Autor: Tércio Machado Siqueira
Alguns lembretes são necessários para os/as estudantes do Livro do Emanuel: primeiro, a tradução é própria do autor deste comentário, e segue a fraseologia do texto hebraico; segundo, este comentário não acompanha os padrões da exegese clássica, de modo pleno, mas procura destacar os elementos voltados para a compreensão do Emanuel.
1. O texto de Isaías 6.1-13
(1) No ano da morte do rei Uzias. E eu vi Adonai sentado sobre um trono alto e elevado. E suas barras enchiam o templo (2) Serafins colocavam-se acima dele; seis asas para cada um. Com duas cobriam seus rostos; com duas cobriam seus pés, e com duas flutuavam. (3) E gritava um para o outro e dizia:
Santo, santo, santo, Javé Sebaote (dos exércitos)!
Cheia está toda a terra de sua glória!
(4) E tremiam os pinos da soleira por causa da voz que gritava. E a casa (templo) enchia-se com fumaça.
(5) E eu disse:
Ai de mim!
Eis que! Eu estou destruído!
Eis que! Um homem de impuros lábios eu sou.
E em meio a um povo de impuros lábios eu habito.
Eis que! Javé Sebaote viu meus olhos.
(6) E voou para mim um dos serafins, e em sua mão uma brasa, com uma espevitadeira tirara de cima do altar. (7) E fez tocar minha boca e disse:
Eis! Isso tocou em teus lábios.
E se afasta tua culpa,
E teu pecado está perdoado.
(8) E eu ouvi a voz de Adonai dizendo:
A quem enviarei?
E quem irá por nós?
(9) E eu disse:
Eis-me! Envia-me!
E ele disse:
Vai e fala a este povo:
Ouçam insistentemente, mas não entendais!
Olhem continuamente, mas não compreendais!
(10) Torna gordo o coração deste povo,
e seus ouvidos faze pesados!
E seus olhos torna grudados!
Para que não olhe com seus olhos!
E com seus ouvidos não ouça!
E seu coração não entenda!
E seu coração entenda,
e converta,
e se cure!
(11) E eu disse:
Até quando Adonai?
E ele disse:
Até que se devastem cidades sem morador
e casas sem pessoas.
E o solo se desolando em deserto.
(12) E Javé afastará para longe o ser humano, e haverá muito abandono em meio à terra. (13) E ainda houver nela uma décima parte, será destruída novamente como uma árvore majestosa e como uma árvore grande que na derrubada deixam estela nela, semente santa sua estela.
1.1 A estrutura do texto de Isaías 6.1-13
I. Referência histórica “No ano da morte do rei…” v. 1a.
II. Reportagem do chamado do profeta Isaías v. 1b-13
A. Observações iniciais do profeta v. 1b-4
1. Visão de Javé e dos serafins v. 1b-2
2. Audição de uma doxologia v. 3
3. As circunstâncias v. 4
B. Reação do profeta Isaías: lamentação v. 5
1. “Ai de mim, estou perdido”
2. “Sou um homem de lábios impuros…”
2. “Os meus olhos viram o rei…”
C. A purificação de Isaías v. 6-7
1. O vôo do Serafe até Isaías v. 6
2. A purificação v. 7
a. O toque nos lábios
b. O oráculo de purificação
D. O diálogo entre Javé e Isaías v. 8
1. Questão de Javé – “Quem hei de enviar? (…)
2. Resposta de Isaías – “Eis-me aqui (…)
E. A missão de Isaías v. 9-13
1. Palavra de Javé v. 9-10
a. Introdução v. 9a.
b. Conteúdo da mensagem v. 9b
c. Interpretando a mensagem de Javé v. 10
2. Questão de Isaías “Até quando, Senhor?” v. 11a.
3. Resposta de Javé v. 11b-13
1.2 Buscando entender o texto de Isaías 6.1-13
É muito importante entender que o capítulo 6 possui duas partes: a primeira refere-se à informação da data do chamado do profeta – “No ano da morte do rei Uzias” (v. 1a); a segunda parte mostra a reportagem do chamado de Isaías (v. 1b-13). Tanto uma quanto a outra constituem-se declarações de fé em Javé, o Deus do povo bíblico que – ao ver o povo inseguro e aflito, e ameaçado e mal liderado – interveio na sua história, anunciando que Deus estava presente em sua luta.
2. Comparando esta perícope com outros relatos bíblicos paralelos
Isaías 6.1-13 é uma reportagem do mesmo estilo literário encontrado em alguns textos importantes da Bíblia:
Êxodo 3.1-11 (Moisés),
Juízes 6.1-18 (Gedeão),
e Jeremias 1.4-10 (Jeremias)
É interessante perceber que a reportagem do chamado de Isaías possui quatro momentos que coincidem com as narrativas acima mencionadas, a saber:
a) Circunstância do chamado divino:
– do chamado de Moisés = o povo hebreu era escravo no Egito;
– do chamado de Gedeão = luta pelo assentamento em Canaã;
– do chamado de Isaías = Guerra Siro-efraimita e morte de Uzias;
– do chamado de Jeremias = luta entre Egito e Babilônia pela posse de Canaã
b) O chamado divino tem por finalidade a missão:
– Moisés: libertar o povo hebreu da escravidão (Ex 3.8-10);
– Gedeão: libertar os hebreus das mãos dos midianitas (Jz 6.14);
– Isaías: resgatar, no rei Acaz e no povo de Judá, a fé em Javé (Is 7.9);
– Jeremias: derrubar o inútil e construir e plantar a vida plena (Jr 1.10).
c) O chamado provoca perplexidade e objeção.
