Pedro Abelardo: “Intelligo ut Credam”

Autor: Savio Laet




Filho de cavaleiro, Abelardo nasceu em Bourg du Palais, perto de Nantes, em 1079. O pai, que era erudito, cuidou para que Abelardo fosse devidamente instruído nas ciências da época. Apaixonou-se Abelardo tanto pelos estudos que renunciou a carreira militar do pai e o direito à primogenitura. O próprio Abelardo admite, no entanto, que nunca deixou de ser soldado, pois adorava os torneios de lógica! Educado na escola de Roscelino, famoso nominalista, Pedro Abelardo deixou-se influenciar pelo seu mestre. Em Paris tornou-se discípulo de Guilherme de Champeaux, o mestre dos mestres da dialética parisiense da época. A simpatia inicial pelo mestre transformou-se, repentinamente, em uma terrível antipatia; sua querela com Guilherme tornar-se-ia famosa para toda história da filosofia.  Dotado de um intelecto brilhante, Abelardo se destacava entre os demais colegas na arte dialética, o que lhe mereceu invejas por parte destes e perseguições. Abelardo chega a dizer que suas “calamidades” começaram com seu sucesso na dialética. Conta-se que venceu o próprio Guilherme em vários debates escolares.

Com apoio de alguns amigos, fundou uma escola em Melun. Submergido pelos intensos trabalhos, caiu doente e passou um longo período fora das atividades escolares. Retornou a Paris e a seus estudos com Guilherme. Finalmente, houve um rompimento definitivo; pois Guilherme permanecera, embora já tivesse recuado muitas vezes por causa das objeções de seu antigo aluno, na mesma doutrina. Abelardo chegou a ocupar a cadeira que era do seu antigo mestre; mas este, por suas maquinações, conseguiu afastá-lo de lá colocando, em seu lugar, um discípulo seu.

Guilherme, no entanto, já estava velho e cansado, sofria críticas até dos de sua ordem (Os Cônegos Regulares) e achou por bem afastar-se de Paris. Abelardo, que havia refundado sua Escola em Melun sabendo da retirada de Guilherme, retornou a Paris e voltou a travar lutas com seu novo rival (discípulo de Guilherme). Guilherme, por sua vez, também retornou para defender seu discípulo das investidas de Abelardo. Não obstante, seu retorno  foi nada mais do que inútil, Abelardo saiu vitorioso; Guilherme e os seus perderam todos os seus alunos para Abelardo e este tornou-se o grande mestre de dialética em Paris. 

Com efeito, em Teologia foi aluno do grande teólogo da época, Anselmo de Laon. Contudo, seu mestre em teologia não era dialético, e isto fez com que Abelardo não lhe poupasse críticas ulteriores. Fazer glosas, alinhar sentenças da Escritura e dos Santos Padres, tudo isso não parecia a Abelardo senão um método bastante rude de fazer teologia. Abelardo não entendia fosse suficiente, mesmo em teologia, o simples agrupamento de textos patrísticos acerca de um determinado artigo de fé. O Mestre Palatino queria introduzir a dialética na sacra-ciência e isso desagradou seus colegas mais conservadores. Anselmo, entretanto, percebera o talento de Abelardo e suas inovações, pelo que lhe proibiu de dar preleções aos seus alunos, sob a alegação de conduzi-los a erros. Abelardo retirou-se de Laon, voltou a Paris onde se tornou – mesmo sendo leigo – professor de teologia bastante afamado.

Seu sucesso foi-lhe subtraído pela soberba e luxúria que o dominaram. Envolveu-se com Heloísa. O tio desta, por meio de outros, o mandara castrar! Humilhado, internou-se na Abadia de S. Denis e sua amada no convento de Argenteuil. Ora em diante dedicou-se à Teologia, sem nunca esquecer a dialética. Escreveu livros e foi ainda vítima de invejas; saiu da Abadia, seus opositores haviam conseguido a condenação de um livro em Soissons, em 1121. Retirou-se para Naisoncelle, mandou construir uma modesta capela. Voltou a ser assediado por seus alunos que foram atrás do mestre e construíram, juntos, uma Igreja dedicada à Santíssima Trindade. Novamente seus algozes não o deixaram em paz, atribulado refugiou-se uma vez mais, aceitando o cargo de abade de S. Gildas na Bretanha. Também ali não achou sossego, fora mesmo até ameaçado de morte pelos seus próprios súditos. Muito depressivo retornou a Paris, às suas aulas de lógica e teve que enfrentar o mais temível de seus adversários: Bernardo Claraval. Condenado pelo Concílio de Sens e, como a própria Santa Sé rejeitasse suas doutrinas, decidiu não mais se defender. Exilou-se na Abadia de Cluny e passou seus últimos anos no Priorado de S. Marcelo, onde se entregou às ocupações da vida monástica. Faleceu em 1142.

A obra de Abelardo é inseparável da sua vida, por isso optamos por uma biografia mais demorada. De fronte com toda a perseguição que este pensador sofreu, poderemos entender melhor a sua obra, suas convicções, sua filosofia. Carente de compreensão em vida parece-nos plausível que tenha querido propor um humanismo cristão em sua doutrina.  Se entendermos o seu amor pela dialética, também conseguiremos adentrar nos “porquês” de sua teologia e na fronteiriça relação que estabeleceu entre fé e razão,  cristianismo e paganismo! Ao mesmo tempo soube dar continuidade a melhor tradição cristã, de Justino a Agostinho. Vejamos algumas das características do pensamento deste importante autor medieval.


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