Autor: Autor Desconhecido
Eticamente falando, vivemos, num mundo regido pela “lei de Gerson”, pela qual cada um busca tirar vantagem para si próprio em tudo: nos negócios, na sexualidade, na política e até na religião.
Pois a prática da lei de Gerson no dia-a-dia levou grupos religiosos a inventar a “teologia da prosperidade” como chamariz maior para a multiplicação de seus rebanhos e seus bens. Nesses grupos, a promessa de mobilidade sócio-econômica ascendente enche velhos cinemas e teatros convertidos em templos e induz os fiéis a contribuir com seu dinheiro uma, duas, três ou mais vezes durante os cultos, garantindo-lhes a fila preferencial dos que serão aquinhoados com a prosperidade material e a ascendência social.
Todo mundo almeja ser alguém. Desde a alvorada da história, os seres humanos buscam subir na escala de importância. Foi o argumento decisivo da serpente para tentar Adão e Eva: “No dia em que comerem o fruto, os olhos de vocês vão se abrir, e vocês se tornarão como deuses, conhecedores do bem e do mal”. (Gênesis 3:5)
A longa e dolorida história da igreja é a história de pessoas sempre tentadas a escolher o pode em vez do amor, a ambição de liderar em vez de ser lideradas. Os apóstolos Tiago e João caíram nesta tentação: “Quando estiveres na glória, deixa-nos sentar um à tua direita e outro à tua esquerda” ?(Marcos 10:37). A glória compartilhada, posições de honra e a proximidade de pessoas poderosas são meios populares para que alguém se considere importante.
A resposta de Jesus a Tiago e João contesta as suposições populares sobre grandeza, poder e proeminência: “Por acaso vocês podem beber o cálice que eu vou beber? Podem ser batizados com o batismo com que eu vou ser batizado?” (Marcos 10:38). O cálice que Jesus bebeu foi o do amor desinteressado, que dá sua vida pelos outros. O batismo foi o sepultamento do mundo velho, com seus joguinhos de poder, e o surgimento do reino de justiça, generosidade e alegria. Isso se chama mobilidade descendente, para baixo.
A imagem que o mundo tem de grandeza é a hierárquica, com o maior no pináculo da pirâmide e Deus esvoaçando sobre o topo. Quanto mais perto se chega do pináculo, mais perto se está da grandeza e da imagem de Deus. O sucesso, a mobilidade para cima e ser servido seriam, nessa visão banal do mundo, sinais de fidelidade a um deus hierárquico.
O caminho de Jesus leva em outra direção. O caminho do cristão não é o da mobilidade ascendente, na qual o mundo tanto investiu, mas o da mobilidade descendente, que leva à cruz. Não uma liderança de controle e poder, mas de humildade, esvaziada de poder.
Em 1968, quando se comemoravam 20 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos, maçons do Vale do Rio São Francisco se reuniram em Caetité, na Bahia, para refletir sobre o que acontecia no país. Entre as resoluções aprovadas, uma ganhou manchete do “Jornal do brasil” em 10 de dezembro de 1968: “maçons da Bahia apoiam padre Hélder no movimento de ação, justiça e paz”. A notícia foi transcrita no dia seguinte na primeira página do principal jornal baiano, “A Tarde”.
No dia 13, uma sexta-feira, foi editado o famigerado AL-5. No primeiro dia útil da semana seguinte, 16, a Grande Loja Maçônica da Bahia se reuniu e decretou a proibição de manifestações sobre direitos humanos pelas lojas da sua jurisdição. Foi um momento vergonhoso na história da maçonaria na Bahia; o poder abandonou seus princípios tradicionais de combate à tirania para tiranizar, por sua vez, os que denunciavam violações dos direitos humanos.
Mais do que antes, porém, d. Hélder Câmara, um dos brasileiros mais conhecidos e admirados do mundo, ficou como modelo do cristão obediente à formula de Jesus: ” Quem de vocês quiser ser grande deve tornar-se o servidor de vocês, e quem de vocês quiser ser o primeiro deverá tornar-se o servo de todos. Porque o filho do homem não veio para ser servido. Ele veio para servir e para dar sua vida como resgate em favor de minutos” (Marcos 10:43-45). Dar nossas vidas “como resgate em favor de muitos significa pôr-nos à disposição das pessoas, arriscando-nos inteiramente: nossas esperanças e nosso desespero, nossas dúvidas e nossa fé, nosso medo e nossa coragem, nossa ambição e nossa humildade.
No natal, a gente lembra aquele que nasceu numa estrebaria malcheirosa e morreu torturado numa cruz infame. É o próprio Jesus que nos convida a seguir seu estranho exemplo de mobilidade descendente, dando as nossas vidas “como resgate em favor de muitos”. Essa é a grandeza autêntica.
Por: Pastor Jaime Wright. Pastor Presbiteriano, coordenador do projeto: “Brasil: Nunca Mais” da Arquidiocese de São Paulo. Foi educador e pastor na Bahia
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