Escatologia Apocalíptica e Pentecostalismo

Autor: Stanley M. Horton
A importância do Milênio de João para a Igreja de hoje.

O que motivou o reavivamento pentecostal no início do século 20? Nada foi mais importante do que o novo foco em Jesus como Salvador, batizador no Espírito Santo, curador e Rei vindouro. Com isso veio um novo entendimento da promessa de Joel que Pedro citou no Dia de Pentecostes: “E nos últimos dias acontecerá, diz Deus, que do meu Espírito derramarei sobre toda a carne; e os vossos filhos e as vossas filhas profetizarão, os vossos mancebos terão visões, e os vossos velhos sonharão sonhos”, Atos 2.17. A explosão pentecostal na missão da rua Azuza, em Los Angeles, Califórnia, trouxe ali pessoas de todas as partes do mundo e as enviou em todas as direções como testemunhas habilitadas pelos Espírito Santo à difusão do Evangelho.

Pedro inspirado pelo Espírito interpretou o “depois” (Joel 2.28) como significando “nos últimos dias”. Deste modo, a maioria dos pentecostais primitivos acreditavam que a recente efusão do Espírito Santo estava anunciando os “últimos dias”. Isso coloca uma nova ênfase na profecia bíblica e especialmente no livro de Apocalipse com sua figura culminante do retorno de Cristo em triunfo e os mil anos de governo a seguir. A promessa do retorno do Senhor ajudou a estimular os pentecostais a se tornarem missionários, levando o Evangelho o mais rápido possível ao maior número de pessoas possível. O resultado tem sido a maior expansão do Evangelho desde os primeiros séculos da Igreja.

Algumas das igrejas do século 19 colocaram sua esperança na escatologia pós-milenista, a qual acreditava que a Igreja poderia influenciar nas bênçãos mileniais e ganhar o mundo para Cristo. Eles acreditavam que nesse tempo seriam capazes de mudar a direção das nações ao redor para Jesus sem quaisquer dos catastróficos eventos mencionados no livro de Apocalipse. Esses eventos foram espiritualizados, aplicados ao fim do primeiro século ou ignorados. Mas com o crescimento evidente da influência satânica e as desafiantes trevas do mundo fazendo frente à influência cristã, muitos voltaram ao pre-milenialismo.

Os pentecostais primitivos estavam plenamente convencidos das verdades da teologia pre-milenialista. A renovada ênfase teológica na significativa interpretação da Bíblia também marcou o reavivamento pentecostal. Eles reconheceram que a escatologia apocalíptica por meio do uso da linguagem figurativa poderia ser cumprida em eventos reais da História. Eles foram inspirados pela bendita esperança do retorno de Jesus Cristo e seu reino milenial. “Sinais dos tempos” que correspondiam a eventos profetizados na Bíblia os encorajavam a acreditar que Jesus estava vindo.

Agora que temos entrado em novo século, o que deveria significar para nós hoje o retorno de Jesus e seu reino milenial? Primeiro, devemos manter em mente que a totalidade da Bíblia tem um olhar para frente. De Gênesis a Apocalipse encontramos nela promessas e profecias que mantém o povo de Deus olhando à frente, para o que Deus irá fazer. O Antigo Testamento olha à frente, para a Primeira e a Segunda Vinda de nosso Senhor Jesus. O Novo Testamento declara o propósito e validade de sua Primeira Vinda. Isso nos dá a garantia de que o cumprimento dessas profecias na vida, morte e ressurreição de Jesus mostra-nos que a vontade de Deus será fiel para cumprir as profecias da Segunda Vinda. A ressurreição dos crentes, o futuro reino milenial e os novos céus e nova Terra com a Nova Jerusalém serão consumados pelo mesmo Deus fiel.

Essa esperança é a esperança certa, a esperança de que podemos depender. Conforme lemos em Romanos 15.13, “Ora o Deus de esperança vos encha de todo o gozo e paz em crença, para que abundeis em esperança pela virtude do Espírito Santo”. Deste modo, nossa esperança é certa porque o Deus de esperança nos guiará nessa condição. É impossível para Ele mentir (Hebreus 6.17-18). Isso é chamado “a esperança” simplesmente porque ela ainda não tem se cumprido (Romanos 8.24-25). Ela é feita real em nossos corações pelo imenso poder (do grego, dunamei) do Espírito Santo. Verdadeiramente, essa esperança é “uma ancora para a alma, firme e segura” (Hebreus 6.19).

