Autor: Alan S. Gois
INTRODUÇÃO
Ao longo dos séculos, muito tem se falado acerca de Deus Pai e de Deus Filho. Grande parte das obras teológicas explana ricamente acerca dos atributos e do caráter da primeira e da segunda pessoa da trindade. Mas com isso, pouco se tem produzido acerca do caráter e da obra do Espírito Santo, a terceira pessoa da trindade.
O estudo da pneumatologia não é recente. Todavia, nestes últimos séculos, muito tem se falado e cogitado acerca do Espírito de Deus, sendo que algumas das pressuposições são nocivas para a vida da Igreja, e muitas a enriquece. Percebe-se aí a importância de se estudar a funda a obra do Espírito Santo de Deus, bem como seu caráter, de maneira séria e embasada nas Escrituras.
É nesta constatação que se justifica esta monografia. Todavia, devemos delimitar, em razões de maior eficiência, sobre o que queremos estudar acerca do Espírito. Este trabalho, então, vem analisar e estudar o caráter e o ofício regenerador do Espírito de Deus.
Para começar este trabalho, vemos a necessidade de introduzir alguns conceitos iniciais acerca do Espírito Regenerador. Para isso, esclareceremos inicialmente acerca de alguns termos que envolvem este tema. Em seguida, passamos a elencar algumas abordagens com relação à regeneração, para depois analisar a relação entre o Espírito Santo e a criação, e também o seu ofício regenerador. Por fim, estaremos o Espírito Regenerador em si, e assim, sua ação regenerativa nos seres-humanos, na Igreja e na natureza.
Que Deus possa nos falar e ensinar muito no contato com este tema que é tão atual e presente em nossas vidas, a saber, a regeneração pelo Espírito Santo.
1- CONCEITOS INICIAIS ACERCA DO ESPÍRITO REGENERADOR
1.1 – Terminologia:
Ao iniciarmos esta monografia, sentimo-nos compelidos a refletir brevemente acerca do significado do termo ‘’regeneração’’, pois isto implicará em uma melhor compreensão desta função do Espírito Santo tão importante para a vida.
Sabemos que o Espírito Santo possui um papel essencial no mundo. É Deus presente, imanente, que atua em tudo que é vivo, sendo ele mesmo a fonte da vida. Todavia, devemos nos deter um pouco com relação à regeneração em si. O que é de fato regeneração?
A própria palavra já nos dá indícios daquilo que nos é importante saber acerca deste ofício do Espírito Santo. Se decompusermos a palavra ‘’regeneração’’, teremos um prefixo ‘’re’’, que significa ‘’de novo’’, ou ‘’novamente’’; e ‘’generação’’, cuja raiz é a mesma de ‘’gerar’’ ou de ‘’gênese’’, que está associada à vida, à criação, ao começo. Teríamos, portanto, o sentido de algo que é revivificado, que traz uma vida nova, um nascer de novo, um recomeçar.
Tendo em vista que regeneração é o ato de regenerar, percebemos o significado acima citado quando nos remetemos ao dicionário. Segundo o dicionário Aurélio Online da língua portuguesa, regenerar significa:
‘’regenerar . [Do lat. Regenerare.] V. t. d. 1. Tornar a gerar; reproduzir (o que estava destruído): O organismo humano não regenera os tecidos cerebrais. 2. Dar nova vida a; revivificar, regerar. 3. Reconstituir, restaurar, reorganizar: Serão punidos os que tentarem regenerar partidos ilegais. 4. Emendar, ou corrigir moralmente; recuperar: As penitenciárias deveriam estar preparadas para regenerar os detentos. P. 5. Formar-se de novo; vivificar-se: Os tecidos do cérebro não se regeneram. 6. Emendar-se, corrigir-se, reabilitar-se: Os presos que se regeneraram serão indultados. [Pret. Imperf. Ind.: regenerava, …. regeneráveis, regeneravam. Cf. regeneráveis, pl. de regenerável.]’’
