Entrando em campo: a missão

Autor: Tais Machado

Entrar ou estar na universidade, para muitos é estar no campo, sim, no campo minado. Assustados, muitos cristãos ficam acuados, temerosamente isolados, quando participam de algumas atividades com os colegas de classe são atormentados pelo cheiro de enxofre (o “mármore do inferno” é algo assustador não só para muçulmanos), e, se ainda se divertem com os pecadores, aí sim, vem acusações aterradoras de uma mente culpada e que o ameaça na próxima curva: “deixa chegar as provas e você vai ver só como o castigo”, ou, “depois não reclame se as coisas não derem certo!”.

Muitos, que buscam sinceramente a santidade, que não querem contaminar-se com o pecado, ou, com “o mundo” que “jaz no maligno”, assumem a postura de não ter amigos não-cristãos, pois estes são quase sinônimos de armadilhas diabólicas.

Joseph C. Aldrich faz a esse respeito importantes comentários: “Para o sal ser eficaz, deve sair do seu recipiente e entrar no mundo de pessoas pecadoras, que estão magoadas, morrendo e sofrendo. Não há impacto sem contato; contudo, após conhecer o Senhor há dois anos, o cristão comum não tem relacionamentos significativos com os não-cristãos. Em geral, a conversão abre uma rede inteiramente nova de relacionamentos e o recém-convertido inadvertidamente afasta-se dos seus companheiros não-cristãos. […] Na maior parte das circunstâncias, os não-cristãos são vistos como inimigos em vez de vítimas do Inimigo. A espiritualidade é vista como separação dos não-cristãos. O recém-convertido é informado de que ‘não tem nada em comum’ com seus conhecidos não-cristãos.”

A Aliança Bíblica Universitária acredita que entrar e estar na universidade é entrar e estar num precioso campo missionário. Que Deus, em sua soberania, assim permitiu que ali estivéssemos com um propósito. Mas, se concordamos com isso, ou, ao menos, somos simpáticos a essa possibilidade, precisamos pensar como encaramos essa missão. Será que é a culpa que deve nos motivar? Para muitos a evangelização não passa de um pesado fardo que se tem que carregar, quase uma provação. Outros a utilizam para fazer cobranças, pregar regras, dar lições sobre uma pseudo-moralidade, para controlar ou manipular alguns, para chegar ao poder…

Precisamos, numa análise verdadeira, verificar nossas motivações. M. Craig Barnes fala um pouco sobre o fazer missão: “Nossa missão de servir a Deus nunca pode começar pensando que temos alguma coisa para oferecer. Com certeza há muitas coisas para dar a Deus: nosso tempo, talentos, dinheiro, palavras de esperança sobre o evangelho. Mas nunca começar oferecendo. Começamos com a confissão de que se somos um sucesso ou um proscrito, precisamos de misericórdia. Caso contrário, o que chamamos de missão cristã geralmente será um disfarce para permanecermos poderosos. […] Se a primeira lição sobre missão é voltar em direção ao nosso sofrimento, a segunda é então voltar para Jesus Cristo em agradecimento. […] Apaixonar-se é uma maneira de expressar a mais profunda gratidão do coração por estar recebendo o amor de alguém. Missão é simplesmente o que achamos irresistível fazer quando realmente acreditamos que Deus nos ama. É uma expressão de gratidão, e, assim, uma maneira mais profunda de se apaixonar.”

Quando olhamos para a Bíblia, e, particularmente, para o livro de Atos, percebemos um pouco como a Igreja encarava sua missão, como ela vivia sua missão. John Stott assim comenta: “A salvação é dada para ser compartilhada. Aqueles primeiros cristãos de Jerusalém não estavam preocupados em estudar, compartilhar e adorar a ponto de esquecerem de evangelizar. Pois o Espírito Santo é um Espírito missionário que criou uma igreja missionária.” E mais, diz que “as marcas da presença do Espírito” são “ensino bíblico, comunhão em amor, adoração viva e uma evangelização contínua e ousada (a evangelização não era uma atividade ocasional ou esporádica da igreja primitiva)”. Exatamente por isso, não podemos cair na tentação de nos acomodar fazendo reuniõezinhas evangelísticas (e olha que em boa parte elas nem são tão evangelísticas assim!) e, ficarmos então esperando que os não-cristãos apareçam. A reunião é só mais uma possibilidade. Nossa vida precisa falar mais alto que nosso discurso. Desconfio que a necessidade da maioria de nós seja aprender a relacionar-se. Rebecca Pippert, que atuou como assessora da ABU em diversos países, diz o seguinte: “O ensinamento de que a vida é feita de relacionamentos não se iniciou com Jesus: é um princípio bíblico fundamental. Ser é estar se relacionando com alguém. A trindade evidencia isso”. Ela ainda pergunta e comenta: “Você já pensou em olhar a vida de Jesus com mais profundidade? Se sua vida tiver os mesmos valores e prioridades que ele teve, vai ver que a evangelização acontecerá naturalmente. Ela se torna seu estilo de vida, não um projeto. […] O modo que tratamos as outras pessoas revela o que pensamos de Deus. Imagine as implicações que isso tem para o evangelismo! O tratamento que damos às pessoas é algo crítico. Elas entenderão o amor de Deus a partir do amor que demonstramos em nossas vidas. A primeira Bíblia que muitos vão ler é a nossa vida.”

