Depressão: oração ou prozac?

Autor: James Hammond

O dilema cristão no tratamento da depressão: “É como estar num longo e escuro túnel sem fim à vista. Sinto que estou descontrolada. Não consigo enfrentar nada com êxito. Estou a enlouquecer?”

Clara* olhou para mim de uma forma que implorava por uma resposta. Como consultor terapeuta estava habituado a ouvir declarações como estas, vindas de pacientes no exercício da minha profissão. Todavia , eu sabia que com a Clara havia outro fardo que ela estava a suportar; o qual necessitaria de compreensão e ajuda extra, para que o tratamento fosse bem sucedido.

Clara começou a chorar. Ocasionalmente continha as lágrimas para poder explicar todos os problemas adicionais que acompanhavam as circunstâncias penosas pelas quais estava a passar: problemas de culpa; problemas de fé; problemas de uma vida pouco repleta de oração. Carla era uma Cristã – uma Cristã a sofrer de uma depressão clínica.

É claro que todos temos os maus momentos que vêm num dia e vão no outro. Contudo, a depressão de Clara é considerada “clínica ” se certos sintomas se mantêm por mais de duas semanas. Isso pode incluir:

Sentir-se infeliz

Perder interesse pela vida

Falta de concentração

Decisões mal tomadas

Falta de desejo sexual

Padrões de sono interrompidos

Irritabilidade e agitação

Auto-estima muito baixa

Distúrbios no apetite (muito ou pouco)

E no seu pior estado, sentimentos suicidas.

A depressão é, actualmente, a quarta causa mais significativa de sofrimento e incapacidade a nível mundial, depois das doenças cardíacas, cancro e acidentes de estrada. Tal é a propagação do crescimento das desordens depressivas, que a Organização da Saúde Mundial prevê que no ano 2020 esta doença passe para o segundo lugar.

Nem mesmo as crianças estão imunes à depressão e as estatísticas mostram que esta é uma área onde existe uma forte causa de preocupação, devido ao grande aumento de que tem sido alvo durante a última década. Dois por cento das crianças com menos de doze anos já sofreram de depressão, todavia, este número aumenta para cinco por cento em relação aos adolescentes, muitos dos quais tentam o suicídio. Estudos recentes mostram, também, que quando existe um membro da família a sofrer de depressão, há uma grande probabilidade que um ou mais membros dessa família possam vir a ser, também , “contagiados”.

Estes factos, por si mesmos, provocam uma leitura depressiva. Contudo, como é que os Cristãos se arranjam nesta miríade de sofrimentos? Poder-se-à pensar que os conceitos Bíblicos de alegria, felicidade e paz – tão frequentes nos temas principais dos sermões, em dádivas e chamamentos divinos – se fossem aplicados rigorosamente, acabariam, simplesmente, com todas as tristezas. A vida Cristã é, frequentemente, salientada como um estado perpétuo de bem-aventurança, onde a oração é a panaceia para todos os males, físicos ou mentais.

É um bonito conceito, mas, infelizmente, os factos não apoiam esta abordagem. Os Cristãos não são imunes às doenças, nem excluídos das estatísticas depressivas. Alguns estudos adicionais concluíram que mais de cinco por cento de uma congregação religiosa sofre, em qualquer altura, de depressão.

Os Cristãos não só têm que aguentar a mesma dor mental que os não-Cristãos, como também, sentimentos de culpa por desiludirem Deus, pensando mesmo que Deus, de alguma forma, os rejeitou, têm tendência a aumentar o nível de profundidade da depressão. Para melhorar, a abordagem típica do Cristão, muitas vezes, é tentar aumentar o tempo e a intensidade da oração ( apesar de a depressão evitar que o consiga) e tentam sair dessa situação, em vez de procurar ajuda profissional, que pode incluir medicação.

Ah, a medicação! Estamos a falar do Prozac e de outros anti-depressivos, não é verdade? De certeza, que não se está a sugerir que os Cristãos deverão ter em conta a possibilidade de considerar a medicação anti-depressiva, caso lhes seja receitada? Ingerir estes medicamentos será assumir alguma falta de fé? Não são estes considerados umas das “ferramentas de Satanás” designadas para nos afastar de Deus e aumentar o lucro das maléficas empresas de drogas?

É triste que alguns Cristãos mais “zelosos” se agarrem a estas visões extremistas e completamente irracionais em relação aos anti-depressivos. Infelizmente, é habitual haver, por perto, uma destas pessoas, bem intencionadas mas mal aconselhadas, que pioram o estado depressivo de qualquer indivíduo – se é que isso é possível.

Não é um problema espiritual
Existem diversas razões que levam os Cristãos a sofrer de depressão. Para alguns, tem a ver com a sua constituição biológica (embora não exista o ‘ gene da depressão’ ); outros, pode ser que tenham passado por circunstâncias stressantes ou traumáticas. Ou poderá ser o resultado das dificuldades de adaptação às mudanças da sociedade de hoje – uma das quais promove, drasticamente, o aumento da depressão. Qualquer que seja a razão para a depressão de um Cristão ou Cristã, uma coisa deve ser clara: não está relacionada com a sua vida espiritual, salvação ou punição divina. A depressão é uma questão de saúde mental e não espiritual. Sugerir que o estado mental e espiritual do Cristão sejam a mesma coisa, não só leva a pensar que o tratamento adequado tem algo de ímpio, como também não é bíblico.

