Autor: José Ildo Mello
ORGANIZADO POR VALDIR R. STEUERNAGEL – BELO HORIZONTE, MG – MISSÃO EDITORA.
Fui profundamente impactado por este livro, tanto que logo me senti desafiado a exercer um ministério mais comprometido com a realidade brasileira e mundial, mais engajado na promoção da justiça do reino de Deus no tempo presente, mais desperto e consciente de como desempenhar meu papel de “luz do mundo” e “sal da terra”.
O livro reúne artigos de diversos autores que tratam do tema da Missão da Igreja de modo integral. Reconhece o crescimento das igrejas protestantes na América Latina, mas levanta a questão sobre a qualidade e sobre o impacto social deste crescimento. Questiona também o verticalismo e a fórmula reducionista de missão que, de um modo geral, vem sendo pratica entre os evangélicos, que muitas vezes tem justificado as críticas de que somos alienados deste mundo e descomprometidos com a dura realidade social que nos cerca. Nossa escatologia e nosso conceito em relação ao reino de Deus tem muito a ver com esta situação, portanto estes assuntos são tratados de maneira especial em alguns artigos.
Outro aspécto que me chamou a atenção foi a preocupação com as Escrituras. A primeira parte do livro se dedica a lançar os alicerces bíblicos sobre a missão integral da Igreja, donde destaco o primeiro capítulo: “A HISTÓRIA DA SALVAÇÃO E A MISSÃO DA IGREJA”, escrito por Juan Stam, que é uma obra de arte! Já li várias vezes este artigo e tenho pregado e ensinado sob sua inspiração. Juan Stam defende a integridade das Escrituras, tanto do Antigo quanto do Novo Testamento, salienta a interrelação dos temas bíblicos e sua continuidade desde Gênesis até o livro de Apocalipse. Apresenta cinco temas que envolvem toda a mensagem da Bíblia: criação, a promessa a Abraão, o Êxodo, Davi e a promessa do Reino e finalmente o Messias em quem se cumprem todas as promessas e expectativas bíblicas. Por exemplo, a criação marca a Bíblia da primeira a última página, onde conseguimos ver nitidamente a preocupação e o propósito de Deus em relação a natureza. A obra redentora de Jesus engloba toda criação, que, atualmente, geme, sofrendo as consequências do pecado humano, aspirando ser renovada e redimida. A promessa é de novos céus e nova terra onde reinam o amor e a justiça. Nós os cristãos já somos novas criaturas, primícias da nova criação; “sal” e “luz” para o mundo, “semente” e “fermento” do Reino de Deus. Somos herdeiros da promessa e responsabilidade de Abraão de sermos bênção para todas as nações. O Êxodo é a chave para a compreensão de toda a Bíblia. É nítido os paralelos entre o Êxodo de Israel e a obra redentora de Cristo. As implicações sociais do Êxodo, como, por exemplo, o “Ano da Remissão” e o “Ano do Jubileu”, que nunca foram cumpridas devidamente em Israel, tem seu cumprimento em Cristo, o ungido de Deus. No sermão inaugural de seu ministério, Cristo afirmou ser o cumprimento da promessa de Is 61. O dom do Espírito Santo também é derramado sobre a Igreja e é muito interessante observarmos os desdobramentos sociais que lembram o “Ano do Jubileu”. A “diaconia” é muito enfatizada no Novo Testamento. O conceito do Reino de Deus permeia a Bíblia inteira, principalmente o Novo Testamento. Cremos, se somos pré-milenistas, que Jesus reinará plena e visivelmente no futuro sobre a terra por mil anos. Mas o Seu reino não é só futuro, já está presente em nós. Somos ensinados a orar: “Venha a nós o Teu reino e seja feita a Tua vontade, assim na Terra como nos céus”; somos exortados a buscar o Reino de Deus e a Sua Justiça, hoje! E tal busca deve ter prioridade na nossa vida cotidiana; “sede e fome de justiça” são características de um bem-aventurado cidadão do Reino. A encarnação de Cristo era indispensável para o cumprimento de Sua obra redentora, sendo a forma máxima da revelação, de modo que uma missão à moda de Jesus tem que ser encarnada, de presença real, ativa, dolorosa e transformadora em meio ao mundo.
