Autor: Paulo Roberto Silva
PREFÁCIO
Há cinco anos fui recomendado a pensar sobre o papel da igreja na cidade. O tema me empolgou e até hoje tenho buscado trazer mais luz para esta questão principalmente com o foco nas cidades do Nordeste.
Foi assim que, dando aula no Seminário Presbiteriano do Norte (SPN), tive o prazer de orientar o então teologando Paulo Roberto na sua proposta de escrever sobre missões urbanas. Creio que o Senhor da Igreja nunca deixou de agir e cultivar a sua igreja a levantar líderes para a sua obra. Assim a iniciativa do Rev. Paulo Roberto em escrever e divulgar a necessidade de vermos e, teologicamente compreendermos um pouco desse fenômeno chamado cidade é relevante e abençoador para a Igreja.
Paulo Roberto, escreve com clareza e deixa bem estabelecido a trilha da sua teologia urbana reformada. Este opúsculo será apenas um “ponta-pé” de outros materiais que certamente surgirão.
Boa leitura,
Rev. Sergio Lyra
As nações verão a justiça de Jerusalém;
E todos os reis a sua glória;
A cidade será chamada por um novo nome
Que a boca do Senhor lhe dará.
Jerusalém será uma coroa de esplendor na mão do Senhor,
Um diadema real na mão do seu Deus.
Nunca mais chamarão a cidade de “Abandonada”,
E a sua terra não mais será chamada de “Arrasada”.
Mas a cidade será chamada “Meu contentamento”
E a sua terra de “Minha Esposa”.
Assim como um moço se casa com a sua noiva,
Assim também Aquele que a construiu casará com você;
Assim como o noivo se alegra com a sua noiva,
Assim também o seu Deus se alegra com você.
Isaías 62.1-5
INTRODUÇÃO:
O Evangelho de Jesus Cristo traz uma mensagem pessoal, revela um Deus que chama cada um dos seus pelo nome. Mas é ao mesmo tempo uma mensagem cósmica; revela um Deus cujo propósito abarca o mundo inteiro. Mais do que em qualquer outro período da história, temos visto hoje um crescente interesse por parte dos teólogos sobre missões urbanas, a crescente densidade demográfica das grandes cidades tem despertado o interesse da comunidade eclesiástica no sentido de entender melhor este fenômeno a fim de ter respostas a questionamento diversos e soluções para novos problemas apresentados. A prática ministerial dentro de um universo da necessidade humana urbana não poderia nem teria sustentação sem um fundamento bíblico sólido, trazendo luz sobre as injustiças sociais e a grande confusão que reina na cidade, e nos transportando à conscientização da responsabilidade missionária da igreja urbana.
Esta preocupação em entender a tarefa missionária como disciplina e responsabilidade da igreja começou com os teólogos Gustav Werneck e Martinho Kahler. “Eles defenderam que o termo correto deveria ser missiologia, um estudo da missão de Deus incluso na revelação especial da salvação em Cristo. As idéias do duplo fundamento de missões ganharam grande divulgação. A igreja é apresentada como o povo de Deus ativo no mundo e missão como a cristianização dos povos”.
“A Missio Dei se apresenta no pacto divino da criação que possuía mandatos, bênçãos e também maldições. O mandato cultural, que era a ordem divina para dominar a terra, sujeitá-la com trabalho, a exploração das riquezas naturais, o desenvolvimento da ciência e da arte. O povo, que segundo a Bíblia existe apenas em relação à idéia de coletividade, agregação de pessoas que interagem entre si e existe para glorificar a Deus e desfrutá-lo. A humanidade, suas cidades e vilas, tornaram-se escravizadoras, violentas, exploradoras e anti-Deus. A Missão de Deus aponta para a cidade perfeita e ideal, a qual é descrita no Apocalipse como real dom de Deus que desce do céu para os eleitos, é a cidade-noiva”.
