Evangelização no meio estudantil

Autor: Jeriel Silva Santos

* adaptado do livro Cristo na Universidade Brasileira.

A ordem de Cristo “ide e fazei discípulo”, para que a Igreja tenha caráter Católico, Universal, não limita-se apenas ao aspecto geográfico- Judéia, Samaria e confins da terra- mas, também, deve-se estender a todas as etnias, culturas, extratos sociais e categorias intelectuais. A Catolicidade da Igreja exige um discipulado entre burguesia e proletariado, entre cultos e analfabetos.

A Igreja de Cristo na América Latina tem falhado justamente entre a última categoria citada, especialmente entre os mais jovens deles: os universitários, que aumentam em número e importância a cada ano. O nosso continente é um continente de jovens. Mais e 50% da população tem menos de 25 anos de idade. A Igreja latino-americana deveria ter também, um total de membros ativos de igual índice. Se não o temos poderemos cair no marasmo e na rigidez [1], em vez de nos caracterizarmos por um dinamismo vibrante.

Na realidade, cada época histórica tem tido um critério de liderança: uma casta sacerdotal, uma casta guerreira ou uma aristocrática, cuja manutenção no poder estava condicionada a certos vínculos de sangue e de tradição. No nosso século poderíamos acrescentar a liderança intelectual ou tecnocrática. Essa nova liderança, que faz sentir de uma maneira crescente sua influência no mundo secular, deve ser um dos alvos principais da Igreja. Essa nova liderança é composta de pessoas iguais às outras em tudo, inclusive no pecado, mas, também, na passividade à ação do Espírito Santo.

Por que não estamos alcançando a juventude de nossas Escolas e Universidades? Por que a juventude intelectual reage à mensagem do Evangelho de um modo tão negativo? Isso foi sempre assim?

O presente estudo pretende chamar a atenção dos irmãos da comunidade evangélica- especialmente sua liderança- para os problemas e indagações acima mencionados. Conseguindo isso nos daremos por satisfeitos, e teremos motivos para agradecer ao Senhor que nos levou a esse ministério tão necessário em nossos dias.

Um pouco de história

Universidade, Educação e Cristianismo

É um fato desconhecido, para muitos, que o gênese das Escolas e Universidades, estejam tão intimamente relacionada com o Cristianismo, a ponto de podermos afirmar: “A Universidade é filha do Cristianismo”.

As Escolas Monásticas e Episcopais funcionaram como depositários de cultura- e transmissores – após o período caótico de transição do Império Romano para o feudalismo, com um cotejo sangrento de invasões, a implantação de elementos culturais divergentes, e, até, uma ausência normativa. O Cristianismo emergiu como elemento unificador e criador de novas instituições [2]. A Idade média se não foi um era Cristocêntrica, pelo menos foi uma era Eclesiocêntrica. Nas Escolas monásticas, todas mantidas por ordens religiosas, e funcionando em conventos, mosteiros ou abadias, é que iam estudar os filhas da aristocracia feudal, com a intenção de adquirirem um preparo humanístico, e, muito raramente, fazer um noviciado (tornar-se clérigo). As Escolas Monásticas, e as Escolas Episcopais, que funcionavam nas sés diocesanas, representaram autênticos “congeladores de cultura”: se não criaram, pelo menos a repassaram e transmitiram aos que, dentro da estrutura social da época podiam receber.

As Universidades vão se desenvolver a partir daquelas escolas, sendo as primeiras Universidades: Salerno, Bolonha, Paris(1200), Praga, Salamanca, Oxford, Cambridge, Coimbra, todas elas são organizadas em torno da Igreja, e dela recrutam seus mestres. A teologia era amplamente estudada, ao lado das artes menores: gramática, retórica e dialética, e as artes maiores: aritmética, geometria, música e astronomia [3]. Importantes essas Universidades? Salerno havia fundado sua escola de medicina no século IX e Bolonha no ano de 1200 já possuía 10.000 estudantes.

No mundo o fenômeno vai se repetir, com instituições cristãs fundando os primeiros centros de estudos superiores. Na América do Norte, Harvard (1636) e Yale (1701), as primeiras e mais tradicionais Universidades, vão ser criadas visando, principalmente, Uma melhor formação acadêmica para o clero Protestante. Na América Latina, San Marco (1551) e San Domingo, a primeira em Lima, no Peru e a segunda na capital da República Dominicana, são organizadas Pela Igreja Católica Romana com propósitos semelhantes às suas congêneses norte-americanas, além da necessidade de educar a elite “creolla”, os filhos dos colonizadores espanhóis.

Na Ásia, na África e Oceania o fato se repete. A grande rede de Universidades chinesas dos princípios deste século era fruto do labor e da visão dos missionários evangélicos.

