Autor: Lalith Mendis
Qual a relação entre mansidão e herdar a terra? Mansidão é deserdar, despossuir, e despojamento. Jesus que era o próprio Deus se despojou da glória de Deus para se tornar homem. “Que, sendo em forma de Deus, não teve por usurpação ser igual a Deus, mas a si mesmo se esvaziou, tomando a forma de servo, fazendo-se semelhante aos homens” (Filipenses 2.6,7).
Este é o grande mistério da piedade (1 Timóteo 3.16). A mansidão é desprendida, e não se agarra aos seus direitos. “Haja em vós o mesmo sentimento que houve em Cristo Jesus” (Fp 2.5). “Nada façais por contenda ou por vanglória, mas por humildade, cada um considere os outros superiores a si mesmo” (Fp 2.3).
Contenda e vanglória resultam de uma mentalidade auto-afirmativa, apegada a seus próprios direitos. Jesus “não teve por usurpação”, ou não procurou afirmar o seu próprio direito. A palavra grega usada neste texto é harpagmon, que significa buscar ou agarrar-se a um prêmio. Jesus não se apegou, mas se desprendeu. Aquele que deserdar a si mesmo há de herdar.
E o que é a “terra” que os mansos herdarão? A Escritura diz que o Senhor dará “as nações por herança” (Salmo 2.8). Esta profecia dirigida ao Rei-Servo Messiânico aplica-se também para o servo messiânico – a Igreja. Um significado de “terra” é seus habitantes. Quando se pensa em um país, pensa-se no seu povo. Os mansos que seguem o Cordeiro recebem a autoridade de estabelecer o governo de Deus na terra. Herdamos os povos para Deus. As missões usam a palavra “ocupar”. O verbo “herdar” refere-se também a entrar na terra prometida (Dt 4.1; 16.20; Is 57.13; 60.21).
Homens como A. B. Simpson e Hudson Taylor não só ocuparam territórios para o Senhor com o mandato do Evangelho, mas também ajudaram comunidades missionárias a possuírem terrenos e prédios essenciais para a obra do Senhor. Estes santos de Deus e outros pioneiros dedicados, com certeza, usaram tudo isso para a glória de Deus. Jorge Müller, exclusivamente pela oração, conseguiu centenas de milhares de libras esterlinas para o trabalho missionário, além de cuidar do seu próprio projeto do orfanato. Homens egoístas tentam herdar a “terra” que pertence aos outros. Mas ao se empenhar pelo Evangelho, os homens de Deus no passado conseguiram grandes coisas para a glória de Deus. Sempre que há um avivamento, em qualquer parte do mundo, os redimidos de Deus dão seus terrenos, casas ou bens para a obra do reino.
Os Mansos Não Cobiçam
A cobiça é exatamente o oposto da mansidão e é semelhante à idolatria. Uma pessoa que cobiça tem olhos avarentos e procura obter as muitas coisas que deseja. Uma área muito crítica na vida de um crente, onde é necessário desenvolver a mansidão, é sua atitude em relação às possessões materiais. Deus e Mamom (riquezas) sempre estarão em concorrência. Depois de dar dez por cento, muitos presumem que os noventa por cento lhes pertencem para gastar conforme desejam. Mas isto não é o cristianismo do Novo Testamento. Os cristãos não reivindicam seus noventa por cento, embora tenham direito a isso pela graça de Deus.
Nossa atitude com relação às riquezas determinará o quanto Deus nos confiará dos verdadeiros tesouros do céu. “Se nas riquezas injustas não fostes fiéis, quem vos confiará as verdadeiras?” (Lucas 16.11). O homem que abusar do tesouro material para sua cobiça, da mesma forma há de abusar dos dons celestiais para sua própria exaltação.
Mansidão é Quietude
O crente santificado anda em quietude de coração e espírito no meio de um shopping center, comprando apenas o que precisa, e não para satisfazer sua ganância. Um momento crítico vem para cada crente ou ministro, em que Satanás revela-lhe o brilho deste mundo, e lhe diz: “Vá atrás disso e conseguirá”. Quando o número de membros de uma igreja começa a aumentar, muitos que no início eram humildes e obedientes tornam-se exaltados e autoritários. Um empresário cristão enfrenta muitas vezes o momento em que precisa decidir sobre quem é seu primeiro amor. É aqui que o coração que deserda a si mesmo (coração manso) precisa ser firme a fim de herdar os valores eternos da maneira de Deus.