Através desta definição já podemos resgatar algumas idéias acerca da regeneração. Inicialmente, percebemos que regenerar é tornar a gerar o que estava destruído. A criação, destruída pelo pecado que gera a morte, necessita, portanto, de ser regenerada. Outra definição que encontramos é de dar vida nova, revivificar, ‘’regerar’’. De fato, o ofício regenerador do Espírito Santo produz nova vida, revivifica, traz algo novo. E assim, apenas com as definições que o dicionário traz já somos capazes de refletir acerca do papel regenerativo do Espírito de Deus, pois ele renova, revivifica, recria, reconstitui, restaura, recupera, enfim.
De fato, a natureza caída da humanidade necessita nascer de novo, ou seja, ser regenerada para desfrutar do reino de Deus. Cristo já havia dito isso para Nicodemos, no evangelho de João, capítulo 3, verso 1. Jesus afirma que quem não nascer de novo não pode ver o reino de Deus. Já a passagem bíblica de Tito 3: 5 a 7 explica a regeneração como renovação, ‘’com isto descrevendo a experiência batismal da fé e a experiência de fé do batismo pelo Espírito e pela água: ‘não por obras de justiça praticadas por nós, mas segundo sua misericórdia, ele nos salvou mediante o lavar regenerador e renovador do Espírito Santo, que ele derramou sobre nós ricamente, por meio de Jesus Cristo, nosso Salvador, a fim de que, justificados por graça, nos tornemos seus herdeiros, segundo a esperança da vida eterna.’’’
Podemos definir regeneração, portanto, como o ato de regenerar, que é o ato de dar vida nova, de recriar, de refazer algo destruído, ou de reviver algo morto. Vemos aí a importância deste aspecto na vida cristã. É através desta função que só o Espírito de Deus pode comportar que podemos nos libertar da nossa condição decaída, para sermos feitos novas criaturas à imagem de Deus.
1.2 – Abordagens acerca da regeneração:
Tendo esclarecido o termo ‘’regeneração’’, passamos agora a elencar algumas abordagens e doutrinas acerca da regeneração proporcionada pelo Espírito Santo.
Inicialmente, observamos a abordagem de Karl Barth, explanada por Jürgen Moltmann no seu livro ‘’O Espírito da Vida’’, que fala acerca da conversão no Gólgota. Assim, Barth defende que tanto a regeneração quanto a conversão já ocorreram na ocasião da ressurreição de Cristo. De fato, Moltmann comenta esta abordagem da seguinte forma:
‘’Mas se na morte vicária de Cristo por todos os homens a regeneração e a conversão de cada um já se realizou, então a obra do Espírito Santo só pode consistir em levar os homens ao conhecimento e ao reconhecimento deste fato, que sem a participação deles já ocorreu em favor deles. (…) A obra do Espírito Santo só pode consistir no reconhecimento da salvação.’’
Assim, percebemos que Moltmann de certa forma critica esta visão acerca regeneração, pois dá margem à interpretações erradas.
Outra abordagem apresentada por Moltmann é a tese escatológica de Otto Weber, que defende a idéia de que a regeneração se encontra na esperança do futuro, e que esta acontece na ocasião da nova criação. Todavia, percebemos nesta tese um sentimento de desânimo, tendo em vista que só iremos ser regenerados na volta de Cristo. Temos, então, uma abordagem cristológica, de Barth, e outra escatológica, de Weber.
Moltmann, então, através da dialética estabelece uma síntese diante destas duas premissas opostas. Ele afirma que ‘’a regeneração torna presente a ressurreição de Cristo e inaugura a vida eterna.’’ Esta tese coloca a pneumatologia entre a cristologia e a escatologia. De fato, esta abordagem, que tomamos a liberdade de adotar, enxerga o início da regeneração de toda a criação na morte vicária de Cristo e na sua ressurreição, sendo que os que crêem são possuídos por este Espírito da ressurreição e renascem através dele para uma fundamentada esperança da vida eterna.
Percebe-se, portanto, que esta abordagem encara a regeneração como um processo iniciado no Gólgota, que é efetivado a ativado na vida dos que a recebem com o Espírito Santo, mas que só será completada na nova criação. Há uma afirmação de Moltmann sobre este aspecto que i
lustra bem a complexidade da regeneração. Ele afirma que ‘’a compreensão da regeneração é cristologicamente fundamentada, pneumatologicamente executada e escatologicamente orientada’’ .
