Autor: Pe. Luiz Carlos Lodi da Cruz
Sim, demonstrar o óbvio é extremamente difícil. Pois aquele que não enxerga o óbvio, provavelmente não o enxergará mesmo depois de uma refinada argumentação. Eis-me com a árdua tarefa de “provar” o que sempre foi aceito sem demonstração, mas que Onaldo Alves Pereira ousou rejeitar em um artigo publicado no Jornal Opção (Goiânia, 3 a 9 de maio de 1998, p. A-36 a A-39): que a conjunção carnal entre dois homens ou entre duas mulheres é um ato contrário à natureza.
Alguém poderia argüir que a insensatez do autor é tamanha que não merece resposta. Que quem tem bom senso não precisa de argumentos. E que quem não tem bom senso não vai se convencer mesmo com todos os argumentos.
Tal argüição é válida. Mas convém lembrar que o bom senso, patrimônio precioso da espécie humana, pode ser perdido. Pessoas sensatas freqüentemente deixam de sê-lo por causa do raciocínio falacioso de um orador eloqüente ou por causa da repetição insistente de uma mentira. Não é o cúmulo da insensatez, por exemplo, que o Congresso Nacional esteja agora a ponto de decidir, por votação, se a criança é uma pessoa ou é uma coisa que pode ser esquartejada e misturada aos detritos hospitalares?
Por isso é preciso repetir o óbvio, anunciar aquilo que a própria natureza já anuncia, e denunciar o que a própria consciência já acusa. A verdade, natural ou revelada, não pode ser calada. Se os discípulos de Jesus se calarem “as pedras gritarão” (Lc 19,40).
Mãos à obra, portanto. A palavra “homossexualismo” é um neologismo de origem híbrida, grega e latina, e não existia nos tempos bíblicos. A palavra, não. O vício, sim. E muitas vezes a Bíblia condena tal vício, sem fazer uso de tal palavra. Não é exagero dizer que desde o Gênesis até o Apocalipse está presente tal condenação.
A primeira condenação, implícita mas muito forte, já encontramos no relato da criação do homem. Como coroamento de sua obra, Deus fez o homem “à sua imagem“. E o fez “varão e mulher“. Prossegue a Escritura: “Deus os abençoou e lhes disse: Sede fecundos, multiplicai-vos, enchei a terra e submetei-a” (Gn 1, 27-28). Esta passagem encerra a um dos fins da diferenciação sexual: a procriação. Será esta a única razão pela qual Deus criou dois sexos na espécie humana? Não. Homem e mulher são diferentes também para que se possam completar mutuamente. O isolamento do homem é descrito pelo Gênesis como um mal: “Não é bom que o homem esteja só. Vou fazer-lhe uma auxiliar que lhe corresponda” (Gn 2,18). Ao ver a mulher, tirada de seu lado, o homem exclama exultante: “Esta sim, é osso de meus ossos e carne de minha carne!“(Gn 2,23), ao contrário dos irracionais, que sendo inferiores a ele em natureza, não lhe podiam servir de companhia adequada. A união sexual é descrita no versículo seguinte: “Por isso um homem deixa seu pai e sua mãe, se une a sua mulher, e eles se tornam uma só carne“(Gn 2,24).
Aí está, de maneira magnífica, descrita a instituição do matrimônio e seu duplo fim: a geração da vida e a complementação dos cônjuges. Por natureza, homem e mulher são diferentes e complementares. O que falta no homem, sobeja na mulher e vice-versa. Daí sua atração mútua e a tendência de formar uma união estável e perpétua, apta à procriação e à educação da prole.
Ao estudar a fisiologia masculina e feminina, o biólogo sente-se impelido a louvar a Deus. Como Ele criou tudo com perfeição, de modo que o aparelho reprodutor do homem se acoplasse perfeitamente ao da mulher, que o gameta masculino se unisse ao feminino e que de tal união surgisse um outro ser humano, único e irrepetível!
Parece que estou falando o óbvio, mas é natural que a união sexual, se houver, haja entre um homem e uma mulher. Falar em sexo só tem sentido se houver dois sexos. Não dizemos que a ameba é um animal de um sexo só. Dizemos simplesmente que não tem sexo: é um assexuado.
A conjunção carnal de dois homens ou de duas mulheres não é uma união “sexual”, embora eles tentem fazer uso (antinatural) de seus órgãos reprodutores. Tal ato é totalmente avesso à reprodução e à complementação homem-mulher.