O homem manso não fica incomodado quando vê seu próximo com um carro mais novo que o seu, ou uma casa mais luxuosa, ou um escritório mais suntuoso. Seu coração está fixo no inabalável. O homem manso não diz: “Quero possuir aquilo que o outro tem”. Salmo 37.1-11 descreve vividamente o homem manso. Ele não se inquieta com o sucesso dos malfeitores, os orgulhosos ou os gabadores. Ele confia no Senhor, e entrega seus caminhos a ele. Descansa no Senhor e espera com paciência. Não fica irado com ofensas cometidas contra ele. Jesus busca pessoas assim!
Mansidão e Autoridade
O Senhor só pode dividir sua autoridade com os mansos que não a abusarão. Moisés era o homem mais manso sobre a terra na sua época (Nm 12.3). Deus podia confiar-lhe uma autoridade tremenda. Quando ele orou, a terra abriu sua boca e engoliu os rebeldes (Nm 16.31,32). Moisés se deserdou das riquezas do Egito para sofrer com seus irmãos (Hb 11.24,25). Moisés recusou uma oferta divina de fazer dele uma grande nação (Êx 32.10). Grande exaltação vem através de profunda humilhação (Fp 2.8-11). “Humilhai-vos, portanto, debaixo da potente mão de Deus, para que a seu tempo vos exalte” (1 Pedro 5.6).
O erro desastroso da vida de Moisés foi pensar apenas uma vez que a autoridade era dele. “Porventura tiraremos água … para vós?” (Nm 20.10). Ele não tinha nada que o Senhor não tivesse lhe dado. “Para que ninguém se glorie perante ele” (1 Co 1.29). “Pois quem te faz diferente? E que tens tu que não tenhas recebido? E, se o recebeste, por que te glorias, como se não o houveras recebido?” (1 Co 4.7).
Mansidão e Oração
Para os mansos, orar é como respirar. Eles não têm outra resposta para injustiça, opressão, crueldade, insultos, obstáculos ou outras maldades. Os mansos oram quando os arrogantes resistem ao Evangelho. Os mansos oram quando militantes ímpios desfilam em grande pompa. Os mansos oram quando perseguidores se lhes opõem. Lembramos da oração de Estêvão ao ser martirizado, que emulava a oração de seu Salvador. Esta pode ter sido a primeira semente a ser colocada no coração arrogante do militante Saulo de Tarso. Será uma coincidência que os nove dons do Espírito devem ser emparelhados com os nove frutos do Espírito? (Gl 5.22). A mansidão é um dos frutos colhidos pelo Espírito.
Quando vemos nossa nação, nosso governo, nossos vizinhos, nosso pastor, ou nossos companheiros na fé fazendo algo contrário à vontade de Deus, qual é nossa reação? É criticar e malhar por trás, ou suplicar a Deus em mansidão? Se pudéssemos preservar toda nossa energia espiritual para fazer súplicas fervorosas em mansidão ao invés de despendê-la em reações iradas, o mundo experimentaria uma revolução de amor dirigida pelo exército manso do Cordeiro de Deus. O mundo e os anjos aguardam que o Espírito nos redimidos tome posse das nações pela mansidão da oração e por homens e mulheres mansos que se levantem para travar grandes batalhas no Espírito.
Mansidão e Fé
Fé é a moeda que Deus usa na terra para promover seu reino. A fé envolve conhecimento e afirmação do caráter de Deus, e confiança e confissão da sua bondade e providência. Quando sofro ou enfrento uma derrota, aguardo em mansidão e fé para a próxima, infalível, e perfeita ação de Deus. Para aguardar em fé, é preciso ter um coração humilde. Muitas e muitas vezes, tivemos de confiar no Senhor e esmagar nossos corações diante dele para alcançar um novo passo no ministério ou na obra de Deus.