– Moisés: “quem sou eu para ir… e tirar do Egito os filhos de Israel?” (Ex 3.11);
– Gedeão: “… a minha família é a mais pobre em Manasses” (Jz 6.15);
– Isaías: ” Sou um homem de lábios impuros…” (Is 6.5);
– Jeremias: “…não sei falar , porque não passo de uma criança” (Jr 1.6).
d) O chamado divino e a ocupação de cada um..
– Moisés: “apascentava o rebanho de Jetro” (Ex 3.1-6);
– Gedeão: “… malhava o trigo no lagar…” (Jz 6.11);
– Isaías: meditava no Templo de Jerusalém (Is 6.1-2);
– Jeremias: envolvido em atividades de adolescentes (Jr 1.6).
Aprofundando a análise:
(1) A chamado divino, segundo a Bíblia, ocorre em um momento de grande crise e angústia do povo;
(2) Deus não leva em consideração a condição social e econômica, nível de cultura, idade e pureza do/a vocacionado/a para exercer a missão profética;
(3) A missão de uma pessoa vocacionada é destruir a maldade e a injustiça e construir a vida plena na sociedade humana.
2. Aprofundando o conhecimento da circunstância do chamado de Isaías.
a) A ocorrência foi no Templo de Jerusalém. Esta dedução se impõe por vários motivos:
– o Senhor sentado sobre um trono (v. 1),
– faz menção do Templo como local da visão (v. 1),
– as visões de Javé e os serafins com seus cânticos de louvores (v. 2b-3),
– o termo hebraico bait casa funciona como sinônimo de templo (v. 4),
– o uso do nome Javé dos Exércitos é próprio de Jerusalém (v. 5),
– o ato de purificação é próprio do templo de Jerusalém (v. 5),
– a espevitadeira é um objeto que faz parte do altar do Templo (v. 6).
b) O chamado de Isaías só acontece após
a visão (v. 1b-2),
a audição (v. 3),
a sua confissão de pecado (v. 5)
e a sua purificação (v. 6-7).
Aprofundando a análise:
(1) O relato de Is 6.1-13 descarta a possibilidade do profeta estar dormindo e sonhando ou desfrutando momentos de êxtase. Isaías permanece plenamente consciente.
(2) O Templo e o culto são também lugares onde se dão o chamado divino;
(3) O pecado de Isaías não impediu que Deus o chamasse para ser um profeta;
(4) A confissão de pecado e a purificação fazem parte da preparação para a missão do profeta.
3. A importância do chamado de Isaías para o Livro do Emanuel
Para analisar com profundidade esta questão, é preciso abordar dois pontos:
3.1. A extensão do Livro do Emanuel
O Livro do Emanuel (Isaías 6.1-9.6) tem princípio, meio e fim. Ele começa com o chamado de Isaías (6.1-13) e termina com o anúncio da libertação de Israel (9.1-6). O miolo desse livro é a atividade profética de Isaías (7.1 – 8.22).
3.2 O momento do chamado profético e da profecia
A frase que abre o Livro do Emanuel é freqüentemente desdenhada pelos/as leitores/as.
“No ano da morte do rei Uzias” (6.1a).
Contudo, é preciso prestar atenção nesta frase. Ela quer afirmar que:
– profecia não é um conjunto de palavras (não necessariamente, cultual ou eclesiástico);
– profecia é a interpretação da história e a leitura da vida do povo, através de
pessoas autorizadas e legitimadas pela palavra de Deus;
– profecia tem seu momento certo e devido.
3.3 A importância da frase “No ano da morte do rei Uzias” (Is 6.1a)
– Ela quer indicar a data da morte de um grande rei de Judá;
– Ela quer mostrar que a profecia é uma tarefa difícil, sombria e desafiadora.
– Esta frase é, acima de tudo, uma afirmação profética e teológica.
Ela quer dizer que quando a esperança do povo se esgota, Deus intervém em favor do povo e passa a agir. É partir da morte de um grande rei, Uzias, e de um momento sombrio, que o profeta anuncia o Emanuel.
O Emanuel visto a partir do chamado de Isaías:
(1) O Livro do Emanuel deve ser analisado como um todo. Assim, a reportagem da vocação de Isaías (6.1-13) deve ser vista como o primeiro capítulo desse livro. Sem a sua leitura e compreensão, o/a leitor/a não entenderá seu conteúdo e objetivo.
(2) A informação – “No ano da morte do rei Uzias” (v.1a) – é uma importante declaração de fé na atuação de Deus. Ele quer comunicar aos leitores/as que Deus está atento ao sofrimento do rei e à angústia do povo, enviando um profeta para anunciar que Ele não estava distante, mas presente: Imanuel, isto é, “conosco está Deus”.
(3) A reportagem de um chamado divino, para uma missão específica, é uma parte importante da Bíblia. Esses relatos querem destacar a legitimidade divina do profeta diante de tantos opositores à vontade de Deus. Particularmente, fica claro que no Livro do Emanuel o grande opositor era o rei Acaz e o seu medo de tomar a sério a palavra de Javé.
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