Na impossibilidade de realizarem o ato conjugal, que requer órgãos complementares (o pênis e a vagina), os pederastas e as lésbicas procuram fazer uso de outros, como o ânus e a boca. Ora, a boca pertence ao aparelho digestivo e o ânus tem evidentemente função excretora. Os atos de homossexualidade são, portanto, uma grosseiríssima caricatura do ato conjugal, tal como foi querido por Deus e inscrito na natureza.
É comum que quando falemos que no Congresso Nacional há políticos que defendam o “casamento” de homossexuais, as pessoas franzam a testa demonstrando repugnância. É perfeitamente natural que ao ser humano repugne aquilo que é antinatural. Por mais que os “sexólogos” e alguns autointitulados “psicólogos” insistam em defender tal aberração, o bom senso ainda não se afastou totalmente do povo. Encarar o homossexualismo com “naturalidade” é uma contradição. Seria como encarar a visão com “obscuridade” ou encarar as profundezas com “superficialidade”. Como é consolador que os pequeninos entendam isto! “Eu te louvo, ó Pai, Senhor do céu e da terra, porque ocultaste estas coisas aos sábios e entendidos, e as revelastes aos pequeninos” (Lc 9,21).
A menos que o homem queira rebaixar-se ao nível dos irracionais, escravos dos seus instintos, ele é chamado à virtude da castidade. Tal virtude subordina o instinto sexual à razão. Graças à castidade, o solteiro abstêm-se do ato sexual até o casamento. Graças à castidade, o casado abstêm-se do ato sexual com quem não seja o seu cônjuge. Graças à castidade, o religioso consagrado conserva a virgindade que livremente abraçou “por causa do Reino dos Céus” (Mt 19,12). A castidade é a chave para a fidelidade matrimonial, a sacralidade da família e o respeito à vida. Zombar da castidade é assinar um atestado de fraqueza e frouxidão. Tal zombaria é, na verdade, expressão de uma inveja: a inveja que o fraco sente pelo forte, que o derrotado sente pelo vencedor.
O vício oposto à castidade é a luxúria. Ensina-nos S. Tomás de Aquino (1225-1274) que se pode pecar pela luxúria de dois modos: primeiro, de um modo que contrarie a reta razão(é o caso da fornicação, do adultério, do incesto…); segundo, de um modo que além disso, contrarie a própria ordem natural do ato venéreo que convém à espécie humana. É o que constitui o vício contra a natureza. (cf. Suma Teológica, II-II, questão 154, artigo 11, corpo). Tal vício inclui a masturbação, a bestialidade (conjunção carnal com animais), o homossexualismo (conjunção carnal entre duas pessoas do mesmo sexo) e a prática antinatural do coito, embora realizada entre pessoas de sexo oposto e até mesmo casadas (o assim chamado sexo “oral” ou “anal”, por exemplo).
O vício contra a natureza, explica o teólogo adiante (idem, artigo 12, corpo), tem uma gravidade especial em relação às outras espécies de luxúria. Estas só contrariam o que é determinado pela reta razão, pressupondo, porém, os princípios naturais. Sim, pois o adultério, a fornicação e o incesto, por abomináveis que sejam, são praticados entre um homem e uma mulher, de um modo conforme a natureza, embora contrário à reta razão. O homossexualismo, porém, corrompe a própria natureza do ato. E como os princípios da razão fundam-se sobre os princípios da natureza, a corrupção da natureza é a pior de todas as corrupções. Donde conclui S. Tomás que o vício contra a natureza (que inclui o homossexualismo) é o maior pecado entre todas as espécies de luxúria.
É digno de nota que, em todo o raciocínio acima, o autor da Suma Teológica não use de nenhum texto da Bíblia como premissa. Isto é próprio de S. Tomás: sempre que uma verdade pode ser demonstrada pela razão natural, ele faz abstração do dado revelado para ater-se ao puro raciocínio filosófico. Uma vez demonstrada a verdade, a Bíblia é citada apenas para atestar a conformidade entre a razão e a revelação. É admirável também como o Doutor Angélico, antecipando-se às dúvidas que surgiriam séculos depois, enumera várias objeções à tese que quer provar, e depois responde a cada uma delas. Os modernos pontificadores do sexo teriam muito a aprender com este mestre da Idade Média.
Por ser contrário à natureza, a Bíblia condena explicitamente várias vezes o homossexualismo:
“Não te deitarás com um homem como se deita com uma mulher. É uma abominação” (Lv 18,22)
“O homem que se deita com outro homem como se fosse uma mulher, ambos cometeram uma abominação, deverão morrer, e o seu sangue cairá sobre eles” (Lv 20,13).
Tais aberrações, praticadas pelas outras nações (cf. Lv 20,23), não seriam toleradas no povo de Deus.
