O neopaganismo

Autor: Cícero Brasil Ferraz

É constrangedor assistir a programas “evangélicos” na televisão. O ponto central da teologia da prosperidade é uma chamada “fé positiva”, que poderíamos chamar de “fé na fé”. Uma mistura de Vincent Pearle (O Pensamento Positivo) com um humanismo barato pregado nas cadeias televisivas e ensinados – ad nauseam – nos meios de comunicação em massa.
O grande salvador e libertador desse tipo de pregação é o deus Vontade. Se eu desejo e creio, logo recebo. A minha vontade é maior do que tudo – inclusive maior e mais necessária do que o império da vontade de Deus. Aliás, até Deus se submete ao poder da “fé na fé”.
Aqui não se leva em conta a queda. Quando caímos em Adão tudo em nós foi corrompido. Até a nossa vontade é subjugada pelo gládio da malignidade, pela força da carne, pela negação da santidade e pela oposição consciente e obstinada ao Deus Eterno. “Não há quem faça o bem”, é o veredicto final.
Por outro lado, jamais Deus nos desestimularia a pedir, crer e buscar. Deus quer – no que tange à santificação – que exerçamos a fé que ele mesmo nos deu. Não aquela “fé na minha fé”, mas a partir de um relacionamento íntimo com a cruz que nos leva a convicção de pecado, e com a ressurreição que nos leva a uma vida vitoriosa pelo poder de Cristo dentro de nós.
Fé sem cruz, sem túmulo aberto, sem relacionamento com o Espírito Santo, não passa de um esforço humano e caído para conseguir “alcançar graças” que a história tenha a nos oferecer. Mesmo que ela tenha algum conteúdo cristão, será sempre independente de Deus, será, na verdade, uma afronta ao próprio Deus.
Condicionar a mente à própria mente – e é o que muitos evangélicos estão fazendo – é o mesmo que “pagar promessa”. Os pagadores de promessa recebem as graças por causa da promessa cumprida e não por causa da bondade e misericórdia de Deus. São os que chamamos hoje, de neo-pagãos. Falam de Cristo mas, lá no fundo, vivem uma vida independente dele. Mais valem a minha fé, a minha oração poderosa, a certeza que tenho que vou conseguir. Depois vou pensar o que Deus pensa sobre isso.
Essa é a proposta do “outro evangelho” a que se refere Paulo em Gálatas capítulo 1:8-10. Um evangelho sem cruz, sem sofrimento, sem submissão e sem obediência. É só apertar o botão do querer e tudo será feito. Eu dito as normas com a minha fé, cabe a Deus obedecer. Esse Deus se tornou refém da própria “fé da fé”. É o Rei escravizado por seus súditos.
Não sou descrente quanto as grandes realizações da vontade humana. Creio que o esforço científico – independente de qualquer sentimento ligado à salvação – tem proporcionado grandes benefícios à humanidade. Creio na graça comum, isto é, aquela obra de Deus na vida dos homens sem Cristo, homens comuns, capacitando-os a promulgar leis justas, usar a inteligência para descobertas maravilhosas, compor sinfonias que nos encantam.
Não creio, contudo, que essa “graça comum” possa levar o homem ao arrependimento, à convicção de pecados, a abandonar a velha natureza, a buscar ardentemente a face do Deus vivo. Mesmo que esse homem tenha convicções intelectuais sobre a existência de Deus. Uma adesão à fé cristã, não significa necessariamente uma conversão genuína. Daí a minha tristeza em ver no Brasil tanta conversão fabricada, tanta fé dogmática, tanto número de conversão sem transformação.
Nesse meio – no meio dos invertidos, mas não convertidos – prolifera o tipo cristão a que me referi no editorial passado. São motivados pelos possíveis milagres do cristianismo, mas rejeitam absolutamente o senhorio de Cristo. Buscam as mãos de Deus que fazem, mas não sua face que santifica; buscam o Deus que se compromete com o homem através de alianças, mas, eles mesmos não têm nenhum compromisso com Deus.
Na base do “querer é poder” fazem da vontade um ídolo, algo que Deus jamais desejou. A vontade humana foi completamente dominada pela queda quando o seu coração se corrompeu. Só um salvador tão poderoso como Jesus nos poderia libertar de tão poderosa perdição. Portanto, nada de bom poderemos alcançar, querer e almejar através do nosso pobre esforço. Se dependermos apenas da força de vontade, certamente fracassaremos. Estaremos negando o poder do relacionamento prometido na cruz. Se a nossa vontade de vencer o mal bastasse, obviamente não precisaríamos de um salvador (I Co 1:17). A verdade é que só a força da vontade é inútil diante dos imensos problemas que temos dentro da alma.
Não é na “fé positiva”, e nem na abnegação estóica, nem em novenas realizadas e nem na autoflagelação que vamos encontrar graça para as nossas necessidades ou alívio para as nossas dores (Cl 2:20-23). Se somos do alto, devemos olhar para o alto e buscar as coisas lá do alto. É de lá que vem a nossa redenção; é do trono que vem a provisão; é na vontade soberana de Deus que encontramos plena satisfação, gozo e alegria.
A fé cristã nos ensina a crer não naquilo que creio, mas crer naquilo que Deus ensina em sua bendita Palavra. Ensina-nos a reconhecer o Senhor em todos os nossos caminhos e a confiar em sua amorável vontade.

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