Autor: Anísio Renato de Andrade
Data : 05 de junho de 1997 – Local : Belo Horizonte – MG
INTRODUÇÃO
Todo ser vivo nasce, cresce, reproduz e morre. A família é um sistema vivo, e, como tal, apresenta também essas fases, quase que invariavelmente. Dar origem a uma nova família é um fato que nem sempre ocorre.
Assim como o indivíduo, a família passa por estágios de desenvolvimento, entre os quais ocorrem as chamadas crises. Estas são a manifestação de necessidades que o estágio findo já não atende e, portanto, é um pedido, às vezes gritante, de mudanças diversas. A crise se caracteriza por conflitos diversos. Contudo, ela não é essencialmente negativa, pois conduz ao crescimento, à transição para um novo nível necessário e importante no ciclo vital.
Existem muitas relações entre as crises individuais e as crises familiares. A crise individual acaba por repercutir no conjunto familiar. Por outro lado, um fato novo, que não é necessariamente um problema individual, pode atingir ao grupo de forma abrangente, como, por exemplo, a chegada da avó para passar uns dias.
Há também problemas, que por sua própria natureza, já são grupais, como, a separação do casal, ou um novo casamento da mãe.
É preciso entender os mecanismos das crises e as opções de solução afim de se evitar a tendência que se tem de se “eleger” um culpado e descarregar nele toda a carga negativa da situação.
O NASCIMENTO DA FAMÍLIA
Esse nascimento ocorre com a união estável entre um homem e uma mulher. O casamento é uma instituição complexa, desde os motivos que o causam até os vários aspectos desse contrato.
Existem as causas aparentes e as causas secretas ou inconscientes que levam um casal a se unir. As causas aparentes são as declaradas. As secretas dão origem aos segredos e mitos familiares. Esses mitos produzem normas bem sistematizadas sobre o papel de cada membro no convívio familiar.
Esses segredos se tornam a chave da durabilidade da união e estão relacionados a quatro princípios, conforme a visão de Pinkus e Dare, que são:
– Projeções de impulsos, desejos e necessidades inconscientes no parceiro.
– Reciprocidade e complementaridade das necessidades e medos de ambos.
– Muitos desses anseios e medos são derivados dos relacionamentos da infância.
– Esses anseios normalmente se referem aos relacionamento com os pais.
DUAS GERAÇÕES
O nascimento dos filhos gera uma crise familiar, principalmente quando é o primeiro filho. A princípio é como se um corpo estranho chegasse para “perturbar” a normalidade da vida conjugal. O principal ponto do problema se refere ao fato de que agora o pai tem que dividir a esposa com o filho. Surge então a situação relacionamento triangular, o que é muito incômodo inicialmente.
Olhando de um outro prisma, a chegada da criança faz com que o pai sinta que perdeu sua posição de filho. Da mesma forma, a mãe sente que perdeu sua posição de filha. Isto é desconfortável e traz um grande peso de responsabilidade, porque ambos têm que assumir o papel de pais.
Tudo isso produz uma mistura de sentimentos antagônicos: amor, ódio, raiva, ciúme, etc. Assim, a estabilidade familiar se balança até alcançar o equilíbrio, o que, quase sempre ocorre, apesar dos contratempos e possíveis seqüelas.
O BEBÊ CRESCE
Os cinco primeiros anos de vida da criança são importantíssimos no seu desenvolvimento. Ela vai se tornando cada vez mais independente e isso gera uma nova crise. Pais e filhos precisam sentir que o amor mútuo continua existindo apesar da diminuição da dependência.
Nesse processo se encontram a fase pré-edípica e a edípica.
Na primeira, a criança estabelece suas fontes internas de confiança através do cuidado materno. A seguir, ela já começa a estabelecer vínculos afetivos com outras pessoas além da mãe. Nessa fase já se existem manifestações de amor e ódio.
Na fase edípica temos o despertamento sexual da criança através de fantasias diversas. Nesse momento, o filho se liga mais à mãe e a filha, ao pai. Conseqüentemente, a criança vê o genitor do mesmo sexo como um rival. Aí se encontram as bases para sentimentos incestuosos. É evidente que o incesto não deve se manifestar de fato. É porém nessa base que se desenvolvem os futuros desejos sexuais da vida adulta.
