Autor: Oswaldo Prado
Os acontecimentos que a mídia tem feito questão de registrar sobre a igreja evangélica em nosso país mostram que ela ainda carece de muita maturidade.
Na verdade, trata-se de uma igreja que cresceu em visibilidade, mas que ainda conserva traços profundos de um ser que mais se parece com um adolescente procurando mostrar aos outros que já se desenvolveu o suficiente para ser encarado como um adulto. Um grande engano. Uma terrível falácia.
Os acontecimentos que a mídia tem feito questão de registrar sobre a igreja evangélica em nosso país mostram que ela ainda carece de muita maturidade.
Na verdade, trata-se de uma igreja que cresceu em visibilidade, mas que ainda conserva traços profundos de um ser que mais se parece com um adolescente procurando mostrar aos outros que já se desenvolveu o suficiente para ser encarado como um adulto. Um grande engano. Uma terrível falácia.
Somos herdeiros de uma mensagem que nos foi trazida por missionários forâneos, especialmente a partir da metade do século 19. Eles vieram até nós porque haviam compreendido aquilo que Dietrich Bonhoeffer fez questão de registrar quando ainda estava nos porões de uma prisão nazista, em 1944, pouco antes de ser sentenciado à morte: “a igreja é igreja somente quando ela existe para os outros.”
Nascemos sob a égide de uma igreja que chegou até nós com uma visão holística do evangelho. Mesmo havendo exceções por parte de alguns missionários que nos trouxeram um evangelho etéreo e alienado da realidade social, hospitais, orfanatos, escolas, instituições de saúde e de ensino teológico foram instalados em terras brasileiras, especialmente no início do século passado.
Tratava-se de uma igreja com a visão de uma missão integral, e que deveria servir de balisamento para o desenvolvimento de uma igreja autóctone com esse mesmo perfil.
Hoje a história é outra. De uma igreja herdeira dos sinais da missão e do Reino, nos transformamos numa simples caricatura daquilo que o Senhor planejou que ela fosse.
A questão a ser levantada a respeito de tudo isso deveria ser a mais simples e óbvia possível: por que nos metemos nessa enrascada? O que nos levou a nos desviar da missão que nos confiada por Jesus?
Estamos verdadeiramente dentro de um processo que tenho chamado de “fenômeno da contra-missão”. Tenho refletido sobre isso e chegado a algumas conclusões. Certamente elas não se esgotam em si mesmas, mas poderiam nos ajudar quem sabe a encontrar de novo o caminho de uma igreja em missão.
Tem-se feito a opção de se estabelecer metas de crescimento antes de medir o caráter daqueles que tem feito parte dessa Igreja
Na ânsia por estabelecer comunidades mais numerosas, tem se feito uso de inúmeras fórmulas importadas de crescimento de igreja. Hoje em dia é muito comum ouvir da boca de pastores e líderes que estão usando este ou aquele modelo. Isso não estaria errado em tese, se o intuito do coração fosse outro.
As portas de entrada em nossas comunidades tornaram-se bem largas, ao ponto de não sabermos bem o que significa ser um cristão autêntico. O “vale-tudo” entrou em jogo, e os absolutos da Palavra de Deus já são descartados, se o interesse é o sucesso e o crescimento.
Sabe-se que em algumas cidades de nosso país, certos comerciantes tem procurado limitar o crédito para pastores. Tem se tornado comum ouvir de alguns cristãos que nunca convidariam outro cristão para trabalhar em sua empresa ou fazer parte de seu negócio.
Quem sabe esta seja uma das respostas pelas quais ainda o Brasil continua o mesmo, apesar do crescimento numérico das igrejas evangélicas. Como uma igreja pode ser um agente de transformação numa sociedade em decomposição, se ela mesma ainda precisa se converter de seus pecados?
Há uma busca pela especialização na gerência de um mercado próspero, antes de sermos vistos como servos de um Reino estabelecido pelo Deus verdadeiro
Sem a visão da missão, a Igreja se torna um mercado de almas. O produto mais obcecadamente buscado passa a ser a figura humana em desgraça e miséria. Quanto mais esse ser humano estiver distante da imagem do Criador, mais presa fácil ele se torna daqueles que anseiam em ampliar rapidamente seus redutos eclesiásticos.
E nesse jogo vale tudo. Promessas, trocas, pensamentos positivos, água benzida, milho ungido, garantia de um marido ou esposa em curto espaço de tempo, e muito mais.
Estava absolutamente correto o saudoso e grande pregador avivalista inglês Charles Spurgeon quando disse em um de seus sermões: “Todo cristão ou é um missionário ou é um impostor.”