Até mesmo o vestir-se com roupas do outro sexo (indício de comportamento homossexual) é condenado como abominação:
“A mulher não deverá usar um artigo masculino, e nem o homem se vestirá com roupas de mulher, pois quem assim age é abominável a Iahweh teu Deus” (Dt 22,5)
Onaldo Alves Pereira não faz nenhuma distinção entre a proibição natural e perene do homossexualismo e outras proibições circunstanciais, como a de comer carne de porco (Lv 11,7-8), que foram superadas pelo Novo Testamento (cf. At 10,15). Leis positivas podem ser mudadas pelo seu Autor (a observância do sábado passou para a do domingo, a circuncisão foi substituída pelo Batismo, o sacrifício do cordeiro pascal deu lugar ao sacrifício de Cristo), mas a lei natural é imutável e eterna. Ao ser interrogado pelo jovem rico sobre o que fazer para alcançar a vida eterna, Jesus apenas cita o catálogo das prescrições naturais: “Guarda os mandamentos” (Mt 19,17). Os dez mandamentos Jesus não veio abolir. Ao contrário, veio levá-los ao pleno cumprimento (cf. Mt 5.17). Ora, o sexto mandamento, que antes dizia “Não cometerás adultério” é agora estendido até à proibição de um olhar libidinoso (cf. Mt 5,28). Seria o cúmulo pensar que o mesmo Jesus, que condenou aquele que olha para uma mulher com mau desejo, e qualificou este ato de adultério cometido no coração, teria sido condescendente com a união carnal de dois homens ou duas mulheres.
A cidade de Sodoma, destruída por Deus pela perversidade sexual dos seus habitantes, deu origem ao termo sodomia, que hoje usamos. Em Gn 19,5 os habitantes de Sodoma chamam Ló e solicita-lhe os hóspedes (os anjos) para tal abuso sexual:
“Chamaram Ló e lhe disseram:
‘Onde estão os homens que vieram para tua casa esta noite?
Traze-os para que dele abusemos’“(Gn 19,5)
Ridiculamente Onaldo Alves Pereira aponta a possibilidade de os cidadãos estarem apenas querendo conhecer os hóspedes, sem qualquer intenção sexual. Não explica, porém, por que Ló se mostra tão preocupado com este “conhecimento” a ponto de oferecer suas filhas virgens no lugar do hóspede. E muito menos explica como os homens as recusam dizendo: “Retira-te daí! Um que veio como estrangeiro agora quer ser juiz. Pois bem, nós te faremos mais mal do que a eles!” (Gn 19,9). A Bíblia não é pano de chão, para ser torcida a bel-prazer do leitor.
Episódio semelhante ao de Sodoma, ocorreu na cidade de Gabaá, em que alguns delinqüentes sitiaram a casa onde um velho havia hospedado um levita de Efraim. Diziam ao dono da casa: “Faze sair o homem que está contigo, para que o conheçamos” (Jz 19,22). O velho entende perfeitamente a intenção maldosa deles e responde: “Não, irmãos meus, rogo-vos, não pratiqueis um crime. Uma vez que este homem entrou em minha casa, não pratiqueis tal infâmia” (Jz 19,23 – O termo hebraico designa faltas graves contra a lei divina, principalmente faltas contra os costumes, particularmente reprovadas por reação contra a licenciosidade dos cananeus – Bíblia de Jerusalém, nota de rodapé).
No Novo Testamento, as condenações ao homossexualismo são terríveis. São Paulo apresenta-o como castigo pelo desconhecimento de Deus e pela idolatria:
“Por isso Deus os entregou, segundo o desejo dos seus corações, à impureza em que eles mesmos desonraram seus corpos. Eles trocaram a verdade de Deus pela mentira e adoraram e serviram a criatura em lugar do Criador, que é bendito pelos séculos. Amém.
Por isso Deus os entregou a paixões aviltantes: suas mulheres mudaram as relações naturais por relações contra a natureza; igualmente os homens, deixando a relação natural com a mulher, arderam em desejo uns para com os outros, praticando torpezas homens com homens e recebendo em si mesmos a paga da sua aberração” (Rm 1,24-27).
Entre aqueles que não herdarão o Reino dos Céus estão os homossexuais:
“Então não sabeis que os injustos não herdarão o Reino de Deus? Não vos iludais! Nem os impudicos, nem os idólatras, nem os adúlteros, nem os efeminados, nem os sodomitas, nem os ladrões, nem os avarentos, nem os bêbados, nem os injuriosos herdarão o Reino de Deus” (1Cor 6,9-10).