Muitos são pressionados a esperar grandes obras do mover do Espírito Santo, e quando não vêm, a presunçosamente imitá-las. Quando o Espírito Santo não manifesta seu poder, então os falsificadores o simulam. A mansidão traz paciência, sem a qual não poderemos herdar as promessas da fé. “Desejamos que cada um de vós mostre o mesmo zelo até o fim, para completa certeza da esperança” (Hb 6.11).
Devo planejar, devo orar, devo estabelecer alvos e trabalhar para atingi-los. Mas é Deus quem pode dar o crescimento (1 Co 3.6-8). Certamente se não aro, semeio e irrigo, Deus não poderá dar o crescimento. A fé opera somente em humilde dependência. Alguns métodos espalhafatosos de ajuntar multidões nas igrejas nem precisam do Espírito Santo. Só precisam de técnicas engenhosas de propaganda. Tais multidões pulam de igreja em igreja sem experimentar verdadeira regeneração.
Quando trato com um companheiro na obra que está em erro, preciso fazer isso com fé. A “anti-fé” diz: “Este nunca vai mudar; sempre será assim”. Mas a fé unida com mansidão ora assim: “Senhor, tu podes mudar meu irmão”. Tristemente, muitos cristãos agem com anti-fé, e contribuem para o progresso do reino das trevas.
“Ó Jesus, enche meu coração com confiança, amor, dependência, e paciência, para ver a vontade de Deus feita em mim, e através de mim, nos outros!” O homem orgulhoso considera a falha como causa de desânimo. O homem manso, mesmo ameaçado com pedras, se fortalecerá no seu Deus, como por exemplo, Davi (1 Sm 30.6); Moisés (Êx 17.4); Josué (Nm 14.10); Estêvão (Atos 7.58,59).
O homem manso não dita sua agenda para Deus, mas aguarda a ação dele. Quando Deus vê fé num homem manso, ele opera poderosamente para mostrar-se forte (2 Cr 16.9; Is 64.1-4). As afirmações feitas por homens orgulhosos sobre seus “alvos de fé”, na verdade não são baseadas em fé, mas em presunção. Fé e mansidão, quando estão juntas, podem avançar poderosamente o reino de Deus. A respeito de A. B. Simpson, fundador da Aliança Cristã e Missionária, muitos funcionários não convertidos da sede da missão testemunharam ter visto nele um homem semelhante a Cristo, consistentemente, durante as dez horas da jornada de trabalho, dia após dia, ano após ano. Não deve nos admirar que Deus consiga abalar o mundo com tais gigantes meigos!
Há outros que fingem mansidão, quando na realidade são pessoas quietas e duras, que não se oferecem para servir ao Senhor, mas somente a si mesmos. Por fora são educados e sempre sorridentes, entretanto não são quebrantados nem disponíveis ao Senhor.
Mansidão e Disciplina
Precisamos pensar, falar e agir com fé a respeito dos erros de pecadores, co-obreiros, líderes na igreja e no governo. A fé redime. Se formos mansos, nossa única reação será reconciliação e cura. A pessoa que é mansa tem facilidade de chorar com fé, esperando que a vontade de Deus seja feita. “O incalculável poder de Deus espera o clamor da fé que diz: ‘Seja feita a tua vontade’” (Graham Kendrick).
A mansidão com fé nos impelirá a interceder sobre os erros dos nossos respectivos governos ou concernente à idolatria nacional e impiedade cultural. “Jesus, faze-me como o manso Cordeiro de Deus, que se entregou para ser morto para nossa expiação.” Morrer diariamente é fácil para quem é manso ( 2 Co 4.10-16; 1 Co 10.31). “Carrego no meu coração a impiedade e perversidade do meu país. Como Jesus me amou quando eu era pecador, tenho também longanimidade e bondade para com meus compatrícios pecadores que se contaminam com idolatria.” A oração é como respirar para a pessoa mansa. “… corrigi o tal com espírito de mansidão. Mas olha por ti mesmo, para que não sejas também tentado” (Gl 6.1).
