Conselhos para crentes fracos

Autor: Richard Baxter

 ‘‘Ora, como recebestes a Cristo Jesus, o Senhor, assim andai nele, nele radicados, edificados, e confirmados na fé,
tal como fostes instruídos, crescendo em ações de graça.’’(Cl 2:6-7)

O QUE É SER CONFIRMADO E EDIFICADO NA FÉ

Esta confirmação é o poder habitual da graça, distinto das eventuais confirmações pela influência da graça de Deus. Deus pode em um determinado instante confirmar uma pessoa fraca para que possa resistir a alguma tentação em particular, pela sua livre assistência; entretanto não é disso que o texto fala aqui, mas de uma habitual confirmação em um estado de graça.

Um crente confirmado, ao contrário de um crente fraco, não deve ser avaliado, 1) Pela ausência de todas as dúvidas e temores. 2) Nem pela sua eminência na estima ou observação do homens. 3) Nem por seu poder de memória. 4) Ou por liberdade de expressão na oração, pregação ou discurso. 5) Ou por sua postura e cortesia para com os outros. 6) Nem por seu temperamento quieto, calmo e agradável, e livre de alguma precipitação e paixão a que outros temperamento são mais tendentes. 7) Nem pela capacidade fingida, mas que agrada aos homens, de refrear a língua, impedindo-a de revelar a corrupção da mente, e de suprimir todas as palavras que poderiam fazer com que os outros soubessem quão perverso é o coração. Há muitos dons louváveis e desejáveis, os quais não evidenciam tanto a sinceridade com relação a graça; e muito menos o estado de confirmação e estabilidade.

Confirmação consiste no elevado grau daquelas graças que caracterizam um crente, e este elevado grau se manifesta nas suas práticas: 1) Quando a santidade é como que uma nova natureza em nós, nos dá prontidão para atos santos, nos torna livres e prontos para tais atos, e os torna fáceis e familiares para nós; enquanto que o crente fraco sente dificuldade, e mal consegue compelir e forçar sua mente à estas ações. 2) Quando há constância e freqüência de ações santas; que demonstram vigor e estabilidade de inclinações santas. 3) Quando estas graças mostram-se poderosas para suportar oposições e tentações, podem superar os maiores impedimentos no caminho, tirar proveito de toda resistência e desprezar as mais esplêndidas iscas do pecado. 4) Quando tais graças estão ficando cada vez mais firmes, e inclinam a alma mais e mais próximo de Deus; quando o coração torna-se mais celestial e divino, e estranho para o mundo e para as coisas terrenas. 5) E quando as coisas celestiais são mais doces e agradáveis à alma, e são procuradas e usadas com mais amor e prazer. Todas estas coisas mostram que as operações da graça são vigorosas e fortes, e consequentemente mais constantes.

Esta confirmação deve manifestar-se: 1) No entendimento. 2) Na vontade. 3) Nos sentimentos. 4 ) Na vida.

1. Quando a mente de uma pessoa adquire uma maior compreensão das verdades de Deus, e da ordem, lugar e utilidade de cada verdade, com uma convicção mais profunda da veracidade delas e da excelência dos assuntos nelas revelados; quando os olhos se abrem mais para o conhecimento e a fé, e temos uma plena, verdadeira, firme e segura apreensão das coisas reveladas e invisíveis; quando a natureza, razões, propósitos e benefícios da religião estão muito clara, ordenada, adequada e fortemente impressos na mente; então a mente está em um estado confirmado (ou estabelecido).

2. Quando a vontade é dirigida por tal compreensão confirmada; e não está tolamente determinada, sem saber por que; quando o entendimento iluminado firma de tal modo a vontade, que todas as dúvidas, hesitações, vacilações e relutâncias indesejáveis consideráveis, tornam-se coisas do passado, e o homem que está buscando a Deus e sua salvação e evitando pecados conhecidos – como o homem natural está interessado em preservar sua vida e acumular bens e evitar o que lhe é danoso, fome e tormentos; quando as inclinações da vontade para com Deus, os céus e a santidade assemelham-se a sua inclinação natural para o bem como bem, e para sua própria felicidade, e suas ações são tão livres ao ponto de não ter a menor indeterminação, e a serem semelhantes a atos naturais necessários, como são os atos dos abençoados espíritos nos céus; quando as menores sugestões de Deus prevalecem, e a vontade responde a elas com prontidão e prazer, e quando ela se deleita em esmagar toda oposição e tudo o que possa ser oferecido para corromper o coração e atraí-la para o pecado, e afastá-la de Deus; este é um estado de vontade confirmada.

3. Quando os sentimentos procedem de tal vontade, e estão prontos para assisti-la, motivá-la e servi-la, e impulsionar-nos aos deveres necessários; quando os sentimentos menos elevados de temor e tristeza purificam, restringem e preparam o caminho; e os sentimentos mais elevados de amor e alegria estão apegados a Deus, desejam e anseiam Sua presença, dispõem a alma para propósitos justos, e estão libertando mais o coração para a possessão de desejos santos e para o amor; e quando estes sentimentos – os quais são preferivelmente mais profundos do que imediatamente sensíveis para com o próprio Deus – são sensíveis para com a Sua palavra, Seus servos, Suas graças e Seus caminhos, e contra todo pecado; então os sentimentos, assim como a pessoa, está em um estado confirmado.

