O natal russo

Autor: Joshuah de Bragança Soares




A Preparação
Natal é a maior festa, depois da Páscoa, porque celebra o mistério fundamental da fé, a Encarnação do Verbo de Deus. Como na Páscoa, a preparação é de 40 dias de oração e jejum, a Quaresma do Natal, ou Quaresma de São Felipe, porque começa em 14 de novembro, festa do apóstolo Felipe. Na quaresma preparatória, a Igreja celebra, principalmente em dezembro, os profetas do Antigo Testamento que anunciaram o Messias.
No domingo entre 11 e 17 de dezembro, são recordados, de modo especial, os santos patriarcas que aguardavam a vinda do Salvador. No domingo entre 18 e 24 de dezembro, são comemorados os antepassados de Jesus, mencionados nos Evangelhos. Ao se aproximar a festa, a liturgia envolve as pessoas na atmosfera de expectativa do enternecedor mistério de Deus, que vem habitar entre nós.

A grande vigília
A partir de 20 de dezembro, a preparação torna-se mais intensa, com uma vigília de 5 dias. Na véspera do Natal, chamada "sotchélnik", intensifica-se o jejum, que dura o dia inteiro até nascer a primeira estrela no céu.
Três grandes cerimônias são celebradas: a primeira é o Ofício das Horas Imperiais, assim chamadas, porque eram celebradas com a presença do Imperador e da corte imperial e também por causa do esplendor de que a cerimônia se reveste.
O Ofício é celebrado no centro da igreja, com o Evangelho exposto em lugar de destaque e com as portas da iconostase abertas, porque o Salvador não está mais oculto, como outrora na gruta, mas raiou como sol resplandecente para todas as nações. As leituras bíblicas do Ofício introduzem as pessoas no clima de Natal e são intercaladas com poemas litúrgicos de rara beleza. A segunda cerimônia é o Ofício de Vésperas Solenes unidas com a longa Liturgia de São Basílio.

Celebração do Moleben
A terceira cerimônia é a Grande Vigília noturna, que consta das Completas Festivas com a cerimônia da Litiá (bênção dos pães) e o tradicional cântico Deus está conosco e, logo a seguir, o Ofício das Matinas com o cântico do tropário e konákion, que as pessoas conhecem de cor, na melodia tradicional, que se repete inúmeras vezes durante todo o período de Natal, até a próxima grandiosa festa da Epifania (Bogoiavlênie), com a bênção das águas. Nas Matinas, uma parte proeminente é o cântico do Cânon, longo poema litúrgico de nove odes, referentes aos cânticos do Antigo Testamento, mais o Magnificat (9ª ode). No Natal existem dois cânones, o do santo poeta Cosme de Maium e o do outro santo poeta João Damasceno.

Na Manhã de Natal, a Liturgia (a Missa) é celebrada com uma solenidade só igualada à da Páscoa. No final da Liturgia, celebra-se o Moleben ou Ofício com o cântico Deus está conosco, que, nas igrejas russas, é o ofício de ação de graças pela libertação da Rússia da invasão napoleônica em 1812.

O tema do Natal
A teologia do Natal faz a comparação entre o primeiro Adão, da queda e do pecado, com o Segundo Adão, Jesus, da regeneração e da graça. O Natal estabelece o paralelo entre o causador da morte e o restaurador da vida. A festa teria sido introduzida em Constantinopla pelo imperador Arcádio (377), vinda da Igreja de Roma, onde tinha substituído a festa pagã do Sol invicto e se tornou popular, graças à eloqüência de São João Crisóstomo, e à poesia de Santo Efrém, o Sírio.

São João Crisóstomo proclama:
"Hoje é a festa da alegria geral, porque nasceu o Salvador, que é Cristo, o Senhor (Lc 2:10-11). Alegram-se hoje os céus e a terra; alegra-se toda criatura, porque o Salvador nasceu em Belém, porque cessou toda a maldade e Cristo reina para sempre… Aquele por quem os antepassados tanto suspiravam, e que os profetas prenunciavam e os santos desejavam ver, hoje se manifestou. Deus apareceu na terra, na carne, e veio habitar entre os homens".

O santo poeta Efrém, o Sírio, diz em uma palestra sobre o mistério do Natal:
"Hoje raiou o dia da bondade: que ninguém se vingue do seu próximo por ofensas recebidas; chegou o dia da alegria: que ninguém seja culpado de tristeza e ofensa ao seu próximo.
Este é um dia de céu claro e sem nuvens: que seja refreada toda a ira que atormenta a paz e a tranqüilidade… Este é o dia em que o Senhor de toda a riqueza tornou-se pobre por amor de nós".

As tradições Natalinas
O Natal é festejado em 7 de janeiro, porque o calendário juliano, seguido pela Igreja russa, distanciava-se, no século 20, 13 dias do calendário gregoriano, adotado no Ocidente. Cada século, o calendário juliano aumenta um dia. Assim, no século 21, o Natal deveria a rigor ocorrer em 8 de janeiro, mas continua sendo celebrado no dia 7. Algumas igrejas orientais, já adotam o calendário ocidental, por motivos práticos.
A Igreja russa, tanto na Rússia, como fora da Rússia, ainda adota o chamado velho estilo, apesar dos inconvenientes óbvios para a celebração das grandes festas, como Natal, Ano Novo, Epifania, Páscoa e outras. Na ceia da vigília de Natal, não se come carne, mas iguarias próprias da festa, principalmente não pode faltar o pudim de trigo (ou arroz) com mel, chamado "kutiá", que simboliza a doçura do Reino de Deus.
Em nenhuma casa pode faltar a árvore de Natal, ornada com flores e velas, conforme um antigo costume que o Czar Pedro, o Grande, tinha trazido da Holanda, no século XVIII. A árvore de Natal (a iolka) é a única árvore que se mantém verde e viçosa, quando todas as plantas ficam adormecidas debaixo da neve. O Natal é também uma festa para as crianças, por ser a manifestação de Deus como um menino. Em todas as comunidades, organiza-se a festa da iolka para crianças, com presentes e cânticos natalinos, chamados "koliady".
Nos 12 dias que seguem, chamados "sviátki" (dias santos), os párocos visitam e benzem as casas dos paroquianos, compartilhando com eles a alegria do Natal. Todas as tradições são religiosas. As cerimônias litúrgicas do Natal são longas e dificilmente as pessoas poderiam acompanhá-las todas, mas esta dificuldade é contornada na Rússia de hoje, onde as grandes festas são televisionadas.
Algumas igrejas, como a grega, já adotam o calendário do novo estilo (ocidental) e muitas igrejas russas no Ocidente, tendem a fazer o mesmo, mas convém lembrar que o Natal está inserido em um ciclo litúrgico, não sendo possível celebrar só o Natal junto com o Ocidente, sem alterar todo o calendário, com os quarenta dias de oração e jejum, os dias imediatos da vigília e os dias posteriores. Para celebrar o Natal no novo estilo, seria preciso adotar o calendário civil para todo o ano e abandonar o juliano.
Como os países que formavam o antigo império russo já estão hoje ligados ao Ocidente, certamente o Santo Sínodo da Igreja Ortodoxa Russa acabará unificando o calendário. Para isto terá que dar um salto (neste século 21) de 14 dias. Em países, como o Brasil, as comunidades orientais acabam celebrando um duplo Natal, o do Ocidente, e o do Oriente, já em pleno ano novo. Com esta duplicidade, é praticamente impossível atravessar as festas de Ano Novo em oração e jejum na expectativa do Natal de janeiro.

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