Como os anjos disseram aos crentes na ascensão de Cristo: “Os quais lhes disseram: Varões galileus, porque estais olhando para o céu? Esse Jesus, que dentre vós foi recebido em cima no céu, há de vir assim como para o céu o viste ir”, Atos 1.11. Então, deveremos ser como os tessalonicenses que se converteram dos ídolos a Deus, “para servir aos Deus vivo e verdadeiro, e esperar dos céus a seu Filho, a quem ressuscitou dos mortos, a saber, Jesus, que nos livra da ira futura”, (1 Tessalonicenses 1.9-10).

Jesus confirmou essa esperança aos seus discípulos na última ceia, quando ele mesmo disse: “E digo-vos que, desde agora, não beberei deste fruto da vide até aquele dia em que o beba de novo convosco no reino de meu Pai”, Mateus 26.29. Esse “dia” é o profetizado dia do Senhor que trará consigo tanto julgamento quanto restauração. Esse “fruto” é o fruto da vinha que cresceu na terra. E “aquele dia” e o “Reino do Pai” deverão ser na Terra – o reino milenial profetizado por João.

Os crentes comprados pelo sangue serão apresentados em um inalterável alto grau de relacionamento com Jesus de sorte a tomar parte no seu reino milenial. Isso tomará lugar na Ceia das Bodas do cordeiro. Jesus é o noivo que Paulo tinha em mente quando escreveu aos crentes de Corinto: “Porque eu estou zeloso de vós com zelo de Deus; porque vos tenho preparado para vos apresentar como uma virgem pura a um marido, a saber, a Cristo”, 1 Coríntios 11.2. O livro de Apocalipse chama atenção para a noiva que fez a si mesma pronta e a quem foi dado que vestisse linho fino, puro e resplandecente (19.7-8). Os exércitos celestiais que seguem Jesus em cavalos brancos (simbolizando triunfo) estão vestidos de linho fino, branco e puro (Apocalipse 19.14), identificando-os claramente com a Noiva do Cordeiro (a Igreja), que toma parte na Ceia das Bodas do Cordeiro (Apocalipse 19.6-9). 1 Esses exércitos estão com Jesus quando ele toma o controle e estabelece o milênio de paz e bênção – o reino milenial. Eles irão cantar um novo cântico de redenção e serão feitos “reino e sacerdotes para servir ao nosso Deus, e eles reinarão sobre a terra”, Apocalipse 5.10.

Apocalipse capítulo 20 é o único lugar que menciona o tempo do reino como de mil anos, especificamente. A referência bíblica nesse capítulo é primariamente ao julgamento de Satanás, que toma lugar em dois estágios: primeiro, mil anos de aprisionamento, então, após um breve período de soltura, seu eterno julgamento que será no Lago de Fogo. Entre esses dois estágios, os santos (que são os crentes nascidos de novo) reinarão com Cristo nos mil anos de seu reino milenial. A repetição do número mil (seis vezes) parece enfatizar que esse é o atual número de anos e que devem ser tomados literalmente. 2

A esperança de um milênio literal refletiu-se nos escritos de numerosos líderes cristãos que viveram em dias subseqüentes aos dos apóstolos. Nisso incluía-se Papias (60-130dC), Justino Mártir (100-165dC), Irineu (130-202) e Tertuliano (160-330dC). Orígenes (cerca de 185-254), entretanto, foi influenciado pelos pagãos e filósofos judeus, negando qualquer milênio futuro e interpretando o Milênio como sendo a presente Era da Igreja. Logo outros foram interpretando as profecias de modo alegórico, místico e simbólico.

Outra mudança tomou lugar após o império de Constantino fazer do cristianismo a religião oficial do Império Romano. “Os pastores e superintendentes das igrejas não há muito tomavam a posição de servos-líderes. Em vez disso, eles seguiram o modelo do Império Romano. Quando a capital do Império mudou-se de Roma para Constantinopla, essa partida criou um vácuo em Roma, e o bispo de Roma andou nesse vácuo para tomar a liderança política e fazer do seu assento um trono. Grande número dos bispos começaram a procurar nas suas igrejas as bases de poder. A atenção foi logo voltada ao poder e à autoridade terrenos e não na bem-aventurada esperança da Igreja. Como resultado desse processo, nasceu o amilenismo (não há milênio) como negação de qualquer reino futuro na Terra. 3

Essa falsa teologia foi promovida por Jerônimo (347-420) e Agostinho (bispo de Hipona, no norte da África de 396-430). Pela Idade Média os católicos romanos acreditavam que estavam construindo a cidade de Deus (que é a Nova Jerusalém) aqui na Terra. Após a Reforma, protestantes transmitiram o amilenismo para dentro de suas igrejas e espiritualizaram o livro do Apocalipse. Então, no século 18, Daniel Whitby (1638-1726) propagou a teologia pós-milenista que reivindicava que a igreja deveria atravessar mil anos de prosperidade sob o poder do Evangelho antes de Jesus voltar para assumir a direção (responsabilidade). Com o passar do tempo nesse encorajar liberal, Metodistas e Presbiterianos identificaram a erra milenial com a evolução teísta. Isso favoreceu o secularismo e, como resultado, a maioria das denominações perderam membros.