A Igreja deve estar voltada à restauração de todas as coisas em Cristo (At 3.21). É fundamental voltar a ler a Bíblia como um todo. Paulo tinha a clara consciência de “anunciar todo o desígnio de Deus” e a Grande Comissão nos ordena “guardar todas as coisas ensinadas por Jesus”. Devemos ser imitadores de Cristo. Vemos que Jesus “percorria todas as aldeias fazendo o bem” e que Jesus tinha uma forte preocupação social, preocupação com todo homem e com o homem todo. Como disse Caio Fábio, “precisamos vivenciar a inteireza multidimensional da fé”. Selecionei um trecho do artigo de Valdir Steuernagel que resume bem a mensagem deste livro: “… a nossa evangelização deve estar a serviço de um evangelho que afeta a pessoa toda em todas as áreas da sua vida. Isto que dizer que o evangelho embora seja pessoal, tem um forte colorido coletivo; é individual mas tem uma inerente dimensão social; é uma mensagem de conforto, mas pede um claro compromisso ético, desencadeia uma espiritualidade terapêutica e leva a um inequívoco pacto com a justiça; produz igreja, mas uma igreja que deve estar concretamente enraizada na comunidade global dos seres humanos e na busca desta por uma vida justa e digna. Quanto mais estivermos a serviço deste evangelho integral que afeta todas as áreas da vida tanto mais estaremos a serviço do Deus Trino. E esta será adoração verdadeira que, como o sacrifício de Abel, será acolhida pelos céus… o discipulado visa a edificação comunitária e não consiste num programa de mera capacitação cristã individual” (páginas 81, 82 e 85).
Darci Dusilek chama a atenção para a necessidade de se evitar as atitudes escapistas e de alienação e, ao invés disto, adotar-se uma atitude mais positiva de presença e ação. Precisamos ter uma visão mais abrangente e não reduzirmos a salvação ao âmbito espiritual. É muito interessante a observação que faz do episódio da ascensão de Jesus, concluindo que a visão da igreja não é contemplativa, mas devemos baixar nossos olhos para o mundo que está necessitado do amor de Deus. A igreja tem uma grande responsabilidade para com a era presente.
Orlando Costas conclui o seu artigo dizendo: “a igreja cresce integralmente quando recebe novos membros, se expande internamente, aprofunda seus conhecimentos da fé e serve ao mundo. Porém ela cresce qualitativamente quando em cada dimensão ela reflete espiritualidade, encarnação e fidelidade.” (página 115).
Existem artigos tratando do papel definitivo e imprescindível da mulher e do leigo. A importância de se formar líderes e não apenas informar(questão do caráter e qualidade do líder cristão). O papel do discipulado e da igreja local.
Marcos Monteiro ressalta o envolvimento social de Jesus. Deus não é omisso, não é acomodador, Ele toma partido. Defende que os pobres devem ser priorizados: “devemos trafegar mais pelas favelas e muito menos pela avenida”.
Pregar não é dominar certas técnicas, mas o ser dominado por certas convicções. A pregação pastoral como um ministério diaconal, profético e sacerdotal é uma dessas convicções. Precisamos através da pregação: inspirar, mobilizar e coordenar.
