Autor: Autor Desconhecido
Meu pai…
Os anos avançam e quem se interessa em curtir toda a sua vida sempre pára para analisar o que se passou e para planejar o que ainda virá.
Eu estou tratando o meu passado para que os reflexos ruins que trago até hoje não interfiram mais no meu presente. Quero dizer que já não quero mais sofrer por coisas que ocorreram no passado e que não dá para mudar. O que tem que mudar é a minha forma de encarar essas coisas. E muita coisa negativa que carrego hoje vem da forma como o *senhor me tratou desde que nasci.
Na sua cabeça, se todas as pessoas do mundo fossem iguais ao senhor, o mundo seria melhor. Como está enganado! O senhor critica o que os outros fazem, mas não tem nem idéia de qual seria a melhor maneira de se agir. Muitas vezes presenciei isso. O senhor sempre quis nos mostrar que é mais inteligente do que qualquer outra pessoa, mas muitas vezes não soube dar soluções para alguns problemas. Eu cresci tendo muito medo do senhor, sempre pensando se o que eu estava fazendo iria te agradar ou não. E por várias vezes achei que estava certa e acabei apanhando por estar errada, como aquela vez que eu dobrei a conta da vendinha comprando doces pra mim e pra minha amiguinha de escola. Ora, eu tinha aprendido que deveria compartilhar as coisas com os outros, mas não sabia que não poderia dar exatamente os mesmos bens que eu tinha. Cada vez que eu comprava um chocolate pra mim, comprava outro igual para ela, e achava que todo mundo deveria fazer isso e que o senhor iria se orgulhar de mim pela minha atitude. Só que levei uma inesquecível bronca, a qual só entendi muitos anos depois.
Na sua opinião, cuidar de uma família é não deixar faltar alimento, roupas, saúde e um lar confortável. O senhor soube fazer essas coisas direitinho e trabalhou a vida toda, honestamente, para que não faltasse nada disso dentro de nossa casa. Muito bem! Hoje em dia é difícil encontrar pessoas assim. O problema é que o senhor acha que só essas coisas já são suficientes e que qualquer expressão de carinho ou de amor pela vida é perda de tempo e de dinheiro. Mas saiba que o seu apego ao dinheiro é justamente o que te traz mais tristeza, pois o dinheiro sempre o levou a pensar primeiro em si mesmo para depois pensar na família e nos outros de fora e é ele que te afasta de nós.
Na sua opinião, festas, roupas boas, presentes, viagens, são coisas de luxo que ninguém precisa ter pra ser feliz. Qualquer exagero também acho que é verdade, mas o senhor não queria nunca que eu tivesse essas coisas porque não queria criar uma filha mimada. Sempre regulou muito o dinheiro para que as minhas vontades não fossem satisfeitas. Lembra o quanto foi difícil eu conseguir a minha primeira bicicleta? Lembra de quantos dias minha mãe e eu choramos para que o senhor a comprasse? Lembra que todos os meus primos e amigos tinham bicicletas pra ir na escola e pra se divertir e que o senhor, mesmo vendo a minha grande tristeza, não queria fazer a minha vontade, mesmo tendo dinheiro de sobra pra isso? Passei muitos anos da minha vida me perguntando por que o senhor era tão ruim. A bicicleta é só um exemplo. Foram muitos os sonhos que o senhor poderia ter realizado pra mim, mas não o fez simplesmente porque não quis.
Pai, eu sempre lutei muito para conseguir outras coisas do senhor que o dinheiro não compra: abraços, beijos, elogios, incentivos, conversas, interesse em saber como está a minha vida. O senhor só sabe como estou e o que ando fazendo porque a minha mãe te informa. Foram poucas as vezes que o senhor realmente quis ouvir o que eu tinha pra dizer e eu ainda tinha que falar rápido, senão o senhor levantava da cadeira ou do sofá demonstrando que não se interessava muito pelas minhas aventuras. Na sua cabeça, tudo o que eu penso e faço são “abobrinhas”. Quantas vezes ouvi o senhor dizer que eu nunca serviria pra nada! Fiz muitos cursos, concursos, faculdade, viagens, trabalhos e tantas outras coisas para provar que eu podia ir longe. Conheci o Brasil, viajando de Nordeste a Rio Grande do Sul. E sempre, em todos esses lugares, eu pensava no meu pai e no quanto ele poderia se divertir se também conhecesse esses lugares, ao invés de ficar preso à nossa cidadezinha. Sempre, mas sempre mesmo, pensei no senhor. Sempre esperei chegar em casa e poder te contar o que vi e aprendi, mas sempre era a mesma frustração. Minha mãe ouvia tudo e fazia mil perguntas, mas o senhor mal olhava as fotos. Ah, pai, como eu queria que fosse diferente!
Eu tentei provar para mim mesma e para o senhor que eu podia fazer muita coisa sem o seu precioso dinheiro. E realmente fiz muita coisa sozinha, mas nunca ouvi o elogio que eu esperava por isso. Meus amigos e professores sempre me elogiaram por eu ser tão dedicada nas minhas atividades, mas o senhor continuava falando que eu só tinha minhoca na cabeça. Mesmo sabendo que eu era inteligente, a sua má opinião me deixava muito, muito triste, e eu passava a acreditar que o senhor podia ter razão! Até hoje, é muito difícil eu me sentir segura nas coisas que faço, pois parece que a sua voz ainda está me dizendo que não irei conseguir.
Desde pequena ouvi da sua boca que eu não presto pra nada e que nunca iria ser alguém na vida. Deus sabe o quanto lutei pra te provar que isso não era verdade. Bati de frente com o senhor pra chegar onde cheguei, fiz muita coisa contra a sua vontade para que hoje o senhor se orgulhasse de mim e pudesse enxergar que a sua atitude estava errada. Mas nunca recebi um elogio por isso. Às vezes, um ou outro amigo seu me conta do seu orgulho pelas minhas conquistas, mas eu nunca vi isso pessoalmente, pois o senhor nunca quis demonstrar o quanto estava feliz por mim.
Por várias vezes eu desejei ter nascido homem, pois assim sei que teria todo o seu amor e atenção.
Neste ano comecei a entender os seus motivos de ser assim. Comecei a revirar o seu passado e entendi que o senhor só está repetindo a forma como o meu avô te criou. Hoje eu sei que o senhor teve muitos sonhos que o meu avô cortou. É uma pena saber que o senhor não lutou por esses sonhos até o fim. Dá uma grande tristeza lembrar as tantas vezes que ele te humilhou dizendo que o senhor não sabia fazer nada direito. Eu fui testemunha disso em várias situações. O senhor se fechou num mundinho de frustração e passou a querer que todo mundo também fosse frustrado. É por isso que não me ajudou nas minhas conquistas, que não se alegrava com as minhas notas na escola e que nem foi ao meu casamento. A sua tristeza aumenta quando o senhor vê alguém feliz.
Eu sinto muito por te ver assim e gostaria de poder te ajudar a mudar, mas o senhor nunca gostou de conversar comigo e acho que nem leu as cartinhas que muitas vezes te dei porque não conseguia falar oralmente o que eu sentia. O senhor me criou como uma obrigação e não como um presente de Deus.
Mas eu te perdôo de tudo isso e estou disposta a te ajudar a fazer as coisas serem diferentes daqui
Que Deus te abençoe muito!
Sua filha,
**Camila
* Fui educada para tratar meus pais e parentes mais velhos por senhor e senhora.
** Nome fictício de uma personagem verdadeira, como verdadeira é a história acima.
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