Autor: João Meyendorff
“Quando a Igreja deixa de ser missionária, perde sua razão de ser…”
Seria demasiado óbvio destacar o fato de que o cristianismo teve início como uma missão por excelência. Precisamos somente remeter às últimas palavras do Senhor logo após sua Ressurreição: “Ide, pois, de todas as nações fazei discípulos, batizando-os em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santos…”
A Boa Nova transformou a antiga religião de uma nação, na nova religião de uma Pessoa: Jesus Cristo, por meio de quem e em quem as pessoas de todas as nações puderam encontrar a resposta, o significado da vida e puderam receber a revelação da chegada de Deus.
Esta ênfase na Boa Nova é fundamental para a missão. E, ao mesmo tempo, extremamente importante é a inevitável luta do Reino de Deus e deste mundo. A vida inteira de Cristo pode ser considerada como “reprovada”, no sentido de que o mundo o recusou e finalmente foi condenado à morte. Cristo, porém, ressuscitou da morte pelo poder de Deus, não pelo poder do homem; e a verdade da Ressurreição é um mistério revelado somente àqueles que crêem n’Ele e, por conseguinte, àqueles que “não são deste mundo”. O anúncio da verdade do Evangelho deverá “fazer frente” aos que se opõem e acarretará divisões.
Para ser mais concreto, vou citar uma breve passagem do prólogo ao Evangelho de São João, escrita, ao que parece, por São Cirilo, o Constantino de Salônica, quando foi a Morávia em missões e lá pregar a Boa-nova. Uma de suas primeiras tarefas foi traduzir as Sagradas Escrituras para a língua eslava para dar aos convertidos a possibilidade de escutar e entender a palavra de Deus em sua própria língua. O prólogo ao qual me refiro reza: “Como os profetas da Antiguidade, Cristo veio para reunir todas as nações e línguas, posto que é a vida deste mundo”.
O prólogo prossegue com o tema de Pentecostes, que deve ser entendido biblicamente em contraposição a origem da “torre de babel”, no livro do Gênesis, no qual o conceito de multiplicidade de línguas se converteu em uma maldição. Mas em Pentecostes, quando veio o Espírito Santo, todas as pessoas começaram a falar diferentes línguas, porém, a dizer “as mesmas coisas, no mesmo espírito”.
Em outras palavras, na torre de babel, o pluralismo de línguas se converteu em uma maldição, em Pentecostes, porém, a multiplicidade de línguas se converteu em uma bênção, porque permitiu que todas as pessoas entendessem: o Evangelho, a mesma verdade e o mesmo Espírito, com a finalidade de torná-lo conhecido de todo o mundo. Cristo veio para reunir todas as nações e línguas.
Este é o primeiro aspecto no conceito de missão de São Cirilo e São Metódio, no qual a ortodoxia ao longo dos séculos tem permanecido fiel: a idéia de que cada nação tem direito a escutar e entender a palavra de Deus em sua própria língua. Esta foi uma das chaves do êxito bizantino na idade média, como a palavra de Deus e a Santa Liturgia foram traduzidas a língua de cada nação.
A missão na Igreja Ortodoxa foi sempre inseparável da vida dos que pregaram, por exemplo, ao largo do Oriente cristão, as comunidades monásticas foram agentes de evangelização. Isto se aplica as primitivas missões cristãs, ainda nos séculos IV e V na Etiópia, ou as missões bizantinas dos séculos VII e IX e de muitas outras das missões russas em períodos posteriores. Seu êxito no foi o trabalho de missões bem pagas em base a um contrato, pregando algo para logo regressarem a seus lugares, senão de homens que amavam a Deus e as pessoas a quem queriam transmitir sua fé. Este testemunho de amor fraterno é a verdadeira solução para os nossos dias e época em que, freqüentemente vemos o fracasso do cristianismo “profissional” organizado.
Precisamente porque a missão é inseparável da vida é também inseparável do progresso do pensamento teológico, do pensamento cristão e da vida. O missionário, o teólogo, o cristão, devem então entender o que os santos Padres ensinaram, de que o mesmo Senhor pode proclamar a Boa Nova de um modo que seja claro para as gentes de todo mundo, em seu próprio tempo.
A missão cristã é fundamentalmente o anúncio da verdade de Cristo a todos. Como membros da Igreja Ortodoxa, afirmamos que a nossa é a Igreja de Deus. Porém, significa isto que pensamos nós que a verdadeira fé e verdade no mundo são monopólio formal da ortodoxia? De nenhuma maneira afirmamos isto. A verdade pode existir em qualquer parte e, a verdadeira catolicidade da Igreja implica a alegria em descobrir a verdade quando e onde aparece.
Finalmente, um aspecto fundamental de como a Igreja Ortodoxa entende a missão foi expressada pelo grande santo russo, São Serafim de Sarov: “Salva-te a ti mesmo e, em tua volta, milhares serão salvos”. Penso que até certo ponto, pessoalmente, a experiência de acercar-se do conhecimento de Deus, da fé cristã, é a chave para uma aproximação cristã da missão.
Podemos ter todas as organizações no mundo. Podemos ter todos os meios para pregar o Evangelho e, ainda podemos falar no que nos concerne pessoalmente ao conhecimento de Deus. Esta é a verdadeira condição para fazer nossas palavras significativas e plenas de sentido.
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