Autor: Marcos Gilson G. Feitosa
Este artigo foi escrito inspirado num artigo do pastor Gary Preston, da Igreja Betânia, no Colorado.
Eu estava num acampamento de carnaval com o pessoal da minha igreja e tinha convidado um assessor-auxiliar novo na ABU que me visitava para me acompanhar.
Minutos antes que eu começasse o estudo devocional da segunda manhã, este assessor me chama à parte e me diz o seguinte: “Olha, Marcos, eu não creio que homens de Deus devem ficar brincando como qualquer pessoa fica. Nós temos de ser sérios, reservados; afinal o Senhor nos chama para sermos santos.”
E continuou no mesmo tom solene: “Observe bem, eu não estou dizendo isso para repreender ou qualquer coisa assim, mas acho que servos de Deus não devem se portar dessa forma”. “De que forma, meu irmão?”, perguntei, tentando me conter, enquanto imaginava que espécie de blasfemo comportamento eu tinha tido. Ele não soube explicar direito, mas deu a entender que o que lhe perturbava era o temperamento brincalhão que ele me atribuia. “Servos de Deus são sérios, não ficam brincando”.
Fiquei com muita vontade de retrucar e citar uma meia dúzia de homens de Deus que tinham um temperamento que guardava certa semelhança com aquele que ele atribuia ser meu problema, mas de repente percebí que argumentar e discutir naquele instante só me perturbaria ainda mais antes da devocional para a qual já estavam me chamando. Agradecí o conselho e saí perturbado para dar o estudo devocional.
Dois tipos de conflitos tinham se caracterizado. O primeiro era de ordem pessoal, pois enquanto eu caminhava para a reunião ficava pensando que hora “magnífica” ele tinha escolhido para falar, mesmo se o problema tivesse sido real. Eu o via agora como insensível não só em relação a mim, mas também em relação àqueles que estavam para ser ministrados. Por seu lado, ele me via como alguém que não agia como servo de Deus e possivelmente tinha se ofendido com meu comportamento.
O segundo era um conflito de visões de mundo. De uma lado estava alguém que acreditava que temperamento alegre e brincalhão não faz parte da maneira de ser de um servo de Deus, e do outro alguém que achava que não há uma relação direta entre um estilo específico de temperamento e o ser servo de Deus. Para este tipo de conflito, epistemologicamente mais profundo, a resolução estaria dependente de sensibilidade e de uma conversa franca e fraterna.
Uma parte de mim, enquanto dava o estudo, ficava pensando no acontecido e no que dizer a ele depois da reunião. “Isso; tenho de tratar com ele imediatamente!”, pensava. Mas esta não é uma boa idéia quando se está lidando com resolução de conflitos. A seguir listo algumas notas sobre resolução de conflitos, fruto de vivência em alguns deles.
1) Resista o impulso que vem naturalmente.
De uma forma geral, no ministério, seguir os instintos funciona perfeitamente bem em grande número dos casos. Alguns pastores têm falado que quando estão num funeral, num leito de hospital, ou até compartilhando o evangelho com não-cristãos, os seus instintos pastorais normalmente os guiam na direção certa.
Mas isto não funciona quando a questão é lidar com conflito. Para algumas pessoas, a reação inicial ao conflito é fuga, é esquecer, fazer de contas que a ofensa não aconteceu, e aí procurar algo para fazer, ou então dormir, ao mesmo tempo que a mágoa e ressentimento vão se alojando no coração. Para outras, o que vem naturalmente é o desejo de resolver a questão na hora, em cima da bucha, e obviamente com toda a “sabedoria” da reflexão do tempo gasto desde a instalação do conflito até a reação, o que em alguns casos, não passa de segundos.
