Autor: Carlos Sider
19/08/2004
Esqueça que o único tipo de igreja que realmente interessa é o que Jesus chama de Sua. Esqueça o que a Bíblia diz, ou pelo menos não a leve tão a sério. Esqueça que você é e compõe, junto com outros salvos em Jesus, a igreja Dele. Esqueça.
Ande pelas ruas. Leia as placas. Ligue a sua televisão e viaje pelos canais. Basta procurar que você acha a igreja que melhor se encaixa nas suas expectativas. Basta pesquisar que você por certo acha uma igreja que fala a sua língua, aquela que fala aquilo que você quer ouvir.
É claro que todas declaram que estão lá pregando e vivendo o evangelho de Jesus. É óbvio que todas mencionam que o que interessa é fazer a vontade de Deus. O discurso é bonito. O que se declara e o que se escreve é tudo certo, ou pelo menos parece. Mas a partir do momento em que se começa a ver o que se faz, o que se vive, o que se declara não com as palavras, mas com as atitudes, ah… aí tudo muda…
São muitos os modelos, opções, cores, opcionais. Escolha conforme a sua preferência. Para facilitar a sua escolha, preparamos um menú.
A igreja resort
Alivie as tensões do seu dia a dia. Lá os gerentes (líderes de ministério) sempre se esmeram em fazer com que você se sinta o mais confortável possível. Lá você escolhe o que quer fazer. Quer cantar? Eles tocam o acompanhamento pra você. Ah, você é desafinado? Sem problema… lá você é quem manda! Quer ensinar alguma coisa? Sem problema, eles lhe dão o script. Há monitores para tomar conta dos seus filhos. Há gente para tomar conta do seu carro, além de um ótimo estacionamento.
Mas quer saber do melhor? Na igreja resort as pregações são agradáveis, sempre num tom “pra cima”. Afinal de contas, o dia a dia já traz coisas desagradáveis demais. Lá o que interessa é você. Você é o centro das atenções. Pelo menos enquanto estiver com as contribuições em dia.
A igreja time-share resort
É uma variação da igreja resort, mas com a presença de alguns hóspedes habituais que, de tanto usar o resort, já passaram a ser proprietários de algumas unidades (bancos de igreja). Tem vez e voz nas reuniões administrativas. São meio que donos do pedaço. O que não muda grande coisa na qualidade dos serviços, fique tranquilo. O único problema é que os filhos destes sócios-proprietários costumam se achar donos do mundo, o que pode provocar algum atrito aqui e alí. Mas o gerente-geral (o pastor) está sempre lá para aparar as arestas.
A igreja acadêmica
Você ainda não sabe dizer se é pre ou pós-milenista? Ou se é amilenista? Tribulacionista? Fundamentalista? Dispensacionalista? Não sabe nem o que é isso? Como é que você consegue ser cristão sem saber tudo isso? Venha para a igreja dos acadêmicos. Eles estudam e debatem de tudo. Quer saber se o arcanjo Miguel divide o cabelo no meio ou do lado direito? Pergunte pra eles. Aprenda a fazer exegese bíblica, saiba o que é hermenêutica e homilética. E mesmo que você não pratique o que aprendeu no seu dia a dia, não esquente a cabeça. Ninguém está lá para cobra-lo disso. E mesmo que alguém pergunte demais, guarde uma dica: diga que esteve estudando Jó 41 e que vem fazendo bons avanços na pesquisa do que seria o monstro Leviatã. A curiosidade de todos desviará o assunto imediatamente.
A igreja show
Cada domingo uma nova atração. Luzes, som da melhor qualidade. Pelos corredores e no website da igreja você pode consultar as próximas atrações e reservar a data em sua agenda. Escolha o seu tipo de programa e venha. O negócio é ter sempre do bom e do melhor. Andam dizendo que muitos dos que vem se apresentar tem uma vida que não é lá flor que se cheire, mas o que importa? O show tem que continuar!
A igreja construtora
Sempre um novo projeto. Há um ano construíram um novo templo e agora estão às voltas com um novo edifício de educação religiosa. E há um projeto para compra de um sítio e sua reforma para que sirva de acampamento e centro de convenções.
O bom é que é uma igreja que nunca para. O ruim é que mal acaba uma campanha de arrecadação já começa outra, cada qual com seu nome pomposo: “as 12 tribos de Israel”, “as 7 voltas de Jericó”, “rumo à terra prometida”, e o que mais aparecer.
A igreja mata-capeta
Tudo por lá é culpa do capeta e de sua turma. É demônio do adultério, demônio do salário curto, demônio da febre alta, demônio da unha encravada, demônio da multa de trânsito, demônio do desemprego. Se você anda sofrendo com um deles, ou com algum conhecido, apareça por lá na noite correta (é, tem hora certa para cada um deles) e na hora certa venha para a frente. O pastor ou missionário vai orar e o capeta vai correr. Ou a maldição hereditária vai sumir, o encosto vai ser tirado. Mas fique atento: se o problema voltar, é falta de fé. Sua, é claro.
A igreja pronto-socorro
Logo na entrada você encontra gente esfarrapada, machucada, queixando-se de dor aqui, dor alí. Mas sempre há algum pastor de plantão para atender a todos, a qualquer hora, qualquer que seja o problema. Oram por você, recomendam o procedimento daqui para a frente, mas assim que a crise passa, parece que lhe esquecem, que nem lhe conhecem. Só voltam a lhe dar bola se o seu problema caracterizar emergência. Fruto disso, é uma igreja onde as pessoas só ficam enquanto estão com problemas. Assim que eles se vão, ninguém mais sabe delas.
Quer mais? Ande por aí. Há muito mais do que se pode escrever. O menú muda conforme os gostos regionais, conforme as possibilidades culturais e econômicas.
Que toda igreja deve ser um pouco de resort (lugar de descanso e conforto), é certo. É bom estudar a Bíblia (academia), mas o estudo dela não pode se tornar um “deus” no lugar do Deus da Bíblia. Uma boa programação (um pouco de show) pode e ajuda a trazer gente nova para que ouça a respeito de Deus, mas quando quem manda no show é crente velho, ai, ai, ai… Enfim, tudo isso, mais construção, pronto-socorro, ajuda espiritual, etc faz parte da vida de uma verdadeira igreja, mas não deve ser a principal razão de ser dela.
Conceitualmente o problema é um só: igrejas que pertencem ao homem, não a Deus. Igrejas feitas para atender e agradar ao homem, mas não a Cristo, o verdadeiro dono e razão de ser da igreja. Da igreja, apresentada pelo Novo Testamento como um coletivo de cristãos salvos por Jesus, não como um lugar, um prédio, uma organização, uma programação. Da igreja que prega o que seu dono ensina e manda, doa a quem doer, não conforme as conveniências do momento.
Quanto tempo ainda gastaremos inventando modelos e formatos de igreja?
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