4. Quando consideramos nós mesmos, nosso tempo, e tudo o que temos, de Deus e não nosso, e somos inteiramente e sem reservas entregues a Ele e usados por Ele; quando nos aplicamos aos nossos deveres e confiamos nEle para nossa recompensa; quando vivemos como quem tem muito mais a ver com os céus do que com a terra, e com Deus do que com o homem ou qualquer outra criatura; quando nossas consciências são absolutamente submissas à autoridade e leis de Deus, e não se dobram diante dos competidores; quando estamos habitualmente dispostos, como Seus servos, a sermos constantemente empregados em Seus serviços, e a fazer disso nossa vocação e negócio neste mundo, considerando que nada temos a fazer no mundo senão o que podemos fazer com Deus e para Deus; quando não acalentamos nenhum desejo ou esperança secreta de felicidade mundana, nem buscamos o prazer da carne, sob a capa da fé ou piedade, mas subjugamos a carne como nosso inimigo mais perigoso, e podemos facilmente negar satisfazer seus apetites e concupiscências; quando vigiamos todos os nossos sentimentos e mantemos nossas paixões, pensamentos e línguas em obediência à santa lei de Deus; quando não consideramos indevidamente nossa estima ou desejos acima ou contra nosso próximo e o bem estar deles; e amamos os piedosos com amor tolerante, e os ímpios com amor benevolente, embora sejam nossos inimigos; quando somos fiéis com relação aos nossos relacionamentos, e discernimos nossos deveres, a fim de não enveredarmos para o extremismo; e demonstramos habilidades, prontidão e prazer para realizarmos nosso deveres, e paciência quando em sofrimento; esta é a vida de um cristão confirmado, em vários graus, conforme a graça que Deus concedeu a cada um.

Incentivos para buscar a confirmação.

Prosseguirei agora, para persuadi-los com relação à importância de buscar esta confirmação, para que os conselhos que darei a seguir, não venham a ser desperdiçados, devido às mentes entorpecidas e despreparadas dos leitores. Posteriormente, então, darei os conselhos propriamente ditos, os quais constituem a intenção principal deste livro. Vamos, primeiro, aos incentivos.

1o Incentivo

Considerem que o ingresso de vocês no cristianismo é um compromisso de prosseguir. Ter recebido a Cristo os obriga a andar e crescer nele. O cristianismo lhes impõe uma obrigação quádrupla para que possam fortalecer-se e perseverar:

1. A primeira provém da própria natureza do cristianismo; e até mesmo do ofício de Cristo, e do uso e fim para o qual O recebemos. Vocês receberam a Cristo como a um médico para as doenças das almas de vocês; e isto, porventura, não os compromete a prosseguir a fazer uso dos medicamentos por Ele prescritos até ficarem curados? Para que as pessoas recorrem a um médico, senão para serem curadas? Somente um paciente muito tolo diria: ‘‘Embora a minha doença seja mortal e eu tenha conseguido o melhor médico, não preciso fazer mais nada, e ainda assim não duvido que serei curado’’. Vocês receberam a Cristo como Salvador; e isso os obriga a fazer uso dos meios de salvação e a submeterem-se às Suas obras salvadoras. Vocês O receberam como professor e mestre; e comprometeram-se a ser discípulos dEle. E que sentido teria tudo isso, se não prosseguissem em aprender dEle? Seria uma tola presunção alguém pensar que é um bom aluno simplesmente por haver escolhido um bom professor ou tutor, sem que dele aprenda. Quando Cristo enviou seus apóstolos, foi com estas duas tarefas: primeiro, para fazer discípulos de todas as nações e batizá-los; e, então, prosseguir, ensinando-os a observar tudo o que Ele havia ordenado. Cristo é o caminho para o Pai; mas com que propósito vocês vieram para este caminho, se não tencionam caminhar nele?

2. Além disso, quando vocês se tornaram cristãos, entraram em solene aliança com Cristo; e comprometeram-se com promessas de serem fiéis a Ele até a morte; e este voto está sobre vocês. ‘‘É melhor não fazer votos, do que fazê-lo e não cumprir’’. Tendo aceito a Cristo como capitão da salvação de vocês, e alistado-se sob seu comando, e jurado fidelidade a Ele, vocês se comprometeram a combater como fiéis soldados, sob Sua direção e comando, até o fim da vida. E assim como é tolo o soldado que pensa que nada mais tem a fazer, senão alistar-se e ganhar uma farda, sem ter que combater; assim também é tolo e ímpio aquele que professa a fé cristã pensando que nada tem a fazer senão prometer; quando a promessa teve o propósito de comprometê-lo a prosseguir.

