Autor: David C. Costa
..mas recebereis poder, ao descer sobre vós o Espírito Santo, e sereis minhas testemunhas tanto em Jerusalém como em toda a Judéia e Samaria e até aos confins da terra (At.1:8).
Visitando uma senhora, membro de uma igreja irmã, muito me impressionou a narrativa que fez a respeito de um obreiro leigo de sua igreja. Contava-me ela que tal obreiro contribuiu para a fundação e organização de seis igrejas em um raio de aproximadamente 170km2. Para alguns, isso pode parecer pouco; para outros, muito. Não quero, porém, me ater a este detalhe e sim destacar, com base no texto acima, a missão da igreja segundo o que foi ordenado pelo Senhor Jesus Cristo.
O texto acima registra as últimas palavras ditas por Jesus aos seus discípulos, antes de sua ascensão ao céu. O livro de Atos narra a expansão da igreja e a atuação do Espírito Santo na vida dos apóstolos. Historicamente, podemos comparar a introdução do livro, Atos 1:1-5, com a introdução do Evangelho de Lucas, Lucas 1:1-14. O assunto tratado por Lucas no Evangelho é: “as doutrinas e obras iniciadas no ministério de Jesus Cristo”. O livro de Atos mostra a continuidade dessa obra por meio do Espírito Santo, usando os apóstolos como instrumentos.
O texto mostra que a igreja deveria evangelizar o mundo. A missão dada à igreja mostra que ela deveria espalhar as boas novas de salvação. A Pessoa de Cristo e sua obra redentora, incluindo sua morte vicária e ressurreição física, precisavam ser divulgadas a todos os povos.
A ordem de Cristo aos discípulos é acompanhada da promessa de que seriam revestidos pelo Espírito Santo para cumprir a missão. Que aspectos envolve a missão da igreja de Cristo?
Podemos considerar, com base no texto, pelo menos três aspectos na ordem de Jesus à sua igreja:
Missão Local. “…tanto em Jerusalém” – Jesus havia ordenado a seus discípulos que permanecessem em Jerusalém até que a promessa feita, registrada em João 14:16-17; 15:26-27, fosse cumprida. Não poderiam iniciar a missão sem que fossem revestidos do poder do Espírito Santo. O poder divino seria manifestado no dia de Pentecostes, cinqüenta dias após a última Ceia Pascal de Jesus.
Podemos destacar o fato que, nos propósitos divinos, Jerusalém é colocada como ponto focal de toda a terra. Em Jerusalém Jesus começa sua última semana de vida na terra, com sua “entrada triunfal” (Mt.21:9). Lá Jesus foi rejeitado precisamente como rei dos judeus (Jo.19:14-16). Em Jerusalém Jesus concretizou sua obra vicária, ali foi humilhado, mas ali também foi glorificado (Jo.12:23). Ali foi “levantado” na crucificação, ressurreição e ascensão (Jo.12:32). Ali homens de todas as nações foram atraídos a Ele. Em Jerusalém nasceu o novo Israel de Deus. Ali os doze seriam revestidos pelo Espírito Santo, sendo os instrumentos de comunicação da nova vida assegurada ao pecador com a obra de Cristo. Jerusalém foi o ponto de partida da missão da igreja de Cristo. Se foi o ponto de partida, indica que a igreja seguiria sua viagem de expansão. Podemos, assim, notar o segundo aspecto da missão da igreja de Cristo:
Missão Regional e Nacional – A visão da igreja de Cristo não pode ser apenas local. “… como em toda a Judéia e Samaria” indica que a igreja deveria sair de seus termos, atingir toda a região da Judéia em seus quatro pontos.
1.“Samaria” – Essa cidade foi fundada em 921 a.C. por Onri, rei de Israel e pai de Acabe; sendo uma importante cidade para Israel. Durante 200 anos foi a capital do Reino do Norte ou Reino de Israel; foi dominada pela Assíria em 722 a.C., tornou-se a sede da idolatria a Baal, que era adorado em um templo que se rivalizava em esplendor ao de Jerusalém; e foi alvo das mensagens proféticas condenando a sua idolatria (Os. 13:16; Mq. 1:1). Samaria ficava cerca de 65km ao norte de Jerusalém e era, portanto, uma cidade próxima, porém, com costumes e cultura diferentes. Isso porque, quando os babilônios dominaram a cidade e a devastaram, povos estrangeiros foram deportados para uma área próxima, localizada ao norte de Jerusalém (II Rs. 17:24-41). Esse povo se misturou por meio do casamento com os camponeses judeus e outros trabalhadores simples da região. Daí desenvolveram sua própria cultura e religião sincretista. Essa forma de religião foi seguida pelos filhos dessa mistura (II Rs. 24:41). Por todos esses fatos, os samaritanos eram desprezados e evitados pelos judeus.