No Brasil, as duas primeiras Faculdades, criadas pela Carta de Lei de 11 de agosto de 1827, foram as de direito em Olinda e em São Paulo ambas por iniciativa cristã. A primeira dirigida por beneditinos, e a última por franciscanos.

A primeira aula de estudos superiores do país foi ministrada na biblioteca do andar superior do Mosteiro de São Bento, na antiga capital pernambucana, em 15 de maio de 1824 [4]. A Igreja Romana seria também responsável pela instalação de inúmeras escolas, formando, posteriormente, as Universidades Católicas. Os Evangélicos criaram a Universidade Mackenzie, com curso primário, secundário e universitário, sendo a primeira do país a funcionar em um “Campus”, ou seja, todas as unidades na mesma área geográfica. A referida Universidade, em seus primórdios como “Escola Americana”, tomou parte ativa na vida política do país no fim do século passado, no apoio às idéias republicanas. Outras unidades superiores isoladas, de caráter protestante, funcionaram em vários Estados.

Cristãos na universidade

Não somente as Universidades são filhas do Cristianismo, mas também alguns dos episódios mais importantes da História da Igreja nelas foram vividos, tendo como personagens centrais, membros de sua comunidade.

Temos a presença marcante de Jonh Wycliffe na pré-reforma, traduzindo a Bíblia para o inglês, protestando contra o papado, defendendo as doutrinas escriturísticas, Wycliffe destacou-se como um dos principais antecessores de Lutero na luta por uma reforma religiosa (150 anos antes de da Reforma). Foi, ele um renomado e respeitado professor na Universidade de Oxford, cujo respeito a ele conferido ressalta muito bem um historiador cristão: “ Wycliffe já era famoso como homem mais culto da Universidade de Oxford” [5]. Os alunos, muitos deles pertencentes a aristocracia, levaram adiante o ensino de seu mestre e transformados pela mensagem poderosa do Evangelho, vão fazer um ministério revolucionário, assim descrito por Nichols: “ Usando roupas grosseiras, andando descalços, de cajado na mão, dependendo de esmolas para seu sustento, percorreram toda a Inglaterra. Conduziam manuscritos dos tratados de Wycliffe, sermões e porções bíblicas, e pregavam por toda parte. Cresceram de modo extraordinário e se constituíram uma força poderosa na disseminação da religião Evangélica. Embora miseravelmente perseguidos no século XV, continuaram sua obra até o tempo da Reforma [6]. Tivemos outro grande vulto da Reforma protestante ligado estreitamente a Universidade, nos referimos ao grande antecessor Jan Huss, cujas as idéias evangélicas chegaram à Boêmia (atualmente Tchecoslováquia).

A Reforma Protestante não é diferente foi, em seu período, um movimento Universitário. Lutero, e seu principal discípulo, Melanchton, era professor Universitários em Wittemberg, local de seus estudos das Escrituras, de suas pregações e de seus escritos. Quando resolveu queimar publicamente a bula do Papa, foi acompanhado por uma multidão que o aplaudia, formada, quase que em sua totalidade, de alunos e professores da Universidade.

Calvino, outro grande Reformador, era estudante na Universidade de Paris quando foi tocado pela chama do Evangelho. No auge de seu ministério foi o idealizador, o organizador e o grande mestre da Universidade de Genebra.

Quando a Igreja vivia uma frieza com a ortodoxia da era post-reforma, que a colocava em um estado de inércia, sem visão nem vida, dois movimentos vão sacudi-la, completando a obra dos reformadores. Estes movimentos foram o “pietismo” e o “movimento metodista” que reavivou a Inglaterra e de certa forma toda a Europa.

O pietismo surge com o ministério de Phillip Jacob Spener, pregando a necessidade de uma volta aos estudos bíblicos, à oração, a vidas renovadas, expostas em sua obra “vidas piedosas”, e que chegou através de seu líder a Universidade de Halle. O professor Augusto Francke consegue transformar a Universidade, convertendo a maioria dos estudantes. Ao contrário do significado deturpado que o nome pietismo hoje apresenta, na realidade ele não advogava alheamento ou alienação, mas engajamento: a organização de lares para abrigar os menos favorecidos, especialmente crianças, e a origem do moderno movimento missionário, quando, em 1705, foram enviados à Índia 70 pioneiros, a maioria estudantes da Universidade de Halle e de outras Universidades alemãs.

O reavivamento metodista, que sacudiu as ilhas britânicas, e cujo impacto vai se fazer sentir em todos os setores, se origina com um grupo de estudantes da Universidade de Oxford, chefiados pelos irmãos John e Charles Wesley, que se reuniam para uma vida de comunhão cristã no chamado “clube santo”, com cerca de 52 colegas [7]. A influência deste movimento vai impedir que a Inglaterra, passe pelo mesmo banho de sangue que a França, com a revolução francesa.

