Lições de Missão Integral

Autor: Inês Tx
Andava inconformada com certas tradições da igreja evangélica e com o modo religioso de tratar a vida das pessoas, quando o ouvi pela primeira vez sobre de Missão Integral. Comecei a ler tudo que aparecia e também ouvir mensagens e cursos a respeito. Chegou a um ponto que eu tinha muita informação teórica, mas não entendia como era na prática.

Então algumas circunstâncias me levaram a cuidar de uma igreja moribunda, com 11 membros restantes. Passei dois anos lá num trabalho aparentemente sem resultados, voltava pra casa chorando e perguntando pra Deus o que Ele queria de mim naquele lugar. A única direção que tínhamos era de orar para que Deus nos mostrasse o que Ele queria de nós, pois apesar de convidarmos as pessoas para igreja raramente alguém aparecia e as cadeiras ficavam sempre vazias.

Depois comecei a entender que era um tempo de amadurecimento e restauração daquelas vidas que ainda insistiam em estar lá e de mim também. Deixei de me preocupar com a produção de resultados em termo de números, entendi que Deus trabalha com vidas individuais e que quantidade é uma modo capitalista de ser. E foi assim, de encontro a encontro, éramos trabalhados e lapidados pela Palavra… Mas ainda havia aquele negócio de Missão Integral que não queria se calar.

No começo achei que Missão Integral era um modo “evangélico” de dizer ação social. Então comecei a olhar no entorno de nossa comunidade para ver onde poderíamos atuar socialmente. Há muito tempo eu ouvia sobre a Favela do Gica, do outro lado da Estação, numa área isolada pela linha do trem, entre plantações de alface e um porto de areia. Ninguém da igreja tinha ido lá. Temiam pelo fato de ser muito perigoso e de haver liderança de criminosos lá. Um irmão da igreja topou me levar lá e fomos. Resumindo, me apaixonei pelas pessoas de lá, começamos a trabalhar com elas e hoje muitas fazem parte de nossa congregação.
Confesso que ainda sei pouco do que é Missão Integral, quais os limites dela e para onde ela aponta. Nesse trabalho com a comunidade da Vila Estação (eles não gostam de dizer Favela do Gica) temos tido muitas experiências e situações inusitadas. Fomos compreendendo que como Igreja, sendo sal e luz, não podíamos ficar salgando o salgado e iluminando o já iluminado. Às vezes, ficamos nos bancos de igreja, como se estivéssemos pregados lá, uma paralisia que nos impede de ir aos campos prontos para a ceifa. Eis abaixo algumas lições aprendidas e outras ainda por aprender. Que sirvam de inspiração e de motivo de parceria.

Todo ser humanos tem uma identidade
Pessoas são pessoas, sua identidade não pode ser definida por adjetivos como carentes, favelados, viciado, mãe-solteira etc. Por isso, todos são tratados pelos nomes e conforme a idade, de senhor e senhora.

A Missão Integral nos faz desenvolver relacionamentos.
Descobrimos que desenvolver relacionamento com pessoas em situação de miséria é o modo cristão de ser. Na verdade isso tem sido um desafio para muitos cristão teóricos. Porque relacionamento implica não somente dar, mas também, e principalmente aprender a ser humilde para receber o que o outro tem a oferecer. Numa atitude natural, sem esforço. Também relacionamento implica em escutar, escutar a história dessas pessoas, chorar com suas dores, rir com suas parcas alegrias e de alegrias sem sentido. Enfim fazer parte da vida delas, de fato. É bom doar uma cesta básica. Mas o melhor é levar na casa, sentar com a família, verificar as causas da necessidade e traçar um plano para não ser mais necessitado.

Somos mesmo iguais.
Missão integral não é ação social, é mais que isso, é um modo cristão de ser e de estar no mundo. Nada pode ou deve continuar da mesma forma a nossa volta, porque Aquele que está em nós é maior do que aquele que está no mundo. Este sentimento de estar no mundo é consciência de que humanamente somos iguais, cultura, nível cultural, posição são circunstâncias abaláveis. Se há algo é pode nos diferenciar é a graça de Cristo aceita individualmente.

O problema da pretensão:
Agir num contexto trazendo transformação pode nos fazer achar que somos “o máximo”, nesse caminho vêm possibilidades eleitorais, vantagens pessoais, ou até mesmo o pretensão de nos achar algumas coisa. Tudo isso mata o que foi feito. Creio que isso é maior ameaça. É complicado entender que estar juntos, ser suporte do outro não é mérito, é o ser natural do cristão.