O fenômeno da contra-missão faz com que se estabeleça uma igreja como um espaço gerencial hierarquizado, onde a figura paulina do corpo unido na diversidade deixa de existir e passa-se a presenciar a figura daqueles que se auto-denominam “os detentores da verdade”, e que podem ser chamados de um simples evangelista, obreiro ou missionário até a categoria quase suprema de apóstolo.
Isto até soaria razoável se ao menos essas expressões estivessem de acordo com os dons que o Espírito tem dado à Igreja, sendo que, para isso, certamente não haveria necessidade de estabelecermos títulos e níveis de autoridade.
Percebe-se um completo descompasso entre uma Igreja que demonstra crescimento, mas que não provoca transformações estruturais na nação
Há um silêncio angustiante por parte da Igreja em relação ao mundo. Deixou-se de ouvir a voz profética e denunciadora de cristãos inconformados. A igreja deixou-se encantar por ela mesma, e pelas benesses do poder político institucionalizado. Como contestar as injustiças de um governo municipal, estadual ou federal, se amanhã posso ser um beneficiário dele?
Sentimo-nos hoje vivendo um grande paradoxo: enquanto os institutos de pesquisa afirmam que essa igreja evangélica cresce em níveis acima de qualquer expectativa e já se torna motivo de grandes espaços na mídia, a situação do país permanece a mesma.
Os índices de pobreza ainda são alarmantes, a corrupção está instalada nos mais variados níveis de poder, o acesso à saúde e a educação ainda é privilégio de poucos – resumindo: vivemos num país onde as desigualdades sociais são enormes.
O discipulado de uma nação, como a nossa, deveria implicar na implantação de igrejas que fossem verdadeiros agentes de transformação. Essas comunidades se tornariam assim não somente um lugar de adoração a Deus e proclamação da Palavra, mas também seus membros se engajariam em ações concretas para a transformação das cidades.
Com raras exceções, o que temos visto, são “guetos” onde o alvo principal é manter os membros das igrejas satisfeitos e sem nenhum compromisso com aqueles que estão “fora” da igreja, ou seja, os que estão no mundo. Nada mais contra a missão do que esse posicionamento.
Adota-se o posicionamento da “síndrome de Pedro” e se esquece de que a Igreja existe para servir os povos da terra
A busca quase frenética pelo sucesso e crescimento das comunidades tem levado a uma situação bem semelhante àquela que Pedro experimentou: a visão da missão é tão abrangente quanto o espaço geográfico e cultural de Jerusalém. A estratégia missionária passa a ser tão somente aqueles que estão à nossa volta.
Como pensar em abençoar os povos da terra, se de nós é exigido crescer intra-muros? Como desafiar jovens e casais para se tornarem missionários entre povos indígenas, ou em populações ribeirinhas da Amazônia, nos sertões do Nordeste, ou ainda entre nações da África e Ásia, se a tarefa é extender o próprio reino?
Mais uma vez negamos nossa herança missionária. Como explicar diante de Deus que homens e mulheres de outras nações vieram até nós, mesmo antes de seus países serem totalmente evangelizados e nos trouxeram a semente do evangelho?
Como afirmar que Abrãao recebeu o mandato de abençoar as famílias da terra, se nos negamos a fazer o mesmo?
A pressão que pastores e líderes tem recebido para que suas igrejas se tornem conhecidas, e os mesmo bem sucedidos caminha na mão contrária de uma igreja em missão.
Seria possível explicar por que ainda encontramos cidades, povoados, vilas onde a igreja ainda não está presente, enquanto em outros lugares podemos nos dar ao luxo de escolher em qual igreja desejamos ir? Isto faz sentido somente quando a igreja passa a ser tão somente a imagem de Jerusalém, esquecendo-se de Judéia, Samaria e os confins da terra.
Da mesma maneira que nos dias da Reforma, surgiu um movimento chamado de Contra-Reforma, procurando negar os fundamentos preconizados por Lutero, percebo que em nossos dias a igreja brasileira se vê diante de um movimento que caminha na mão inversa da missão.
Os anos futuros poderão nos reservar uma triste surpresa. Estaremos fazendo parte de uma igreja que estará na boca do povo, mas que não provocará mudanças no coração e na alma do povo brasileiro.
A melhor maneira de revertermos esse quadro é pedirmos perdão diante do Senhor em profunda humilhação, e buscarmos intencionalmente o alvo de fazer com que cada igreja local se transforme numa verdadeira comunidade missionária. Mesmo que para isso tenhamos que caminhar na contra mão de tudo o que temos visto e ouvido.
Faça um comentário