Autor: Mary Anne d’Avillez
Muito se tem escrito e falado sobre o escândalo dos abusos sexuais praticados por alguns padres contra crianças nos EUA. Se é importante que este tema seja discutido é concerteza mais importante que essa discussão seja construtiva, para que se possam evitar os erros cometidos anteriormente.
Crianças: Vítimas da Igreja? não da Igreja, mas sim de alguns homens da Igreja e das estruturas por eles criadas.
Vítimas porquê? Porque ao serem abusadas fisicamente foram violadas na sua dignidade humana até ao mais íntimo do seu ser e essa violação foi praticada por quem tinha o dever de dar o mais alto exemplo de amor pelo próximo. Voltaram a ser vitimadas quando as estruturas da Igreja local encobriram o mal que lhes tinha sido feito.
Os efeitos do abuso sexual são complexos. Quando acontece algo de mal é comum a criança pensar que teve culpa, que de alguma maneira provocou ou mereceu esse mal. O facto de que nestes casos recentes nos EUA as vítimas na sua maior parte serem rapazes na puberdade ou na adolescência, vem complicar a situação pois estão numa fase de grande desenvolvimento sexual, lidando com enormes alterações a nível físico, psíquico e emocional. Se, mesmo contra a sua vontade, sentiram algum prazer físico é natural que o seu sentimento de culpabilidade tenha aumentado. A confusão interior gerada por estes actos deve ser enorme. A raiva e a desilusão provocadas pelo facto de terem sido traídos por alguém que por direito merecia a sua mais alta confiança, podem ser extremamente auto-destrutivas.
Nestes casos de abuso praticado por padres há outro factor a acrescentar: Para as crianças o padre representa a Igreja de Cristo. Como é que se reconstrói a Fé e a relação com Deus e com a Sua Igreja?
No entanto, James Keenan, Professor de Teologia Moral no Weston Jesuit School of Theology, no seu artigo “The Purge of Boston” (The Tablet, 30 de Março 2002) cita uma sondagem feita aos católicos de Boston que indica que 91% dos entrevistados afirmam que a sua fé não foi afectada por estes acontecimentos, mas que a ideia geral é de que para a Igreja a sua imagem é mais importante do que as suas crianças. No mesmo artigo Keenan considera que um estudante de 16 anos descreveu bem o sentimento geral quando disse “Ao fazerem isto (o encobrimento) estão a deitar abaixo toda a mensagem dada por Cristo “Amem-se uns aos outros”, só para não ficarem mal vistos.”
O encobrimento de situações destas na Igreja tem efeitos pessoais e sociais. A nível pessoal o facto de ser pedido à vítima e à sua família que mantenham segredo e de, aparentemente, não haver consequências nenhumas para quem praticou o acto, pode aumentar o sentimento de culpabilidade e de raiva. Todos temos o direito de receber um pedido de desculpa e prova de arrependimento da parte de quem nos ofende ou, se este não tiver a capacidade de o fazer, de quem o representa. Encobrir uma ferida infectada faz com que a supuração aumente, que se forme um abcesso, que a infecção se espalhe e que a cura seja cada vez mais difícil não só a título pessoal como a social.
No início da missa dizemos “Confesso a Deus Pai Todo Poderoso e a vós irmãos….” Este é o primeiro passo na reparação do mal, no sarar da ferida. Não é necessário uma confissão pública, mas a comunidade local merece que lhe seja dito o que se passa no seu meio. Reconhecer que todos somos fracos que todos erramos dá força àqueles que se esforçam e lutam contra a tentação. Perceber que é possível cair e voltarmo-nos a pôr de pé dá coragem àqueles que não vêem uma luz ao fundo do túnel. A transparência total inspira confiança e fornece uma enorme autoridade e credibilidade moral a quem a pratica. Temos a obrigação de anunciar o Evangelho e denunciar o mal, começando com aquele que se passa no nosso meio.
Estes crimes, porque o abuso sexual de menores é um crime, foram praticados na sua maior parte por homens com uma orientação homossexual, pois as vítimas eram rapazes na pós-puberdade (a pedofilia é praticada com crianças pre-pubescentes de ambos os sexos). Existe o perigo de este facto levar a uma certa caça-às-bruxas em relação à homossexualidade o que seria simplista e não ajudaria em nada resolver o problema. Os estudos não demonstram uma ligação entre a orientação sexual e o abuso de crianças. James Keenan refere no seu artigo no “The Tablet” que dois especialistas na área da homossexualidade entre padres, Eugene Kennedy e o P. Donald Cozens, autor do livro “The Changing Face of the Priesthood”, comentam que o que os preocupa é a maturidade sexual e emocional do padre e não a sua orientação sexual. Um homem que não consegue viver bem com a sua sexualidade, qualquer que seja a sua orientação (homo ou heterossexual), pode bem “fugir” para o Seminário pensando que o assunto fica resolvido com o celibato. É da maior importância que os seminários tenham formadores bem qualificados na área da sexualidade para poderem despistar e ajudar estes homens a resolver os seus problemas.
Todos nós podemos viver sem relações sexuais, mas ninguém pode viver sem relações afectivas. Libby Purves, no seu artigo “The real questions about celibacy” no “The Tablet” de 4 de Maio de 2002, preocupa-se com a solidão vivida por muitos padres. “Mas negamos (a intimidade) aos padres. Obrigamo-los a ser monges sem um mosteiro, andando à deriva num mundo de casais com pouquíssimo apoio. Mesmo a amizade é difícil se não tiverem pais nem irmãos; a sua solidão deve ser enorme.”
Todos nós somos Igreja. Não sei no que Deus estava a pensar quando entregou a Sua Igreja a nós Homens/Mulheres para gerir, mas se Deus acredita em nós então temos que acreditar em nós próprios e aceitar essa enorme responsabilidade. Amo profundamente esta Igreja que é Deus Trinitário no nosso meio. Temos que saber cuidar dela e isso implica cuidar das nossas crianças e dos mais fracos, cuidar dos nossos padres – o que pode implicar protegê-los de si próprios, pois o impulso que leva ao abuso sexual é compulsivo e incurável, embora tratável, e é essencial afastá-los da tentação, mas nunca abandoná-los – e acima de tudo ter a coragem de admitir as nossas faltas e pedir perdão.
A autora é Consultora da Comissão Episcopal das Comunicações Sociais – Portugal
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