Perdão das ofensas

Autor: Andreas Ding

Meditação sobre Mateus 18, 15-22

“Se o teu irmão te ofender, vai ter com ele e faz-lhe ver a sua falta, de maneira que o assunto fique só entre os dois. Se ele te ouvir, ganhaste um irmão, mas, se não te quiser ouvir, leva contigo uma ou duas pessoas, para fazeres como manda a Escritura: «Toda a acusação deve ser apoiada no testemunho de duas ou três pessoas.» Se ele não quiser ouvir essas testemunhas, então comunica o assunto à igreja. E, se ele também se negar a ouvir a igreja, considera-o como pagão e pecador. Notem bem isto que vos digo: Tudo o que proibirem na terra é proibido no céu, e tudo o que permitirem na terra é permitido no céu. E ainda vos digo mais: Se dois de vocês aqui na terra se puserem de acordo para pedirem qualquer coisa em oração, o meu Pai que está no céu a dará. Pois onde duas ou três pessoas se tenham juntado em meu nome, aí estou eu no meio delas. Pedro aproximou-se então de Jesus e fez-lhe esta pergunta: «Senhor, quantas vezes devo perdoar ao meu irmão, se ele continuar a ofender-me? Até sete vezes?» Jesus respondeu: «Não até sete, mas até setenta vezes sete!»”

“Se o teu irmão te ofender…”, começa o trecho bíblico do Evangelho de Mateus que ouvimos há poucos minutos. A ofensa e consequentemente o perdão é uma questão fundamental da nossa vida: na nossa vida particular, entre marido e esposa, entre pais e filhos, entre todos os parentes; na nossa vida em grupos: no trabalho, entre amigos; na nossa vida entre grupos, e aqui podemos hoje, nesta ocasião, falar da vida entre as nossas igrejas, a Católica Romana, a Ortodoxa Grega e a Presbiteriana.

“Se o teu irmão te ofender…”. Tantas e tantas vezes sentimo-nos ofendidos, tantas e tantas vezes ofendemos os outros. Provavelmente será impossível viver sem ofender a alguém ou sem ser ofendido. Faz parte da vida humana, faz parte do convívio entre seres humanos. Onde pessoas vivem juntas, há conflitos, por causa de opiniões diferentes, por causa de interesses diferentes, por causa de valores diferentes.

A questão não é deixar de ter a sua opinião, interesse e valores próprios, pois cada uma, cada um tem o direito de os ter e deve tê-los para ter a sua identidade própria. Falando da nossa convivência como igrejas: seria péssimo, seria, na verdade o início do fim da existência das nossas igrejas, se deixássemos de ter a nossa maneira de ser igreja de Jesus Cristo, cada uma com as suas características específicas.

Se os católicos tentassem viver a sua fé como protestantes, os ortodoxos como católicos e os protestantes como ortodoxos, cada uma das nossas igrejas perdia a sua identidade, a sua especificidade, o seu perfil e ia-se perdendo aos poucos.

A questão é, portanto, como viver com as diferenças de opiniões, interesses e valores, como viver com as ofensas que estas diferenças muitas vezes causaram e continuam a causar. Pois houve muitas ofensas durante a vida das nossas igrejas: ofensas mútuas durante o processo doloroso da separação das igrejas; ofensas da Igreja de Jesus Cristo, católica, ortodoxa ou protestante, à cultura e à dignidade do ser humano em muitas ocasiões durante a história da humanidade, desde as cruzadas até ao holocausto dos judeus; ofensas mútuas também aqui em Portugal: em Agosto deste ano, por exemplo, a Igreja Presbiteriana vai recordar os 160 anos da perseguição e expulsão dos cristãos protestantes, chamados na altura de “calvinistas”, da Ilha da Madeira.

Será tudo perdoável? Ou, com as palavras do Apóstolo Pedro: “Senhor, quantas vezes devo perdoar ao meu irmão, se ele continuar a ofender-me? Até sete vezes?”, achando que já era muito generoso em estar disposto a perdoar as ofensas do irmão, da irmã tantas vezes.

Mas a resposta de Jesus é bem clara: “Não até sete, mas até setenta vezes sete” devemos perdoar, ou seja infinitamente, sem limitações.

A questão não é, portanto, contar as vezes que perdoamos aos outros, a questão é fazer do perdão uma atitude fundamental da nossa vida, do nosso convívio com os outros. Ou seja, viver do perdão que recebemos de Deus, em Jesus Cristo, e, em consequência, viver a dimensão do perdão recebido com todos os outros seres humanos.

Viver o perdão não como técnica aprendida, utilizada quando for preciso, pois aí vamos começar a fazer contabilidade das vezes de perdão concedido e se calhar a fartarmo-nos de tantas vezes, na nossa opinião.

Mas viver o perdão como uma atitude natural, enraizada profundamente na nossa maneira de ser. Aprender a viver assim é uma aprendizagem longa, é um processo durante toda a vida.

Como poderá então ser o caminho da aprendizagem do perdão mútuo, no nosso caso de igrejas? Na segunda-feira passada, depois da celebração ecuménica na Figueira da Foz, o Frei Domingos e eu estivemos a falar de um possível encontro durante este ano, em que se poderá debater questões teológicas, questões da fé e do dogma das nossas igrejas.

E, um pouco a brincar, dissemos que então cada um de nós terá de assumir o papel do outro lado, ou seja o Frei Domingos a defender uma posição protestante e eu a defender uma posição católica. Por exemplo, eu a defender o papado, e o Frei Domingos a defender a ordenação de mulheres para o sacerdócio.

Provavelmente, procedendo assim daremos um passo importante na caminhada ecuménica em Portugal: pôr-se no lugar do outro, aprender a pensar como o outro pensa, defender a posição do outro e assim compreender muito melhor a sua postura. Será muito mais fácil assim, numa atitude de compreensão profunda, aceitar o outro assim como ele é, será muito mais fácil compreender a razão do que experienciamos como ofensa da parte dele, será assim muito mais fácil perdoar ao outro e pedir o seu perdão.

“E perdoa-nos as nossas ofensas assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido”, vamos orar daqui a pouco, todos em conjunto.

Onde dois se puserem de acordo para pedirem em oração, onde duas ou três pessoas estiverem juntas em nome de Jesus Cristo, onde em conjunto se ora o Pai Nosso, aí Jesus está presente.

Que esta petição do Pai Nosso, que daqui a pouco vamos orar em conjunto, esta oração comum às nossas igrejas, pronunciada nelas em cada domingo, se torne realidade na nossa vida, em cada dia de novo.

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