Autor: Frei Betto
Todos os pecados capitais, sem exceção, são tidos como virtudes nessa sociedade neoliberal corroída pelo afã consumista.
A inveja é estimulada no anúncio da moça que, agora, possui um carro melhor do que o de seu vizinho. A avareza é o mote das cadernetas de poupança. A cobiça inspira todas as peças publicitárias, do Carnaval a bordo no Caribe ao tênis de grife das crianças. O orgulho é sinal de sucesso dos executivos bem sucedidos, que possuem lindas secretárias e planos de saúde eterna. A preguiça fica por conta das confortáveis sandálias que nos fazem relaxar, cercados de afeto, numa lancha ao Sol. A luxúria é marca registrada da maioria dos clipes publicitários, em que jovens esbeltos e garotas esculturais desfrutam uma vida saudável e feliz ao consumirem bebidas, cigarros, roupas e cosméticos. Enfim, a gula subverte a alimentação infantil na forma de chocolates, refrescos, biscoitos e margarinas, induzindo-nos a crer que sabores são prenúncios de amores.
Há nas tradições religiosas uma sabedoria de vida. Despidos de preconceitos, se refletirmos bem sobre os sete pecados capitais veremos que cada um deles se refere a uma tendência egoísta que traz frustração e infelicidade.
A cobiça nos faz reféns do mercado e dos modismos, atraindo-nos ao buraco negro de irregularidades que, miragens no deserto, nos prometem dinheiro fácil e status de Primeiro Mundo. A avareza ensina a acumular dinheiro mesmo quando ele precisaria ser investido na melhoria de nossa qualidade de vida. Rendimentos passam a ser mais importantes que investimentos, como o caramujo que, por carregar a casa nas costas, se arrasta lento pela vida. A luxúria nasce nos olhos, agita a mente e perturba o coração. O objeto do desejo aliena do amor enquanto projeto, aprisionando-nos no jogo narcísico da sedução. A gula aumenta o colesterol, deforma o corpo e entristece o espírito. O orgulho é a terrível consciência de que queremos parecer o que não somos e, cheios de empáfia, nossa alma trafega apoiada em frágeis muletas. A preguiça traz incapacidade e atiça os devaneios, induzindo a trocar a realidade pela fantasia. A inveja é o espelho de nossa covardia em ser do tamanho que somos, nem maiores nem menores.
O fato é que há um conflito entre o princípio nº 1 da sociedade em que vivemos – ganhar dinheiro – e os valores que sedimentam a existência. Por que a ambição de uma viagem ao exterior não se reflete também no desejo de viajar para dentro de si mesmo? Mundo desconhecido, esse que trazemos no espírito. Mas, como turistas ocasionais, ficamos sem saber qual “agência” pode nos assegurar uma viagem de melhor proveito: a Igreja católica ou o budismo? O candomblé ou o espiritismo?
Deus é mais íntimo a nós do que nós a nós mesmos. Recolher-se ao silêncio interior é sempre um excelente ponto de partida. Para quem nunca fez essa viagem, a partida assusta, porque não nos é dado o roteiro, e a paisagem exterior tenta-nos a abandonar o trem. Se controlarmos “a louca da casa”, a imaginação, logo o silêncio interior se faz voz. Então, somos apresentados ao nosso verdadeiro eu, que nos impele ao nós. E experimentamos inefável felicidade.
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