3. Além disso, quando vocês se tornaram cristãos, colocaram-se sob as leis de Cristo; e estas leis requerem que prossigam até que sejam confirmados; de modo que devem ir avante ou renunciar obediência a Cristo.

4. Finalmente, quando vocês receberam a Cristo, receberam tão abundantes misericórdias, que estão obrigados a ter sentimentos mais elevados e mais obediência para com Deus. Alguém que foi recém-arrebatado da garganta do inferno, e que recebeu o livre perdão dos seus pecados, e que foi colocado em tal estado abençoado como vocês o foram, devem, necessariamente, compreender a abundância do dever que têm para com Deus, de prosseguir e alcançar vontade e sentimentos mais fortes; e não satisfazer-se com o grau insuficiente do princípio.

Se vocês considerarem essas quatro coisas, poderão perceber que o próprio propósito de terem recebido a Cristo, foi a fim de que pudessem andar nEle e serem confirmados e edificados.

2o Incentivo.

Considerem, também, que a conversão não é sadia, se vocês não estão sinceramente desejosos de crescer. A graça não é verdadeira, se não houver desejo de maior porção dela; sim, se não houver desejo de alcançar a própria perfeição. Uma criança não nasce para permanecer criança, pois isso seria monstruoso; mas para crescer e alcançar a maturidade. Assim como o reino de Cristo neste mundo é comparado por Ele a um pouco de fermento e a um grão de mostarda, no início, que depois cresce de modo espantoso; assim o Seu reino na alma é também da mesma natureza. Se vocês estão contentes com a porção de graça que têm, vocês não têm graça alguma, mas apenas uma sombra ou imitação dela. Será que alguém acha que deve racionar a santidade e argumentar que se deve ser moderado quanto a isso; como se fosse intemperança amar a Deus, temê-lO, buscá-lO e obedecê-lO mais do que o fazem – como se estivéssemos em perigo de excesso ao fazer isso? Se uma pessoa sincera e por experiência souber o que é a santidade, jamais poderá conceber tal idéia.

3o Incentivo

Considerem quanto labor desperdiçarão e quantas esperanças terão sido frustradas, se não prosseguirem até virem a ser enraizados em um estado de confirmação. Eu não digo que tais pessoas fossem verdadeiramente santificadas; o que eu digo é que estavam em um caminho esperançoso e na direção correta; e que, se houvessem prosseguido, poderiam ter alcançado a salvação. O coração de muitos ministros alegrara-se bastante por ver seus ouvintes humilhados, deplorando seus pecados, mudando suas mentes e vidas, e professando externamente a piedade; para, alguns anos depois, ver sua alegria transformada em tristeza; e alguém que alimentávamos a esperança de ser convertido, esfriar e perder sua disposição inicial; e outro cair na mais completa sensualidade, e tornar-se um beberrão, fornicador ou jogador; e outro voltar-se para o mundo e transformar seu aparente zelo em amor pela riqueza e cuidados desta vida; e outros serem enganados por algum charlatão e infectados com erros mortais, abandonarem seus deveres, e entregarem-se como instrumentos de Satanás para dividir a igreja, oporem-se ao evangelho, e desacreditarem e injuriarem ministros e crentes; para enfraquecerem as mãos dos construtores e fortalecerem os ímpios, e servirem aos inimigos secretos da verdade. Aqueles que um dia confortaram o nosso coração com a esperança de serem convertidos, quebram o nosso coração com suas apostasias e subversões, e tornam-se grandes obstáculos na obra de Cristo, e pragas maiores para a igreja de Deus, do que aqueles que nunca professaram ser religiosos. Aqueles que costumavam unirem-se a nós no culto santo e conosco iam à casa de Deus como irmãos nossos, depois desprezam ambos, os adoradores e o culto. Se tais pessoas estivessem enraizadas e confirmadas, vocês jamais as veriam cair neste miserável estado. Oh, quantas orações, confissões, e deveres estas pessoas desperdiçaram! Por quantos anos alguns deles pareciam religiosos, para depois manifestarem-se apóstatas e serem engolidos completamente pelo mundo, pela carne, pelo orgulho e pelo erro.

Considerem, portanto, o quanto vocês necessitam estar enraizados, confirmados e edificados em Cristo…*

Conclusão dos Incentivos

Agora, meus irmãos, eu os exorto a considerarem sobriamente estas motivações. Elas não são razões suficientes para movê-los a buscar coisas mais elevadas, ao invés de permanecerem na infância da santidade? É uma bendita misericórdia, eu confesso, que Deus tenha dado a vocês uma verdadeira conversão, e as menores medidas da vida celestial; eu não estou estimulando-os a desvalorizarem-na. Não, eu estou acusando vocês de a estarem desvalorizando. Pois, se vocês valorizassem a conversão, desejariam sinceramente mais dela.

* Obs: o Autor relaciona, ao todo, 30 Incentivos e finaliza com 20 Conselhos, os quais, poderão ser lidos na íntegra com a aquisição do livro. Editora Clássicos Evangélicos –
Tradução: Pr. Paulo Anglada.

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