Esta tradução (como a de todas as citações feitas até agora) é da Bíblia de Jerusalém. Vejamos como estes versículos estão no original grego, que tento agora traduzir:
“oute pórnoi (nem os impudicos) oute eidololátrai (nem os idólatras) oute moichoí (nem os adúlteros) oute malakói (nem os afeminados) oute arsenokóitai (nem os pederastas) oute kléptai (nem os ladrões), oute kleonéktai (nem os avarentos), ou méthysoi (nem os ébrios), ou lóidoroi (nem os injuriosos), ouc árpages (nem os raptores) basiléian Theóu kleronomésousin (possuirão o Reino de Deus)”.
A palavra pórnoi é o plural de pórnos,õu, que significa “homem prostituído”, assim como porné,és significa “prostituta” e porneía,ãs significa “prostituição”.
A palavra moichoí é o plural de moichós,õu, que significa “adúltero”.
A palavra malakoí é o plural de malakós,õu, que literalmente significa “mole”, mas que no contexto se traduz por “afeminado”.
Enfim, a palavra arsenokóitai é o plural de arsenokoitós,õu, que significa “aquele que se deita com um homem”, ou seja, um pederasta.
Diante do acima exposto é incrível como Onaldo Alves Pereira duvida que neste texto São Paulo se refira aos homossexuais para condená-los. Só não vê quem não quer.
A obsessão de Onaldo por defender o indefensável fá-lo também ver aquilo que quer. Os Apóstolos Filipe e Bartolomeu seriam (pasmem!) um casal de homossexuais. Não sei como ele não apelou para a amizade entre Jônatas e Davi ou entre Noemi e Rute para defender o vício contra a natureza.
Falando em natureza, Onaldo põe o conceito de “natural” no completo relativismo. “O que é considerado natural em uma determinada cultura é muitas vezes, simplesmente, um costume social aceito, e às vezes Paulo fala sobre natural neste sentido“.
É verdade que a natureza é uma só, embora a cultura varie de povo para povo. Mas a cultura, para ser cultura, não pode contrariar a natureza. Ao contrário, a cultura aperfeiçoa a natureza, dando a ela algo de novo. Por natureza o homem recebe de Deus uma terra virgem. Com o seu engenho ele a transforma em um campo lavrado, apto para o plantio. Por natureza ambos os sexos se ordenam um ao outro para formarem a sociedade conjugal. A este dado da natureza o homem acrescenta certos costumes rituais, que a embelezam: assim, as cerimônias nupciais, segundo a cultura de cada povo, podem incluir um vestido branco com véu e grinalda para a noiva, o uso de anéis para representar a aliança matrimonial, um fundo musical vibrante… mas nunca em nome da “cultura” se poderia admitir um “casamento” de pessoas do mesmo sexo.
O livro que fecha as Escrituras, o Apocalipse, exclui da Cidade Santa, a Jerusalém Celeste, todo tipo de impureza: “Nela jamais entrará algo de imundo, e nem os que praticam abominação e mentira” (Ap 21,27). Entre os destinados ao lago ardente de fogo e enxofre, que é a segunda morte, estão os infiéis, os corruptos, os assassinos, os impudicos, os mágicos, os idólatras e os mentirosos (cf. Ap 21,8). O grego usa aqui a palavra pórnois, também usada em 1Cor 6,9.
No entanto, Onaldo Alves Pereira não está só nem é o pioneiro na arte de deturpar os textos sagrados. Bem antes dele, o demônio já havia se utilizado da Bíblia para tentar Jesus no deserto:
“Se és filho de Deus, atira-te para baixo, porque está escrito:
Ele dará ordem a seus anjos a teu respeito,
e eles te tomarão pelas mãos
para que não tropeces em nenhuma pedra” (Mt 4,6 citando Sl 90,11-12).
À citação do Salmo 90 pelo demônio, Jesus responde com uma citação do Deuteronômio:
“Também está escrito:
Não tentarás ao Senhor teu Deus” (Mt 4,7 citando Dt 6,16).
Vale assinalar que a condenação severíssima do homossexualismo não exclui o mandamento universal da caridade, que se deve estender até aos autores deste vício. Não se presta auxílio ao pecador, porém, reconhecendo o seu “direito” de permanecer no pecado. O verdadeiro amor impele-nos a corrigir os que erram. E para corrigir é necessário não ocultar o erro. A verdade, mesmo quando é dura, liberta (cf. Jo 8,32). E a mentira, ainda que macia, escraviza.
Anápolis, 25 de maio de 1998.
Fonte: http://www.santotomas.com.br/espiritualidade/viciocontra.asp
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