O Senhor Jesus Cristo, em seu ministério, se propôs a colocar os samaritanos em condições de igualdade com os judeus, no seu Reino. Rompendo barreiras, iniciou diálogo com uma mulher samaritana junto ao poço de Jacó (Jo.4:5-8). O resultado desse ato de Jesus foi notável, pois muitos samaritanos se converteram (Jo. 4:39-41). Posteriormente, Jesus se compadeceu e curou um leproso samaritano e nove leprosos judeus. Somente o samaritano voltou para agradecer a bênção (Lc. 17:11-19). Jesus também contou a parábola do “bom samaritano” (Lc. 10:29-37). Ele ia regularmente à região de Samaria, percorrendo suas vilas para pregar o Evangelho da Salvação.
Isso tudo nos mostra a razão de Jesus ter incluído Samaria na missão da igreja. A ordem de Jesus começou a ser cumprida com o ministério de Filipe, um dos sete diáconos da igreja de Jerusalém (At. 8:4-13). Em Samaria, Filipe obteve notável êxito com a pregação do Evangelho. Depois dele, Pedro e João também foram até Samaria (At.8:14-25).
2. “… toda a Judéia”. Após a volta a Jerusalém, pregavam o Evangelho nas aldeias samaritanas (v.25). Filipe foi novamente usado para dar continuidade à expansão da igreja, foi conduzido pelo Espírito Santo a um ponto deserto da estrada que ia de Jerusalém para Gaza e pregou para um etíope, ministro da fazenda da Rainha de Candace (At. 8:26-40). Dali, Filipe foi levado pelo Espírito Santo para Azoto, cidade litorânea da Filistia, pregando o Evangelho (8:40), indo até Cesaréia. O capítulo 9 narra o importante reforço para a obra da igreja, ou seja, a conversão de Saulo que, de perseguidor, passou a perseguido. Quando chegou em Jerusalém foi conduzido por Barnabé para junto dos demais apóstolos (v. 27). As igrejas nacionais neste tempo desfrutavam de paz e eram edificadas (v. 31). Pedro foi para Lida, um povoado próximo de Jope, onde curou a Enéias e teve a oportunidade de pregar às pessoas do povoado e também aos habitantes da planície de Sarona (vs.32-35). Vemos que os esforços missionários de Pedro continuaram (At. 9:36-10:48).
Notamos, então, que a atividade da igreja saíra de sua área urbana, abrangendo as regiões e povos vizinhos.
3. Missão Mundial. “… Até os confins da terra” – O termo (eschaton), usado por Lucas, originalmente indicava uma pessoa ou objeto que estava longe, no exterior, ou seja, fora do alcance visual. Esse é o sentido espacial do termo: extremidade, fim, o lugar mais distante.
No Antigo Testamento temos cerca de 150 ocorrências do termo “eschatos’. Porém, somente em quatro textos o termo é usado com significado de ocupação geográfica. Dois destes textos têm relação com o nosso assunto. Em Isaías 48:20 temos a expressão:“… Até o fim da terra”. O capítulo 48 de Isaías trata da libertação de Israel. Deus usaria Ciro, o Rei da Pérsia. Cumprindo os propósitos divinos, Ciro invadiria a Babilônia e traria a redenção a Israel, que ali estava cativo. O termo “sai” (de Is. 48:20) indica que Israel deveria se retirar daquela terra, porém, sem medo. Quando saíssem, deveriam proclamar a sua redenção com alegria. Sua mensagem de libertação deveria ser ouvida “até os confins da terra”. No capítulo 49, verso 6, a expressão tem uma pequena variação: “…extremidade da terra”. Este capítulo trata do Servo do Senhor e seu ministério. Se compararmos os versículos 1-6 deste capítulo com 41:2, veremos que a designação do Servo se refere ao Messias. A missão do Messias ou Servo não está relacionada apenas à nação de Israel mas também ao fato de trazer “luz para os gentios”. Sua missão visava a “restauração das tribos de Jacó”, isto é, por fim à situação de desgraça nacional em que Israel estava vivendo (Am. 5:2) e restaurar a “tenda” ou “tabernáculo” de Davi (Am. 9:11). Para isso, o Servo precisaria preservar o povo de Israel durante o exílio e levá-lo de volta à sua pátria. Porém, não se pode desprezar o fato de que, além do aspecto geográfico, esta volta e restauração seriam também de caráter espiritual. Sem dúvida, a visão profética aponta para a era do Messias. Existe uma profunda relação entre o cumprimento físico e espiritual desta profecia, ainda que os fatos estejam separados por séculos. O retorno do exílio apontava para a obra redentora de Deus. O cumprimento final desta obra foi a encarnação do Verbo Divino (Jo. 1:14). Historicamente, essa obra começou a ser cumprida por Zorobabel, Josué (o sumo-sacerdote) e Esdras (Ag 1:1; Esd 1:8). Esses homens foram instrumentos do Servo do Senhor para levar Israel de volta à Palestina. Porém, sabemos que na ocasião do retorno, nem todos preferiram fazê-lo. Alguns israelitas exilados desprezaram o retorno à sua pátria, desprezaram a herança de seus pais, preferindo ficar na terra dos gentios. Isso também aconteceu por ocasião do cumprimento da profecia, quando o Messias encarnado foi rejeitado (Jo. 1:11). Contudo, seu trabalho foi recompensado, pois foi colocado como “luz para os gentios” e sua obra seria espalhada “até as extremidades da terra”.