De todo o livro só houve um artigo de que não gostei: “A missão da igreja e o confronto com a opressão…”. Pois na minha opinião, a Neusa faz uma infeliz abordagem da questão. Ela levanta e apresenta bem o problema, mas propõe atitudes e soluções altamente questionáveis. A Bíblia nada fala sobre a importância estratégica de, primeiramente, se identificar os espíritos territoriais e expulsá-los a fim de ser bem sucedido na obra de evangelização. Portanto não me parece um método bíblico. Não vejo nem Jesus e nem os discípulos lutando a guerra espiritual nos moldes propostos pela Neusa, mas tal guerra é encarada conforme as instruções do apóstolo Paulo em Efésios 6. É uma guerra contra hostes espirituais da maldade que se vence com a prática das virtudes cristãs e o exercício da piedade: verdade, fé, justiça, evangelho da paz, salvação, Palavra de Deus, oração e vigilância. Nenhuma palavra sobre a necessidade d
e se conhecer os nomes dos demônios e de expulsá-los verbalmente. Para desapontamento de muitos parece não haver nada daquele elemento fascinante, místico e sobrenatural de enfrentar o inimigo numa arena face a face. Nossa luta não se restringe a uma reunião de “oração”(se é que se pode chamar tais reuniões de reuniões de oração, pois passam a maior parte do tempo falando aos demônios e os repreendendo, e sempre entendi que orar é falar com Deus), mas abrange a vida toda, o nosso cotidiano. As ações mais perigosas de Satanás são de uma sutileza impressionante; são camufladas e não as claramente manifestas. Não devemos ignorar seus ardis e nem tão pouco superenfatizar os demônios. A Bíblia nos ensina a evitar estes dois extremos. Não concordo também com os ensinos dela sobre maldição de família e também em relação as suas seguintes afirmações: “palavra de conhecimento é fundamental neste ministério pastoral” e em outra parte: “… identificar estes principados, a fim de desalojá-los e destroná-los. ã igreja, como extensão de Cristo, cabe submeter determinadas regiões geográficas ao controle do verdadeiro Senhor. A consequência deste ato é a receptividade sem precedentes do Evangelho. A sujeição de um determinado local ao senhorio de Jesus Cristo e o destronamento dos principados e potestades devem ser acompanhados da pregação da Palavra.” Se isto for verdade, indispensável e fundamental, então é de se questionar toda a obra evangelística durante toda história da igreja, inclusive os registros bíblicos. Se as coisas são tão simples assim, por que não começar a exercer tal estratégia evangelística entre os muçulmanos?
Bem, seria necessário um outro trabalho só para questionar ponto por ponto o artigo da Neusa Itioka. Na minha opinião foi uma infelicidade do Valdir convidá-la para escrever sobre este assunto. Lamento profundamente.
No mais, só tenho elogios. O livro ainda ensina que não devemos dicotomizar as realidades materiais e espirituais do ser humano. As boas novas de salvação são para o ser humano integral, desde as suas dimensões materiais até as espirituais e socioculturais. A defesa e a promoção dos direitos humanos são espaços urgentes que reclamam a missão da igreja de Cristo. A fé que salva é aquela que opera pelo amor (Jr 22.3 e Pv 31.8-9). É feita uma severa crítica à postura política evangélica: “uma comunidade religiosa de maioria constantiniana ou alienada, beneficia a quem?” (página 306). Precisamos atentar para os bons exemplos recentes de Luther King e Oscar Romero. Crítica também é feita a teologia da prosperidade, produto do capitalismo, consumismo e individualismo. Sobre ecologia o ideal seria que a linha de ação ecológica tivesse uma velocidade igual ou superior à da linha de destruição, pois na criação e através dela Deus realiza a Sua glória, salvação e justiça. E a última parte do livro se dedica a missão da igreja em relação a saúde, família e criança. A igreja como uma comunidade terapêutica, com um ministério de reconciliação entre casais, pais e filhos, etc. “converter o coração dos pais aos filhos e dos filhos aos pais” (Ml 4.6). O papel do lar e sua importância para a sociedade. A educação e formação da criança. Desenvolver uma teologia a partir das crianças e para as crianças.
Um ótimo livro que, ao mesmo tempo, atuou em mim e reformulando conceitos e consolidando convicções. Pois confesso que, apesar de possuir uma razoável consciência social, estava um tanto inerte e adormecido no que diz respeito a ação. Fui desperto! Tenho, após a leitura, uma visão bem mais clara e global do meu ministério. Produziu transformações imediatas e já está frutificando. Valeu!
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