Em ambos os casos, é saudável resistir ao impulso que vem naturalmente. Para os fujões, que são tentados a pretender que nada aconteceu, é bom sentar e refletir sobre a situação, assumindo consigo mesmo o compromisso que vai tomar uma atitude positiva em relação à situação. Para os arrojados, que se arremetem contra o conflito na maioria das vezes sem ter nenhuma idéia do contexto amplo que o gerou, é bom também sentar e refletir sobre a situação, assumindo o compromisso que só tomarão alguma atitude quando tiverem refletido o suficiente e tomado uma decisão positiva em relação à situação.
2) Converse com a pessoa sobre o assunto.
Depois de reflexão séria e tempo gasto em oração pedindo a orientação de Deus e a serenidade do Espírito, talvez seja a hora para conversar com a pessoa. Se você se sente suficientemente calmo e sereno, talvez dê para a conversa acontecer a dois. Se não, ter presente uma pessoa da confiança de ambos funciona às maravilhas.
Ao conversar, tente primeiro entender o ponto de vista do outro, os referenciais a partir do qual ele fala, mesmo que as suas atitudes lhe pareçam erradas; pois é a partir daquele ponto de vista que ele está agindo e para ele lhe parece certo.
Fundamental é decidir de antemão quem vai sair ganhando neste acerto: se você, se ele, ou se o Senhor vai ser honrado. Se a sua preocupação for honrar ao Senhor com o resultado, até a possibilidade de uma aparente derrota sua não vai ser de todo descartada. O Senhor obviamente se alegra com a verdade, mas exulta com o amor. Não adianta nada colocar a verdade de uma forma contundente sem que ela esteja permeada pelo interesse pela outra pessoa. Por isso, às vezes é necessário para pessoas de temperamento mais arrojado não cederem à tentação do acerto imediato, pois ressentimentos e rancores podem estar ainda em plena ebuliçâo.
A grande maioria de mal-entendidos ocorre porque temos panos-de-fundo diferentes. Uma palavra dita sem intenção de ofender pode suscitar em outros reações imprevisíveis, simplesmente porque o tom em que foi dita, ou a expressão que foi usada, ativou memórias do passado com tremendo potencial explosivo e corrosivo.
Por isso, é saudável usar a regra áurea; tente expressar a sua percepção da situação mais ou menos assim: “Olha, eu entendí essa sua ação, atitude, ou palavra como indicando isto… Entendí corretamente? Foi isso que você quís comunicar?” Dita no momento apropriado, esse tipo de postura pode fazer verdadeiros milagres.
Discordar não é motivo para conflitos. É bom num grupo existir opiniões divergentes. Pessoas podem discordar e ainda assim trabalhar juntas. O que não pode existir é desrespeito.
3) Mantenha pelejas pessoais no nível pessoal.
Imagine a seguinte situação: um líder estudantil tem lutado para conseguir que o seu grupo se organize, planeje com antecedência suas atividades, dando assim margem para improvisar com mais segurança e criatividade num imprevisto. Mas existe uma pessoa no grupo que reage fortemente a isso. Depois de um certo tempo, o grupo começa a mostrar os frutos de trabalho sério e planejado, e numa reunião da liderança com os pastores da cidade, os líderes estudantís expressam seu contentamento pelo trabalho bem feito durante o semestre e os pastores comentam que estão impressionados com a capacidade de organização, seriedade e planejamento do grupo. Aí o líder que sempre enfatizou essas coisas comenta: “Ah, que bom ouvir isso; embora existam pessoas que não gostam muito disso, e acham que tudo deve ser feito por pura inspiração do momento”. Mesmo sem mencionar nome, ficou claro para todos os estudantes a quem ele se referia. O ataque anti-ético e público de uma disputa privada criou um clima ruim numa reunião muito boa.
Portanto, mantenha as disputas pessoais que você tenha com alguém privadas.
4) Pratique atos de bondade.
A melhor maneira de realizar uma “vendetta” é com atos de bondade; fazendo algo para o bem da pessoa difícil. As possibilidades são inúmeras. Um certo pastor tinha um membro de sua igreja que era uma pessoa particularmente difícil. Nunca parecia estar satisfeito. E quando esta pessoa lhe dirigia a palavra era sempre “pegar no pé”; com criticas irônicas e destrutivas. A saída do pastor durante algum tempo foi evitá-lo.