1.3 – O Espírito Santo e a criação:
A Bíblia afirma em Gênesis 1: 2 que ‘’a terra era sem forma e vazia; trevas cobriam a face do abismo, e o Espírito de Deus se movia sobre a face das águas.’’; e no capítulo 2, verso 7: ‘’Então o Senhor Deus formou o homem do pó da terra e soprou em suas narinas o fôlego da vida, e o homem se tornou um ser vivente.’’ Estes versículos nos expressam claramente a idéia da presença do Espírito de Deus na criação.
Tanto a palavra hebraica x;Wr (Ruah), quanto o grego pneu/ma (Pneuma) expressam o mesmo sentido, de fôlego ou sopro. De fato, vemos no relato bíblico que Deus soprou nas narinas do homem o fôlego da vida, assim como Jó afirma, no capítulo 33, verso 4: ‘’O Espírito de Deus (Ruah ‘El) me fez, e o sopro do Todo-Poderoso me dá vida’’. O Espírito, então, é o fôlego da vida, o agente vivificante, que tem um papel extremamente ativo em toda a criação. Assim, pode-se afirmar que o Espírito de Deus é o dinamus da criação.
Deus criou todas as coisas por meio de seu Espírito. Moltmann afirma que ‘’todos foram chamados à existência pelo sopro de vida divino e são mantidos reunidos numa comunhão da criação favorável à vida.’’ Assim, percebemos a imanência de Deus na criação através do Espírito Santo, que é a força criadora, renovadora, mantenedora e provedora da vida, em toda a criação de Deus.
Observamos, portanto, que o Espírito Santo exerce uma função essencial para que o sistema da criação de Deus não entre em colapso na condição de caos total. É Ele quem coloca ordem na criação, que mantém reunidos todos numa comunhão favorável à vida, como vimos na citação anterior.
Mas que relação existe entre o papel do Espírito de Deus na criação e sua função regeneradora? Ora, este ofício específico está contido dentro do poder criador do Espírito Santo. Como doador da vida, é Ele quem restaura a mesma quando esta perde a sua chama. É o Espírito quem regenera, renova, que restaura a vida. O Espírito Santo é, portanto, a presença do próprio Deus, como já diz a canção: ‘’O Espírito do Senhor, está presente para consolar. É Deus com a gente exalando vida, forças para caminhar.’’
Russel Champlin, relacionando a capacidade criadora do Espírito com a espiritualidade, afirma: ‘’Por ser criador, o Espírito Santo também é capaz de realizar criações espirituais e assim sendo, Ele é a força por detrás de toda a espiritualidade, a começar pela conversão.’’ E a conversão está intimamente ligada com a regeneração.
Assim, não podemos encarar a criação como um evento único, mas como um processo contínuo da manifestação do poder de Deus. A criação de tudo o que existe sim, de fato aconteceu. Todavia, o ofício criador do Espírito Santo não foi desativado, pois senão não haveria regeneração. Regeneração é criação. Prossigamos no entendimento da regeneração pelo Espírito Santo.
1.4 – O Espírito Santo e a regeneração:
Sabemos então que o Espírito Santo é a força criadora de Deus. É Ele quem cria, mantém, provê e regenera a vida. De fato, percebemos que o Espírito Santo, como doador da vida em geral, valoriza-a e cuida para que não haja transgressão contra a mesma.
Neste aspecto, somos capazes de perceber a íntima relação entre o poder criador de Deus e a regeneração da vida. O Deus que valoriza a vida preza para revitalizar a vida daqueles que estão morrendo, em qualquer âmbito. O Espírito não deixou de ser o sopro da vida, que faz viver tudo o quanto entra em contato com Ele. Vemos aí que o criar e o regenerar para o Espírito Santo são indivisíveis, indissolúveis, inseparáveis. Não podemos entender uma ação sem a outra, pois ambas fazem parte da mesma essência.
