Autor: Erasmo Ungaretti
O amoroso Deus, ao formar o homem não só lhe designou tarefas para realizar, tais como cultivar e guardar o jardim do Éden (Gênesis 2.15); conferiu-lhe, também, a graça do descanso das suas atividades.
O próprio Criador exemplificou o repouso com um gesto excepcional. Concluída a criação de tudo a que se propusera fazer, ele abençoou e santificou a sua obra e “descansou nesse dia de toda a obra que tinha feito” (Gênesis 2.2). Quando o corpo humano solicita a restituição das energias exauridas no labor empreendido, descansar é uma exigência imperiosa. Havendo carência de energia é preciso repô-la, para que possa retornar à nova atividade. Com relevância, a Bíblia destaca a pausa como um elemento restaurador do vigor necessário. Também, para o bem do homem, Deus criou dois espaços com finalidades distintas: o dia e a noite, ele para o trabalho e ela para o descanso.
No texto de Gênesis 2.3, que faz referência ao repouso de Deus, encontramos, pela primeira vez na Bíblia, a palavra “santificar”, vocábulo que significa “separação de”. Recordemos que o quarto mandamento da Lei dada a Israel, determinava um dia específico para o repouso – “Lembra-te do dia de sábado para o santificar” – ou seja “repousar” (Êxodo 20.8). Como um dever sagrado, nós filhos do Deus Eterno, devemos “separar” parte do tempo que nos é concedido, “santificando-o” para a necessária comunhão, coletiva ou individualmente, com o nosso amoroso Pai Celestial.
A palavra “sábado”, que significa “descanso”, deu nome, não sabemos quando, a um dia da semana. Os calendários e os nomes dos dias sofreram, no decorrer da história humana, inúmeras transformações. Os israelitas, extremamente apegados à Lei, guardaram como um dever sagrado o sétimo dia da semana para descanso. No decorrer da história desse povo o sábado tornou-se num pesado fardo para eles. Quando, pelo seu pecado, Israel rompeu a aliança com Deus, fato reconhecido pelo Senhor – “porquanto eles anularam a minha aliança, não obstante eu os haver desposado” (Jeremias 31.32), a guarda do sábado tornou-se vaga por um longo período. Com o decorrer do tempo, os rabinos, procurando restaurar o dia de descanso, imprimiram um forte rigor à sua prática. Tomemos, como um exemplo, o caminhar de uma pessoa, no dia de sábado: ela não podia exceder um determinado número de passos que os rabinos estabeleceram.
Com a vinda de Jesus ao mundo, na plenitude do tempo, ele estabeleceu uma nova aliança com os que foram remidos pelo seu sangue. Deus escreveu, então, outra lei – não em tábuas de pedra como a primeira – para reger esse pacto espiritual que une todos os que crêem a ele, na pessoa de seu Filho. Essa lei ele guarda na arca dos nossos corações, onde ele habita juntamente com seu Filho e o Espírito Santo. Essa nova aliança não se preocupa em determinar um dia semanal de descanso; antes, ela ampliou o espaço, abrangendo todo o nosso viver. Ela dá um significado espiritual ao descanso. Ele não se encontra em uma lei, mas numa Pessoa – o Filho de Deus. Nele se concentra todo o repouso anteriormente prometido. Isso levou Jesus a dizer: “Vinde a mim, todos os que estais cansados e sobrecarregados, e eu vos aliviarei. Tomai sobre vós o meu jugo e aprendei de mim, porque sou manso e humilde de coração; e achareis descanso para a vossa alma” (Mateus 11.28,29). Que vale guardar um dia semanal como um rito, se o coração sobrecarregado e cansado confia mais nesse dia do que naquele que é o Senhor soberano sobre todo o tempo?
É expressivo o fato de que os versículos que citamos acima (Mateus 11.28,29) encerram um capítulo e o capítulo imediato apresenta o mesmo assunto: “Por aquele tempo, em dia de sábado, passou Jesus pelas searas. Ora, estando os discípulos com fome, entraram a colher espigas e a comer. Os fariseus, porém, vendo isso, disseram-lhe: Eis que os teus discípulos fazem o que não é lícito fazer em dia de sábado”. Após um breve diálogo, Jesus encerrou o assunto deixando clara a sua autoridade: “Porque o Filho do homem é senhor do sábado” (Mateus 12.1,2, 8). Com essas palavras Jesus afirma ser o administrador desse dia, e ser o Senhor do nosso descanso. Ele é quem estabelece onde, quando, como e em quem devemos descansar.
Na continuidade do texto citado – Mateus 12 – encontramos, ainda, a narrativa de quando Jesus entrou numa sinagoga e curou um homem que tinha uma das suas mãos ressequida. Criticado por esse ato, feito num dia de sábado, ele, de forma firme, asseverou: “é lícito nos sábados fazer o bem” (Mateus 12.9-14). Em outra ocasião Jesus falou: “O sábado foi estabelecido por causa do homem, e não o homem por causa do sábado” (Marcos 2.27). Ou seja, não é o sábado que governa o homem, o homem o administra sob a nova revelação que Deus lhe concedeu através do seu Filho. Jesus não anula o dia de descanso, ele o libera do domínio da antiga lei.
A Lei judaica – as exigências legais da antiga aliança – foi definitivamente cumprida e, conseqüentemente, cancelada pela morte de Jesus na cruz. Nesse momento, o calendário religioso dos judeus se esvaziou, deixando de ter sentido para nós, os remidos pelo sangue do Cordeiro de Deus. Paulo ensina que todas as observâncias do judaísmo foram cumpridas em Jesus Cristo – “Ninguém, pois, vos julgue por causa da comida e bebida, ou dia de festa, ou lua nova, ou sábado, porque tudo isso tem sido sombra das cousas que haviam de vir; porém o corpo é de Cristo” (Colossenses 2.16,17). Só Jesus é o legislador sobre a nova aliança; ele é a cabeça da igreja. Assim, nenhum homem, ou Concílio, ou bula papal, ou qualquer outra autoridade pode legislar sobre o que compete ao Senhor da Igreja, Jesus Cristo, fazer.
O Novo Testamento fala que há um repouso que está aberto a todos os salvos – o descanso que se encontra na comunhão do crente com o Pai Celeste. Um dos pais da igreja, Agostinho, bispo de Hipona, assim se expressou: “Senhor, tu nos fizeste para ti mesmo; e nossos corações não têm repouso até que descansem em ti”. O propósito da redenção é restaurar a perfeita comunhão do homem com Deus, para que desfrute do descanso que o primeiro homem gozava junto ao Criador no paraíso. Essa comunhão o cristão tem, aqui na terra, em parte; ele a alcançará em plenitude a partir do momento em que ocorrer “o encontro do Senhor nos ares, e, assim, estaremos para sempre com o Senhor” (1 Tessalonicenses 4.17) no descanso eterno.
O “descanso” que encontramos na pessoa de Jesus se realiza na vida que, com ele, temos aqui. A sua plenitude será na vida futura, na casa de nosso Deus e Pai. Tenhamos em mente, sempre, a lembrança que a carta aos Hebreus 4.9,10 nos trás: “Portanto, resta um repouso para o povo de Deus. Porque aquele que entrou no descanso de Deus [Jesus], também ele mesmo descansou da sua obra, como Deus das suas”. Esse é o mais perfeito e superior descanso que nos aguarda. E o apóstolo nos adverte que: “Um faz diferença entre dia e dia; outro julga igual todos os dias. Cada um tenha opinião bem definida em sua própria mente. Quem distingue entre dia e dia para o Senhor o faz…” (Romanos 14.5,6). Amém.
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