O pastor depois mudou de atitude; decidiu amá-lo: fazer atos de bondade em relação a esse homem. Um dia, convidou-o para pescar, sabedor das habilidades dessa pessoa na área: “Você poderia ir pescar comigo no próximo sábado? Gostaria que você me desse algumas dicas: em pescaria eu sou um verdadeiro iniciante”. O outro irmão topou. Foram; não só uma, mas quatro vezes. Depois de algumas semanas o pastor ouviu aquele homem alegremente se referindo às lições de pesca que tinha dado ao pastor em conversa com outras pessoas. Passado um tempo, o pastor foi com a família pescar. Conseguiu pegar um peixe grande o suficiente. Na volta, passou na casa daquele homem e ofertou a sua primeira grande pegada a ele, como um presente pelas lições que ele lhe tinha dado. O outro ficou exultante, e um início de uma nova relação começou.
Fazer atos assim é como colocar brasas na cabeça dos outros; um estímulo a que as pessoas acordem suas consciências e civilidade.
E quando tudo isso não dá certo?
E o que fazer quando você percebe que a pessoa com a qual você tem conflito, mesmo quando você mostra abertura e disposição para uma conversa honesta e construtiva, não parece ter a sua mesma disposição? Ou quando mesmo realizando atos de bondade, a outra pessoa em vez de acordar a consciência, vê seus atos como um sinal de que afinal ela estava absolutamente certa?
Não existem soluções fáceis. Cada pessoa e cada conflito têm os seus próprios contextos. Em alguns casos, talvez seja hora de um grande esforço e deixar claro para a pessoa a intenção de conversar depois, quando a situação talvez estiver mais amadurecida para ela.
Se o caso é que a pessoa não se mostra disposta a conversar, talvez seja interessante dar sinal a ela que você se preocupa como é que ela está processando a frustração que está passando. Fazê-la sentir que você se interessa e se preocupa.
E no caso da pessoa que a cada vez que você age com atos bondade em relação a ela, ela fica convencida que estava certa mesmo, é importante não parar de amá-la. Lembre-se; não somos chamados a gostar dos inimigos e dos que nos perseguem, mas a amá-los. E amar é procurar o bem do outro.
O apóstolo Paulo recomenda: “se possível, o quanto depender de vocês, tenham paz com todos os homens” (Rm 12:18). Ele sabia que há limites. Mas o quanto depender de nós, e se for possível, devemos procurar a paz. Há casos que não são possíveis, e podem existir pessoas que, por qualquer razão, não estejam interessadas em ter paz conosco.
Conclusão
Em relação ao caso do irmão que me repreendeu no acampamento, a situação ficou assim: depois da exposição, saímos para conversar e tentei explicar primeiro o conflito de visões de mundo, indicando a ele que embora as pessoas com as quais ele convivia diariamente eram de um temperamento mais reservado, não era mandatório para todos os crentes se comportarem daquela maneira. Isto não ficou completamente resolvido para ele, mas pelo menos ele deu sinais que tinha entendido o que eu tinha falado.
Quanto ao outro conflito, mais pessoal, reconhecí primeiro que o interêsse dele era em última análise me preservar de um comportamento que ele julgava inapropriado, e que eu o agradecia por essa preocupação. Pedí contudo que quando ele no futuro se sentisse impelido a fazer isso, não só comigo mas com outras pessoas, que considerasse com carinho qual seria a melhor hora e oportunidade para fazê-lo. Disse que tinha ficado perturbado na exposição. A este ele aceitou prontamente. E continuamos amigos e, pelo que me consta, respeitando as diferenças de temperamento que temos.
Marcos Gilson G. Feitosa foi secretário de Capacitação da ABUB por muitos anos.
Faça um comentário