Mansidão e Aprendizagem
Alguns dos momentos mais duros na minha vida foram quando meus companheiros na obra procuravam seus próprios objetivos. Dor e feridas foram inevitáveis. Entretanto, estas coisas nos ensinam. O primeiro descanso oferecido em Mateus 11.28-30 é incondicional. “Vinde a mim – e eu lhe darei descanso.” Mas depois vem o descanso da vida inteira que recebemos quando aprendemos de Jesus – que é manso e humilde. Esta é a coisa principal que devemos fazer durante toda nossa vida. É triste ver quantos pastores limitam sua experiência cristã a ajuntar um grupo que possa satisfazer sua necessidade.
Coronel Arnolis Weerasooriya (1858 – 1888), um homem de Sri Lanka, cuja vida e obra foram altamente admirados pelo General William Booth (do Exército de Salvação), dizia: “Fico aos pés de qualquer pessoa que andou com Jesus mais do que eu, para aprender dele”.
Cada fracasso é uma experiência de aprendizagem para o pastor manso. Se ele congregar dez mil pessoas no seu rebanho, ainda se sente humilhado quando se lembra dos milhões que ainda não foram alcançados. Toda nossa vida é uma experiência de aprendizagem. O conhecimento do Salvador que nos chamou é inesgotável. A pessoa mansa espera uma nova revelação da vida celestial para iniciar seu dia. Tal vida é cheia com a plenitude de Deus.
A bênção para o manso é que o Senhor o sustenta sempre (Salmo 37.24). Ele caminha por passos dirigidos pelo Senhor (Salmo 37.23). Muitos caminham apressadamente para o ministério ou sucesso nos negócios. Não conseguem passar pelos atrasos ordenados por Deus. O homem manso empresta com generosidade porque reconhece que tudo que possui foi recebido (Salmo 37.26). Os mansos não resistem à vontade do Senhor. O Senhor tem facilidade de instruí-los. Seu ouvido está sempre aberto às suas instruções.
Tenho muito temor quando vejo cristãos que vivem suas vidas dia após dia totalmente insensíveis a qualquer ordem de Deus ou à voz do Senhor. Há muitos senhores no Corpo do Senhor. Muitos líderes, mas poucos que podemos seguir. Muitos mestres, mas poucos servos. Muitos pregadores, mas poucos que escutam. Muitos que viajam, mas poucos que ficam quietos. Muitos turistas, mas poucos que vigiam. Muitos que realizam, mas poucos que prevalecem.
Ó Senhor, derrama sobre tua igreja teu poderoso Espírito, o Espírito do teu Filho. Produz no nosso meio uma revolução de mansidão, uma revolução de verdadeiros valores!
Mansidão e Reivindicação
Ter força para agir em nossa própria defesa, porém sofrer insulto e prejuízo é a essência da mansidão. O Senhor Jesus poderia ter chamado legiões de anjos para defender sua pessoa; mas escolheu não fazer isso (Mt 26.53,54). Ele foi como Cordeiro ao matadouro. É lamentável que o ministro que evangeliza rapidamente e ganha muitas almas numa cidade, freqüentemente torna-se vítima de olhos invejosos e comentários de outros pastores. Ele precisa esperar que o Senhor o reivindique. Se formos fortes em Cristo, não temeremos o que insultos podem nos fazer. Entregamos nosso julgamento ao Senhor da justiça. Confiamos que o Senhor cuide da nossa reputação. Afinal, seguimos Aquele que se tornou sem reputação.
Um líder próximo a John Wesley ficou perturbado sobre os insultos lançados sobre este nos jornais e perguntou: “Sr. Wesley, o que será o fim de tudo isso?” E a resposta incrível de Wesley foi: “O fim de tudo isso é glória a Deus e paz para toda a humanidade”. Vamos nos abandonar à glória de Deus e ao serviço para nosso próximo.
“Ele te declarou, ó homem, o que é bom. E o que é que o Senhor pede de ti, senão que pratiques a justiça, ames a misericórdia, e andes humildemente com o teu Deus?” (Miquéias 6.8).
Lalith Mendis é um médico qualificado, que serve ao Senhor de tempo integral desde 1981, como escritor e conferencista na sua pátria de Sri Lanka.
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