A igreja tem a tarefa de continuar sendo “luz para os gentios”, daí a ordem de Jesus para que os discípulos fossem suas testemunhas “até os confins da terra”. No texto em questão, a fórmula espacial ou geográfica “até os confins da terra” tem um sentido escatológico universal, ou seja, abrange todo o mundo.
“Até os confins da terra” – Esta é a estratégia notada no livro de Atos. Os relatos do capítulo 2 apresentam, de maneira resumida, o propósito universal de Deus: “Os judeus, vindos de todas as nações debaixo do céu”, se encontravam em Jerusalém (2:5), e ouviram o primeiro sermão da igreja neotestamentária, “Jesus, varão aprovado”, pregado por Pedro (2:22) e creram em Jesus Cristo. As chaves do reino (Mt. 16:19) abrem a porta do mundo para a salvação.
A missão mundial da igreja começou, sem dúvida, a ser cumprida pela igreja de Jerusalém com sua obra local, regional e nacional e, saindo de seu país, chegou a Antioquia da Síria. Antioquia ficava cerca de 480km de Jerusalém, ao norte da Palestina e, portanto, ao sul da Síria. Fugindo da perseguição que surgiu com o martírio de Estevão, alguns discípulos chegaram a Antioquia. Esses tomaram a iniciativa e começaram a anunciar aos gregos o Evangelho do Senhor Jesus Cristo (At.11:19-21). A igreja de Jerusalém, tomando conhecimento deste fato, enviou Barnabé para lá (v.22). De lá Barnabé foi a Tarso, em busca de Saulo (v.25). Em Antioquia, foram os discípulos, pela primeira vez, chamados “cristãos” (v.26). A igreja de Antioquia, orientada pelo Espírito Santo, separou Paulo e Barnabé para a obra missionária (At. 13:1-3). Notamos na igreja de Antioquia as características de uma igreja de visão evangelística. Era uma igreja que desfrutava da graça de Deus e, por isso, houve crescimento local (v.1). Era uma igreja preparada para a obra, daí a razão de não hesitar e atender a ordem do Espírito Santo (v.2). Era uma igreja preocupada com a obra. Com oração e jejum, concedeu autoridade a seus obreiros (vs. 2,3), e uma igreja que se aplicava na realização da obra, e por isso despediu seus obreiros para realizar sua tarefa (v.3). Dali partiram os primeiros missionários para o mundo (13:5).
Pode parecer pouco a formação de seis igrejas em um pequeno raio de 170km2, porém, há de se destacar que o obreiro mencionado em nossa introdução não se preocupava apenas com sua igreja local. Sua visão era a de expansão regional e, se pudéssemos contatá-lo, possivelmente descobriríamos em sua pessoa a visão nacional e mundial da obra da igreja de Cristo.
É preciso que, como ramo da igreja de Cristo, tenhamos como meta a missão dada por Ele. Devemos cuidar de nossa missão local, sem nos esquecer da necessidade de expansão regional, nacional e mundial. Só assim poderemos “alargar nossa tenda”, “alongar nossas cordas” e “firmar nossas estacas” (Is.54:2).
Fonte: http://www.ipcb.org.br/jornal/Set-Out-01/onde_fica_sua_missao.htm
Faça um comentário