Mudanças lentas e fora da expectativa
É um desafio falar da esperança de Jesus diante de necessidades extremas. É mesmo um exercício de fé prática, porque precisamos continuar atuando, mesmo ser ver, depositando os resultados nEle. Regamos e Ele faz o milagre da vida. Nem sempre do modo como imaginamos e no tempo que desejamos. O trabalho de Missão Integral exige uma mente desapegada de ideologias humanas. Requer a mente de Cristo.

A prática na prática
Essa tem sido nosso maior desafio. A questão não se reduz no “fazer o bem” , mas que tipo de ação “ensina a pescar”? Pensando nisso, estamos usando o espaço da igreja para uma oficina de costura de bolsas e montagem de bijuterias. A Aglow entrou com o treinamento e os materiais. Chamamos de Espaço de Arte e Vida, pois lá há trabalho, evangelização e discipulado ao mesmo tempo. Mas não é tão simples assim ensinar a pescar, o mais difícil é a mudança de mentalidade, fazer alguém enxergar o que está impossibilitada de ver. Requer persistência, paciência fé e amor, acima de tudo.

Necessidades além de materiais
Envolver-se a pobreza e a miséria, é muito mais do uma cesta básica. Os maiores desafios são as péssimas condições de saúde e educação, já latentes na sociedade brasileira, consequência de longos períodos de corrupção e de sistemas públicos falidos, e que crescem exponencialmente. Por causa disso, em parceria com a Junta de Missões Nacionais das igrejas Batista, implantamos o projeto Dentista Cidadão. Uma dentista atende cerca de 8 pessoas a cada 15 dias. As pessoas atendidas são tratadas como pessoas, desenvolvemos relacionamentos com elas e assim testemunhamos de Cristo.

Integração – a evidência do Reino
Percebe-se que o Reino de Deus está próximo quando as placas denominacionais ficam nos bastidores. Questões do Reino não têm espaço para competições. Quem ganha é o Reino, a glória e o poder são dEle.

Barreiras “quase” intransponíveis
Há ainda guerras maiores a travar: baixíssimo grau de estudo ( tão baixo que nem conseguem aprender a aprender), sentimento de inferioridade, mentira, preguiça, ignorância, fuga da realidade: alimentação fútil, drogas, bebida, modelismos, sexualidade descontrolada, orgulho, sentimento voluntarioso, falta de noção de família, ausência de pais e mães (há pais e mães, mas não no sentido que isso significa). Quais as armas para essa guerra?

Encontrar quem se importe
Um de nossos maiores problemas é encontrar que se importe, quem queira se envolver com ações humanas e cristãs, de fato. Temos máquinas, materiais, e pessoas para aprender, mas poucos assumem o compromisso para fazer a coisa funcionar. Temos uma dentista que doa um tempo de sua profissão, mas às vezes temos que implorar para que apareça pessoal de apoio. Há muitos crentes dispostos para cantar, dar testemunho, ir para vigílias, profetizar e pregar, mas é raro encontrar que queira trabalhar nos bastidores.

Quando me deparo com uma comunidade/pessoa socialmente fragilizada, logo me vem uma sensação do riso irônico do diabo, como se ele dissesse a Deus “Olha só o eu posso fazer com homem criado a sua imagem e semelhança”. Senti isso a primeira vez na casa de uma mulher entregue o craque com 5 filhos pequenos. Parece uma luta já perdida e só mesmo a fé pode nos fazer ir adiante.
Nossa ajuda não pode ser uma ação caridosa, uma esmola, um ato beneficente, um desencargo de consciência. Enfim a ajuda não pode ser uma ajuda, mas um envolvimento que significativamente traga a justiça, a paz e alegria do Reino de Deus, entendo que, como filhos de Deus, somos o canal dessa justiça e dessa paz. Simplesmente não dá para ter olhos e não ver.
Em resumo, nada acontece sem a manifestação da Palavra de Deus ,a verdade que liberta falada pelo canal do amor. Fora isso, seremos só um tilintar de sino, vazio e oco. Por isso, precisamos ser empáticos com a visão de Jesus diante da multidão: ovelhas sem pastor, campo branco para a ceifa – quem irá?

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