Porém, do século XVII para cá a presença cristã nas Universidades diminuiu progressivamente. Não necessariamente a presença de cristãos nominais, mas a falta da influência do Evangelho no ambiente. O Iluminismo e o Racionalismo levam a uma rejeitam- na Universidade- do Cristianismo de seus fundadores, dando lugar ao humanismo antropocêntrico e seus derivados, com a razão como padrão, centro de referência e autoridade última e suprema. Para ser considerado culto era necessário rejeitar a fé.

Desgraçadamente a Igreja, principalmente na Europa, ajoelhou-se diante das novas idéias, abandonando o sobrenatural revelado, levando a razão a julgar a revelação, afastando-se da herança apostólica, anunciando um “outro evangelho”. Tudo isso com a intenção de conquistar os intelectuais e parecer “respeitável”. O que não consegue. Antes, ao contrário, desacredita-se cada vez mais, pois sua mensagem carece de poder transformador de vidas.

Diante dessa situação caótica que a era post-cristã trouxe, coube à Universidade, mais uma vez, ser o palco de uma reação enérgica, que atinge seu período mais vigoroso na segunda metade do século passado. Destaca-se aqui a atuação de Charles Simeon na Universidade de Cambridge, fundando o Inter-collegiate Christian Union, modelo para inúmeros outros grupos bíblicos ou uniões de estudantes cristãos que se seguem. John Mott marca sua presença com o movimento estudantil de “Missionários”. Olav Hollesby, autor de “Religiosos ou Cristãos”, em sua época professor da Universidade de Oslo, organiza grupos de estudantes e intelectuais que buscam comunhão com Deus em sua Palavra. Associações de profissionais liberais, de cientistas, de estudantes, de escritores cristãos foram organizadas [8].

Enquanto o clero e a hierarquia da Igreja dormiam ou traiam, a juventude universitária, em seu vibrante setor, avançava, mantendo-se fiel. Muitos jovens se decidiram pelo ministério da Palavra, renovando a vida dos Seminários, dando início a um novo tipo de pastor de “vocação tardia”, a criar novos núcleos da posição Evangélica dentro das denominações “revisionistas”.

No começo do século XX o movimento estudantil Evangélico passou por uma cisão: de um lado, o grupo que desejava manter a ênfase confessional e doutrinária de seus fundadores; do outro, os que queriam um mínimo de definição para “somar” mais participantes [9]. O último grupo se organizou como Federação Mundial de Estudantes Cristãos, ligando-se posteriormente ao Concílio Mundial de Igrejas. O primeiro grupo organizou vários movimentos nacionais, e, após a II Guerra Mundial, estruturou-se como Comunidade Internacional de Estudantes Evangélicos, sem vinculação a qualquer concílio. Hoje possui mais de 120 movimentos nacionais membros, dos quais temos a Aliança Bíblica Universitária do Brasil. A Comunidade Internacional de Estudantes Evangélicos implanta sua primeira sede em Lausanne, na Suíça.

Pelo poder do Espírito Santo, nos dias atuais, enquanto muitos estudantes” “abandonaram” a fé que nunca tiveram, passando para a contestação anti-eclesiática, aderindo a filosofia ou ideologias anti-cristãs, milhares de outros se reúnem para estudar a Palavra, orar, comungar no Senhor, anunciar a mensagem de redenção.

Jeriel Santos foi obreiro da ABUB Região Nordeste durante muitos anos.

[1] . supremacia de uma geração mais madura
[2] . SOUTO Maior, Armando, “História Geral”, Companhia Editora Nacional, São Paulo, 1968, cap.16.
[3] . SOUTO Maior, op.cit,pag.263
[4] . Encontrados, também, os sacerdotes na linha de frente da educação superior, em seus primórdios no Brasil, como a Escola de Medicina da Bahia e a de Veterinária em Pernambuco.
[5] . Nichols, Robert Hastings, História da Igreja Cristã, Casa Presbiteriana, São Paulo, 1960, pg.135.
[6] . Nichols. Op. cit. pg. 135
[7] . Latourette, Keneth Scott, “A História do Cristianismo”, 1953, pg. 1023.
[8] . Aos que ainda desconfiam que “crente” é sinônimo de baixo Q.I., lembramos a existência da American Scientific Affiliaton, sociedade de cientistas cristãos, portadores de doutorado e Ph.D.
[9] . Um grupo tem definições doutrinárias que definem a sua posição Evangélica; o Outro usa definições vagas para unir todos os “cristãos’. No final colocaremos as Bases de Fé da Comunidade Internacional de Estudantes Evangélicos.

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