Procurar ajuda adequada não é uma questão de falta de fé. Poderia alguém sugerir que um Cristão que tenha partido uma perna, tinha falta de fé, por ir ao hospital fazer tratamento? Ou que um Cristão que sofre de diabetes, mostre falta de fé, por tomar insulina? Só porque estamos a tratar do cérebro e não de uma perna ou do pâncreas, não é razão para impor a Deus outros pontos de vista sobre a sinceridade Cristã!

Quando uma pessoa sofre de depressão clínica, a química do cérebro muda. Não sabemos se a depressão é a causa da mudança ou se são os níveis esgotados de certos químicos que levam à depressão. O que nós sabemos, realmente, é que um dos factores chave para melhorar é restaurar estes níveis para o seu equilíbrio correcto.

Anti-depressivos modernos como o Prozac, Seroxal e outros são extremamente eficientes na correcção destas deficiências químicas, com muito poucos ou quase nenhuns efeitos secundários. Contrariamente às muitas falsas ideias que por aí circulam, a medicação anti-depressiva não é aditiva nem cria habituação.

Que fazer, então?
Qual deve ser, então, a abordagem do Cristão ao tratamento? Voltemos à Clara e observemos como se proporcionou a ajuda para a sua depressão. Primeiro, expliquei-lhe qual a natureza da sua depressão e enfatizei que, embora, a depressão estivesse espalhada, a percentagem de sucesso do tratamento típico, o qual combinava terapia psíquica com medicação, era muito elevada. Depois pedi à Clara para consultar o seu médico de família, ao qual escrevi uma carta para a Clara lhe entregar. Nesta, pedi ao doutor para fazer um exame físico à Clara, para me certificar se a causa da depressão era de origem hormonal ou de qualquer outro problema de saúde. Pedi, também, ao doutor uma recomendação em relação ao uso de anti-depressivos, na terapia do tratamento que eu estava a preparar para começar com a Clara. Depois do exame, o doutor deu-lhe ‘carta branca’ e concordou que um tratamento com anti-depressivos seria recomendável.

Começámos a nossa terapia, pela confirmação de factos sobre depressão e como a vida espiritual da Clara estava a ser afectada negativamente por isso. Durante o período terapêutico, descobri que a Clara tinha perdido a mãe recentemente. Para além disso, os seus filhos já não viviam com ela, por terem a sua própria vida, o que a fazia sentir só. O seu marido tentava apoia-la mas não conseguia entendê-la. Toda esta situação piorou para a Clara, quando a sua congregação passou por algumas mudanças, inclusive a substituição do pastor habitual. (Consegue detectar algo, remotamente, espiritual que pudesse causar os problemas da Clara? É claro que não.)

Começámos a descobrir formas, nas quais a Clara pudesse pensar diferentemente nas suas circunstâncias. Exploramos as sua visões acerca das sua crenças Cristãs e da sua vida. Muitas vezes questionei certos pontos de vista que a Clara tinha e consideramos meios alternativos de lidar com situações e eventos. Entre as sessões, dei à Clara ‘trabalhos de casa’ que a ajudaram a testar estes diferentes tipos de abordagem.

Uma nova pessoa
Depois de alguns meses de terapia, combinados com medicação anti-depressiva, a Clara é uma pessoa mudada. A sua depressão foi ajudada. Ela tornou-se dinâmica, alegre e num exemplo para todos na sua congregação. O pastor viu o seu entusiasmo e envolveu-a num número de actividades relacionadas com a adoração a Deus. A Clara, não só tinha voltado a ser como antes, como também, se tornou diferente em casa e na Igreja. Ela louvou e agradeceu a Deus por dirigi-la na procura do tratamento apropriado para os seus problemas.

A vida atira-nos com todos os tipos de dificuldades, incluindo desordens depressivas. Mesmo os grandes homens da Bíblia, tais como Elias e o Apóstolo Paulo sofreram de depressão. No entanto isso não mudou o amor incondicional de Deus por eles. E porque deveria mudar? Uma constipação altera a visão de Deus em relação a nós? Então porque deveria a depressão? Obter a ajuda certa para a depressão é uma responsabilidade Cristã. E entre o subsequente tratamento, medicação anti-depressiva – se necessária – juntamente com psicoterapia apropriada, não deve causar sentimentos de culpa ou medo.

Não, não deve nunca existir o dilema ‘Oração ou Prozac?’ Não podemos retirar o nosso ‘espírito’ da depressão. Todavia, se procurar tratamento apropriado, em breve será capaz de readquirir o que perdeu nos estudos, na adoração – e na oração.

* o nome verdadeiro da paciente foi mudado por motivos confidenciais.

(Psicoterapeuta e pastor)
The Plain Truth – Fevereiro/Março 2001 

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