Ao mesmo tempo, existencialistas europeus focaram o humano. A neo-ortodoxia, enquanto buscava corrigir algumas doutrinas ortodoxas, também tratou a Bíblia como mero livro humano. Então, a libertação teológica tratou o Reino de Deus como nada, a não ser uma metáfora focada na política radical e na mudança social.

Havia uma esperança, não obstante. Rumo ao final do século 19, professores da Bíblia ressuscitaram de novo a verdade bíblica do reino milenial. Alguns foram aos extremos do dispensacionalismo, não deixando espaço para manifestações de milagres no presente dia dos dons do Espírito Santo. Mas quando o reavivamento pentecostal emergiu no início do século 20, eles não prestaram atenção às restrições e permitiram ao Espírito Santo restaurar dias como os de Atos dos Apóstolos. Isso foi em dias quando a teologia liberal, que era contrária ao sobrenatural, estava dominando a maioria das denominações na Europa e na América. Os teólogos liberais aguardavam criar o Reino de Deus na Terra por sua própria sabedoria, sem qualquer ajuda de Deus ou do seu Espírito Santo. Muitos deles estavam tomando liberdade com a Bíblia, cortando fora os que eles não gostavam e rejeitando uma visão bíblica linear da História assegurando futuras bênçãos.

Com toda essa história em mente, como podem os crentes pentecostais ter a verdadeira visão bíblica do reino milenial? Eu acredito que há sei pontos-chaves que irão nos apontar a direção certa. 4 São eles: a) Devemos compreender o que entendemos como uma interpretação ou hermenêutica das Escrituras; b) Devemos reconhecer que a amarração de Satanás é ainda futura; c) Devemos reconhecer que a primeira ressurreição é no tempo da Vida de Cristo para arrebatar os crentes; d) Nós devemos reconhecer que o julgamento por Cristo é anterior ao milênio e o Grande Trono Branco é antes do milênio; e) A nação de Israel terá uma restauração espiritual e um lugar no milênio; f) Cristo e os crentes irão “reinar na Terra” por mil anos.

1) Correta interpretação – Isso significa, considerando o texto, não somente fora da passagem imediata, mas também do livro e esse dentro e fora da Bíblia como um todo. Por exemplo, a serpente de Gênesis 3.1 é identificada como animal. Essa era uma serpente literal, mas isso não significa que era somente uma serpente. Quando lemos, vemos que ela era mais que uma serpente, porque tinha uma habilidade que qualquer serpente ordinária não teria. Então, quando vamos a Apocalipse 12.9 e 20.2, vemos a serpente identificada como Diabo ou Satanás. Na Bíblia, como um todo, está claro que somente Deus pode criar. É também claro que Satanás e seus demônios, enquanto existência espiritual, manifestam-se a si mesmos somente para tomar em possessão algum ser vivente em que haja corpo. Por essa razão Satanás teve de possuir a serpente. 5

Então, é por isso que há muitas passagens com a profecia do retorno literal de Cristo, como por exemplo Hebreus 9.27-28: “E, como aos homens está ordenado morrerem uma vez vindo depois o juízo. Assim também Cristo, oferecendo-se uma vez para tirar os pecados de muitos aparecerá segunda vez, sem pecado, aos que esperam para salvação. Seu retorno literal para trazer a plenitude de nossa salvação apela para a ressurreição literal, o milênio literal, e o literal governo na Terra. 6

2) De acordo com Apocalipse 20.2, a amarração de Satanás será total. Isso não aconteceu na cruz, como alguns dizem. Satanás ainda está trabalhando naqueles que são desobedientes (Efésios 2.20). Ele tenta embaraçar os cristãos (1 Tessalonicenses 2.18). Se não resistirmos a ele nos tornaremos suas vítimas, porque “o diabo, vosso adversário, anda em derredor, bramando como leão, buscando a quem possa tragar”, 1 Pedro 5.8-9.

Alguns dizem que Satanás foi amarrado pelo edito de Constantino que para com a perseguição aos cristãos. Mas a perseguição continuou a vir através dos séculos desde então, para não mencionar o que a Igreja Católica Romana fez com os verdadeiros crentes. Muitos amilenialistas têm suposto que o amarrar de Satanás é agora, efetivamente mantendo-o sem enganar as nações. Mas qual nação é livre da decepção satânica hoje? O amarrar final de Satanás será ainda no futuro, e somente um anjo enviado por Deus irá amarrá-lo e lançá-lo no abismo por mil anos. Ele não será capaz de enganar a ninguém durante o milênio.

