós vai alcançá-lo. Há uma grande distância entre os ideais de Deus e nós, e não adianta querermos reduzir as exigências dos ideais de Deus. Somente a graça e o amor são absolutos e abrangem todas as coisas.

Talvez alguns estranhem e não entendam, ou pensem ser apenas um desabafo. Se me entenderem ou julgarem mal, paciência. Só não gostaria que você aplicasse isso à fulano ou beltrano, pois se refere a todos nós. Não espero também que você concorde com tudo que escrevi, e isso pouco me importa. Só espero que cada um de nós recline sua cabeça e pergunte a si mesmo: “Senhor, sou eu?”

Quem tem ouvidos para ouvir, ouça!

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