Autor: Elisabeth Salgado
O dia era de festa. Crianças corriam pelo salão todo enfeitado de bolas, um teatro de fantoches se preparava para começar. A música inundava os espaços, presentes e mais presentes se acumulavam, havia tudo que uma criança gostaria de ter em sua festa. Os adultos se sentiam meio crianças, mas de um modo gostoso e saudosista, enquanto admiravam a mesa de balas de várias cores e a criatividade dos enfeites ao redor do bolo. Tudo estaria perfeito, se os pais não começassem a brigar.
Enquanto observava a cena, pensei em um dos motivos que causara a desavença: falta de fronteiras bem definidas entre os pais separados e entre suas famílias de origem.
A mãe da criança e a avó materna não souberam agir como convidadas, que eram, da festa organizada pelo pai. Agitavam-se por todos os lugares como se fossem elas que estivessem recebendo. Esqueceram-se que já o tinham feito no fim-de-semana anterior e invadiram o espaço paterno, que já temia que isso acontecesse.
O pai não fora à festa feita pela mãe, achando que ela entenderia o que desejava: festejar o aniversário de quatro anos do filho com sua atual mulher, que junto com ele pensara em cada detalhe, com seus pais, a família de ambos e os amigos do novo casal. Mas, para sua decepção, nada disso aconteceu: ele a convidara só por delicadeza e ela foi.
Ele procurava pelo filho para que recebesse outras crianças e os presentes que traziam e, aborrecido, o encontrava no colo da mãe. Esta, em outros momentos, passeava pelo salão com a filmadora da ex-sogra registrando momentos da festa, instruindo onde o filho deveria ficar sob os olhos surpresos da atual esposa do pai, visivelmente desconfortável com aquela situação.
A avó paterna também parecia ter dificuldade em colocar limite e ajudar, de algum modo, ao filho, principalmente quanto à interferência da avó materna.
Não sei qual foi a gota d’água, mas o conflito se desencadeou, as vozes se elevaram, a avó materna e o pai começam a discutir, a mãe passa pelos convidados com o filho no colo como se fosse levá-lo embora…O pai vai atrás, tentando impedir, discutem alto enquanto a pequena criança, séria, linda mas frágil, presencia a cena de ambos.
O que era uma festa torna-se um estresse. Os pais esquecem que são pais e tornam-se “donos”do filho, lutando pela sua posse e não aceitando dividi-lo com o outro. Agora, é o espaço da criança que foi invadido pelos dois.
A mãe e a ex-sogra vão embora. Aos poucos, o ritmo da festa é retomado e quando a hora dos parabéns chega, o pai consegue vivenciar com o filho um pouco da exclusividade desejada.
Mas, e a criança? Não adianta pensar que ela nem notou, pois isso não acontece. As crianças percebem e sentem tudo. São como esponjas…
Como diz o provérbio, “é melhor prevenir que remediar”, mas já que tudo aconteceu, seria bom que os pais conversassem com a criança, depois, sobre o que viu, reconhecendo seu nervosismo e permitindo que a criança fale ou pergunte algo, se o desejar.
Como prevenção, pensando na criança e em si mesmos, os pais separados devem aprender a conviver com o fato de que seu filho tem direito de estar com o outro, sem sua presença, e também trabalhar a ameaça de perda perante um novo relacionamento de um deles e o surgimento de outra estrutura familiar.
Se divergirem, e isso sempre acontece, devem escolher um espaço e um momento, longe do filho, para discutirem e tentarem chegar a um acordo, se possível. Nunca, em frente à criança. É muito importante que deixem claro o que desejam. Às vezes, ao tentar evitar essa clareza e eventuais discordâncias, a briga vai acontecer mais tarde, em frente à criança.
Os avós que não agem como avós, e sim como pais de seu neto, terão muita dificuldade de colocar limites para suas interferências e a criança novamente sofrerá.
Os avós podem conversar com os jovens pais, compartilhar sua preocupação, mas devem evitar invadir o espaço de ambos, pois caso contrário jamais os mesmos crescerão e se conscientizarão de seus papéis e responsabilidades perante o bem-estar emocional do filho.
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