Um Campo Estratégico

Essa missão dentro da universidade tem sido ignorada por muitos e desprezada por outros tantos. É difícil conseguir o apoio das igrejas em geral, e, em boa parte das vezes somos mal interpretados. Somos caracterizados como “elitistas”, “intelectuais da Bíblia”, “soberbos” e/ou “separatistas”, e apesar de todas as críticas merecerem reflexão, pensemos um pouco em como o Novo Testamento evidencia aquilo que o professor, pastor e missiólogo Timóteo Carriker chama de “estratégias”: “Em Atos, encontramos uma estratégia urbana. As cidades chaves devem ser alcançadas. A idéia de missões urbanas, então, não é uma novidade. Felipe foi dirigido à Samaria, Pedro a Cesaréia e Paulo às cidades chaves do Oriente Próximo e Europa. Diante da marcante urbanização mundial a tarefa missionária não pode ser ingênua. […]Outra estratégia envolve pessoas e classes chaves. Quando Paulo foi a Chipre, tratou com o procônsul do país. Em Atenas (outro centro metropolitano), tratou com os filósofos, e alguns se converteram, entre os quais um certo Dionísio (At 17.18,34). Em Éfeso, trabalhou entre os estudiosos, na escola de Tirano, durante dois anos. Resultado? Todos os habitantes da Ásia ouviram a palavra do Senhor, tanto judeus como gregos (At 19.10). Que relatório! Outro exemplo é o de Felipe, que, ao falar com o eunuco da Etiópia, dirigia-se a um líder do país, sendo este o primeiro passo do evangelho naquela nação.”
Evangelizar uma população que deverá alcançar cargos importantes na sociedade brasileira não seria bastante estratégico?

Que evangelho pregamos?

Será que conseguimos rapidamente responder a essa pergunta: “Que evangelho pregamos?”. Pela realidade que se vive hoje em dia, e isso nem é privilégio só de brasileiros, somos pressionados a pregar um evangelho fácil e manco. Por isso, recomendações como as de René Padilla (um dos fundadores da ABU na América Latina) precisam ser constantemente lembradas: “O primeiro problema que a igreja tem que encarar em uma cidade é a tentação de reduzir sua missão a uma evangelização superficial com um evangelho feito a medida para o homem-massa, em evangelho de ofertas mas sem demandas. Uma das características da cidade é seu fabuloso poder de ‘coisificação’, sua capacidade de impor a gente uma psicologia de massas opostas ao compromisso pessoal. Não serve ao propósito como uma religião desenhada para garantir a felicidade presente e a salvação futura, sem questionar os valores e atitudes próprios da civilização urbana. […] Para que deixem os ídolos da cidade para seguir ao Deus vivo e verdadeiro e começar a servi-lo se requer muito mais. Se requer testemunhas cuja palavra e estilo de vida apontam ao Senhor que morreu por todos, para que os que vivam já não vivam para si mesmos, senão para Aquele que morreu e ressuscitou por eles”.

Universidades estão geralmente em grandes centros urbanos ou cidades em crescimento. E esse “poder de coisificação” que o Padilla coloca parece ser familiar a todos nós. Os valores da sociedade berram em nossos ouvidos a todo instante e, sutilmente, interferem e sugestionam em nossa evangelização. Muitos, em prol do crescimento e resultados, negociam o evangelho, como se pudessem baixar o preço, fazer uma liquidação das exigências para ser discípulo de Cristo. Daí há uma grande confusão do que vem a ser evangélico hoje. Paul Freston (que foi assessor da ABU por muitos anos) escreve: “Ser evangélico deveria significar ser radicalmente bíblico.[…] Ser bíblico deveria ser visto como uma agenda. Uma agenda positiva, que nos obrigasse a falar certas coisas ou a dizer onde é possível informar-se sobre certas coisas. Desta forma, por exemplo, se eu deixo de dizer a um recém-convertido que a sua nova fé tem implicações para o seu racismo, não estou sendo bíblico. Ser bíblico é um desafio, uma meta, algo que nunca se alcança plenamente… A vida sempre levanta novas questões para as quais as velhas respostas cristãs são incompletas, e é preciso explorar o terreno com outros olhos. […] Quais as implicações do desejo de ser radicalmente bíblico para nosso uso da Bíblia como indivíduos e como comunidades? Em primeiro lugar, ao invés de fetichizar a Bíblia, honrando-a como símbolo, temos que leva-la a sério, por meio do trabalho árduo de interpretação e aplicação. […] Devemos aplaudir tudo o que for bíblico, onde quer que se encontre (inclusive entre cristãos não-evangélicos ou entre não-cristãos).”

Que saibamos, então, cuidadosamente, encontrar o bíblico em nossos contextos, no ambiente universitário, onde Deus nos colocar. Que Ele nos dê um coração fiel à Sua Palavra e tenha misericórdia de nós.

Para terminar é bom ficar com a reflexão que o reverendo John Stott faz: “Devemos andar como Cristo andou, penetrar na sociedade humana, misturar-nos com não- cristãos e nos relacionar com pecadores. Não está aqui uma das maiores falhas da igreja? Nós nos separamos demais. Tornamo-nos uma comunidade à parte, indiferentes em vez de interessados.”

Tais Machado – assessora da ABU na Região SP/MS

Para responder:

1) Como é a evangelização para você? Um projeto ou um estilo de vida, um evento ou um jeito de ser?
2) Se o verdadeiro amor ultrapassa barreiras, eu estou preparado para praticar isto? Como poderei fazer isso?
3) Minha vida reflete apenas as atividades religiosas ou carrega a marca do amor profundo? Como você avalia sua convivência com seus colegas de classe que não são cristãos?
4) Quais as vantagens de comunicar sua fé naturalmente, ao invés de parecer artificial e ensaiado?
5) Pensando no que disse Paul Freston, coloque com as suas palavras, o que é “ser bíblico”.

Seja o primeiro a comentar

Faça um comentário

Seu e-mail não será divulgado.


*