3) Também fomos levados a considerar nós mesmos “mortos ao pecado, mas vivos para Deus em Cristo Jesus, nosso Senhor” (Romanos 6.11). Isso não nega a promessa da ressurreição futura do corpo (1 Coríntios 15). Apocalipse 20.4 fala de dois grupos. O primeiro grupo sentado no trono e julgando – nele se inclui os crentes fiéis da Era da Igreja (Apocalipse 3.21-22; 1 João 5.4). Entre eles, como Jesus prometeu, estão os doze apóstolos julgando as doze tribos de Israel (Lucas 22.30). Israel restaurado, purificado, cheio do Espírito Santo de Deus, irá indubitavelmente ocupar toda terra prometida a Abraão (Gênesis 15.18) e será com a Igreja parte de um povo de Deus.

O segundo grupo são as almas que “vieram à vida” e esses dois grupos simultaneamente “reinarão com Cristo por mil anos”. Essas almas que vieram à vida referem-se a ressurreição do corpo, e não à ressurreição espiritual, é claro, “mas os outros mortos não reviveram, até que os mil anos se acabaram” (Apocalipse 20.5).

“A primeira ressurreição” (Apocalipse 20.5) inclui os dois grupos mencionados no versículo 4. Eles são os únicos que fizeram o que o bom Deus intencionava que fizessem (o que inclui acreditar em Jesus como Senhor e Salvador). O restante dos mortos são aqueles que tinham feito maldade e que serão trazidos perante julgamento do Grande Trono Branco (João 5.29). Veja também 1 Coríntios 15.20-23, onde a Bíblia compara a primeira ressurreição com a ceifa – Cristo, a primícia, e o restante da colheita na sua Vinda para encontrar-nos no ar, e a respiga sendo aqueles martirizados durante o período da Tribulação.

4) O Pai deu a Jesus autoridade para julgar (João 5.27-29). Então todos os crentes virão antes ao Tribunal de Cristo (2 Coríntios 5.27-29). Aqueles que corresponderam às responsabilidades, Deus lhes fará ouvirem: “Bem está, servo bom e fiel”, Mateus 25.21-23. Eles serão “encarregados de muitas coisas” e irão gozar da alegria de Cristo durante o milênio e nos Novos Céus e Nova Terra.

5) Ainda que o Antigo e Novo Testamentos mostrem que os gentios irão gozando as bênçãos futura do reino milenial com Israel, Deus irá cumprir suas promessas especiais a Israel. Ezequiel capítulos 36 e 37 declara que Deus irá restaurar a Israel ainda que este tenha profanado seu nome. Ezequiel 36 indica que os judeus retornam à sua terra em incredulidade, Deus irá produzir a restauração espiritual. Ele não os tem rejeitado (Romanos 11.2).

6) Não devemos espiritualizar a singela declaração de que Cristo irá reinar “na Terra” durante o milênio. O anjo que atou Satanás descerá do céu e após o milênio soltará Satanás, que “sairá a enganar as nações que estão sobre os quatro cantos da Terra”, (Apocalipse 20.7-8). Claramente, o reino de Cristo será nessa Terra. “Ele dominará de mar a mar, e desde o rio (Eufrates) até as extremidades da terra”, Salmo 72.8 e Zacarias 9.10. A promessa a Abraão foi somente do Rio Eufrates até o Rio do Egito. Mas o Reino de Jesus será universal sobre toda a Terra.

As profecias do Antigo Testamento confirmam isso. A visão de Daniel do reino descreve-o como pedra que “feriu a estátua, se fez um grande monte, e encheu toda a terra (…) E esmiuçará e consumirá todos estes; reinos, e será estabelecido para sempre”, Daniel 2.35,44. O reino será recebido pelo Filho do Homem após os reinos desse mundo serem destruídos (Daniel 7.11-26 e Zacarias 3.8-9).

Que bênção será compartilhar com nosso Senhor Jesus Cristo a paz milenial e a retidão (Isaías 14.7-8; 35.1-2; 6-7; 51.3; 55.12-13; Salmo 96.11-13; 98.7-9 e Romanos 8.18-23). Deus irá transformar o mundo animal também (Isaías 11.6-8; 65.25 e Ezequiel 34.25).

Claramente, o reino milenial não virá por meio de uma reforma social ou representação humana. Deus trará isso. A segurança do júbilo futuro do reino milenial é algo que deve nos manter esperando pelo retorno de Jesus. Ainda que através Dele venha o julgamento, o melhor ainda virá.

Stanley M. Horton (Th.D) é professor emérito do Seminário Teológico das Assembléias de Deus. Autor de diversos livros publicados pela CPAD.

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