A FAMÍLIA ADOLESCENTE
Quando o filho entra na adolescência, toda a família entra em uma crise aguda. O adolescente abala as estruturas sob determinados aspectos. Ele questiona normas, enfrenta os pais, quebra costumes, procurando afirmar a sua individualidade. Os pais se vêem em grande dificuldade porque não conseguem mais manter a ordem doméstica como antes. Sua autoridade está ruindo. Por outro lado, o próprio vigor físico dos filhos adolescentes evidenciam pelo contraste a debilidade física dos pais. Tudo isso se torna um sofrimento para todos.
A crise da adolescência deve ser compreendida como uma verdadeira crise familiar. Reforçamos o ponto de vista de que é fundamental percebermos o significado das atitudes do adolescente para todo o grupo.
A FAMÍLIA DE MEIA-IDADE
A adolescência dos filhos costuma coincidir com a meia-idade dos pais. Assim, temos duas crises simultâneas. A meia-idade coloca as pessoas cara a cara com a proximidade da morte. O temor se instala gradualmente. Ainda que a morte física ainda possa ser considerada como algo distante, outras “mortes” já ocorrem na pessoa, à medida em que seu corpo vai se debilitando.
Nessa fase da vida dos pais, muitos filhos saem de casa e isso agrava ainda mais a situação. Os pais se vêem de novo a sós, mas com pequenas possibilidades para o futuro. A vida profissional pode estar no apogeu, mas o declínio já se aproxima. Instalam-se o medo e a insegurança. Diante disso, muitas vezes surgem as acusações mútuas, que explicitam os conflitos individuais. Tal quadro gera algumas reações, fugas ou manipulações. Aí se enquadram as manias, as hipocondrias. As doenças ou a menopausa são usadas como refúgio ou como meio de chantagem para prender a atenção ou subordinação familiar.
A FAMÍLIA DA VELHICE
Nesse momento, sente-se a morte eminente. Além disso, o velho não produz e se sente inútil. Querendo provar a si mesmo e aos outros que ainda existe, ele acaba se tornando chato por suas interferências em questões diversas. Por outro lado, as pessoas se abstêm de um apego ao velho por saberem que sofrerão a qualquer momento com a sua morte. Assim, muitos são rejeitados e acabam vitimados pela solidão, principalmente nos casos em que o cônjuge já faleceu. Esse cenário é mais comum nas áreas urbanas. Nos meios rurais, o idoso tem muitas maneiras de se sentir útil e integrado à família.
CONCLUSÃO
O texto estudado demonstrou com clareza cristalina a realidade do ciclo vital da família. É um tanto quanto triste essa abordagem, porque vemos pesar sobre cada família a fatalidade de sua extinção. Entretanto, sabemos que isso é simplesmente uma conseqüência da mortalidade humana.
Quanto às crises abordadas, achei muito interessantes as questões levantadas, apesar do enfoque ter sido quase sempre sobre os aspectos negativos.
A crise da velhice é, como o autor falou, um problema sem solução. As outras são também sérias, mas podem ser proveitosas, desde que encaradas da maneira certa. Não devemos escolher um membro da família para ser responsabilizado por tudo, mas procurar saber o que cada um pode fazer para que o grupo atravesse a crise sem se desagregar e tirando o máximo proveito das lições em pauta.
Do ponto de vista natural, a análise do texto é desalentadora, mas, como cristãos, sabemos que em todas as crises podemos contar com o auxílio de Deus. A oração e a aplicação dos princípios bíblicos para a família são de fundamental importância para atravessarmos qualquer crise. A família cristã enfrenta problemas como outra qualquer, mas a base de sua continuidade está no amor de Deus em primeiro lugar. Não obstante, a análise psicológica do ciclo familiar é de grande utilidade até mesmo para a família cristã, principalmente no que diz respeito à identificação do problema e suas prováveis causas.
O cristão está fundamentado na fé, na esperança e no amor. Tais bases firmam sua vida e lhe dão segurança até mesmo diante da velhice e da morte, que é a pior crise da existência terrena do homem.
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