Percebemos, então, que a regeneração enquanto renovação acontece pelo Espírito Santo, sendo que seu eterno fundamento é a misericórdia de Deus Pai, que é seu amor criador e gerador da vida.
Moltmann afirma que o fundamento histórico da regeneração é Cristo, ou, mais precisamente, a ressurreição de Cristo dentre os mortos. Sendo assim, a teologia da regeneração é a teologia da Páscoa , afirma ainda. A ação do Espírito Santo em Cristo pode ser entendida como a força vivificante da ressurreição, como vemos em Romanos 8, verso 11: ‘’Se habita em vós o Espírito daquele que ressuscitou a Jesus dentre os mortos, esse mesmo que ressuscitou a Cristo Jesus dentre os mortos vivificará também o vosso corpo mortal, por meio do seu Espírito, que em vós habita.’’
2- O ESPÍRITO REGENERADOR
2.1 – O Espírito Santo e a Regeneração dos Seres-Humanos:
Já vimos a definição de regeneração, bem como a relação entre o Espírito Santo e a criação e o seu papel regenerador no mundo. Passamos, pois, a discutir os processos e efeitos da regeneração dos seres humanos pelo Espírito de Deus.
Uma metáfora que exemplifica bem a questão da regeneração é o relato do vale dos ossos secos, em Ezequiel 37, versos 1 a 14. Neste relato podemos observar os ossos secos, que representam o efeito da queda e da morte. É a sequidão, a ausência de vida, a decadência dos seres humanos. Deus, portanto, pergunta ao profeta: ‘’Filho do homem, acaso, poderão reviver estes ossos?’’ (v. 3). É evidente que Deus enxerga a condição em que nós estamos, e que não podemos ser regenerados por si próprios. Deus, então, diz: ‘’ Eis que farei entrar o espírito em vós, e vivereis.’’ (v. 5). Por fim, o Senhor diz: ‘’Porei em vós o meu Espírito, e vivereis’’ (v. 14). Percebemos então que o Senhor é o doador do Espírito, que vivifica, regenera, dá nova vida.
Desde a queda da humanidade, no Gênesis, os seres humanos têm experimentado a morte, em todos as suas esferas efeitos. Tanto no âmbito físico, quanto no âmbito psicológico, espiritual, social, enfim, a humanidade decaída necessita ser revivificada, pois se encontra em processo de morte. Paulo afirma em sua carta aos Romanos, capítulo 6, verso 23 que ‘’o salário do pecado é a morte, mas o dom gratuito de Deus é a vida eterna em Cristo Jesus, nosso Senhor’’. Como no relato do profeta, estamos como ossos secos, sem vida, diante da nossa condição pecaminosa. Necessitamos deste contato com o Espírito de Vida, necessitamos que Deus possa nos regenerar.
Moltmann, em seu livro ‘’O Espírito da Vida’’, elenca alguns dos efeitos que o ser humano regenerado experimenta no contato com o Espírito Regenerador. Inicialmente, ele afirma que ‘’quando experimenta o Espírito da ressurreição, o ser humano respira de alívio, passa a viver de cabeça erguida e andar ereto, e é tomado por uma indescritível alegria. A regeneração da vida’’ – continua – ‘’que renasce da violência e da culpa, das faltas e das ofensas, e enfim das sombras da morte, é uma imensa afirmação da vida.’’
Moltmann também coloca que a paz é outra experiência do Espírito Regenerador em nossos corações inquietos. Ele coloca que ‘’a força do amor de Deus nos inunda total e inteiramente, criando não apenas paz psicológica, mas também física’’. Ele ainda afirma que quem experimenta a paz de Deus em seu coração começa a ter esperança na paz na terra e, por conseguinte, a resistir aos conflitos, aos armamentos, à guerra no mundo dos homens e às explorações e devastações no mundo da natureza.
Podemos perceber que o contato com o Espírito da Vida pode também regenerar o nosso corpo físico. Dispomos de inúmeros relatos de curas físicas, de pessoas que praticamente reviveram em um estado de quase-morte, e de outras que até ressuscitaram. Este aspecto da obra do Espírito Regenerador foi muito presente no ministério de Jesus na terra, bem como no minist
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