Missões na verdade trata-se de uma parte da teologia cristã, podemos mesmo dizer um estudo da razão principal da existência da comunidade da fé. É importante entender missão como parte central da teologia, tudo que se faz é em função da missão de Deus, pois até bem pouco tempo, sob o aspecto teológico, a missão foi tratada apenas como subproduto de estudo da igreja (eclesiologia). A Confissão de Fé de Westminster nos seus quatro parágrafos do capítulo XXXV, fala sobre o Amor de Deus e Das Missões; diz que:
Deus em seu amor infinito e perfeito, determinou que a todos os homens esta salvação de graça seja anunciada no Evangelho. No Evangelho Deus proclama seu amor ao mundo, revelando plena e claramente o único caminho da salvação, os homens reconhecendo a misericórdia oferecida e, pela ação do seu Espírito, a aceitem como dádiva da graça, porém os que continuam impenitente e incrédulo agravam a sua falta e são os únicos culpados pela sua perdição. Visto não haver outro caminho de salvação a não ser o revelado no evangelho e que a fé vem pelo ouvido que atende à Palavra de Deus, Cristo comissionou a sua igreja para ir por todo o mundo e ensinar a todas as nações.
CIDADE – CRIAÇÃO DE DEUS
Não há como negar que a cidade se apresenta como a próxima fronteira missionária, nos desafiando a entender a conjuntura sócio-cultural para que o trabalho missionário seja verdadeiramente salutar e produza frutos. É fato que no mundo inteiro as cidades estão enfrentando uma explosão demográfica. As cidades do hemisfério norte se apresentam mais urbana do que dos países do sul. 94% da população do Canadá e dos Estados Unidos já vivem na cidade, bem como 82% dos Europeus e 80% de todos os Russos. No entanto, apenas 36% de todos os Asiáticos e 45% de todos os Africanos morarão em cidades. Na América latina temos 73% de seus habitantes morando em cidades.
A migração de mais de um bilhão de pessoas para as cidades nas últimas duas décadas representa o maior movimento populacional da história. As cidades representam o grande desafio para as missões cristãs devido ao seu tamanho, sua influência e suas necessidades. Naturalmente elas são centros de poder político, de atividade econômica, de comunicação, de pesquisa científica, de instrução acadêmica e de influência moral e religiosa. O que acontece nas cidades acaba por afetar uma nação inteira e o mundo caminha na direção que as cidades seguem.
Os resultados de um crescimento de abrangência mundial tão rápido são evidentes em toda parte. Nas ruas de Nova Iorque vivem cinqüenta mil pessoas desabrigadas. Outras 27.000 vivem em abrigos temporários e estima-se que 100.000 famílias recebem abrigo em apartamentos de amigos e parentes. Em Bombaim, Índia, 1.000,000 de pessoas vivem em uma favela construída sobre um gigantesco depósito de lixo. Em Detroit, 72% dos adultos em idade de empregarem-se não encontram trabalho e provavelmente nunca o encontrarão. Esta é a cidade que Deus ama e pela qual Cristo morreu. Esta é a cidade onde está a igreja de Cristo e este é o lugar onde ela é chamada para ministrar.
A missiologia urbana, num contexto religioso como o nosso, não pode dispensar a reflexão bíblica, mesmo que as cidades das quais falam os Textos Sagrados pouco ou nada tem a ver com as nossas metrópoles. Seria um erro de análise transpor características das cidades referidas na Bíblia, no entanto não podemos ignorar a história, se quisermos atuar numa perspectiva cristã.
BABILÕNIA – A CIDADE TERRENA
Um olhar reflexivo denotará com clareza a realidade desta cidade “Babilônia” a cidade terrena, como sendo anti-Deus. Babilônia simbolizava através das Escrituras a cidade completamente dominada por Satanás. A cidade é citada pela primeira vez em Gêneses 11 na decisão humana de construir a Torre de Babel. No nosso contexto a cidade é Babilônia, símbolo da civilização com sua pompa e com tudo organizado para ser contra Deus, William Hendrisken – No seu livro Mais que Vencedores, comenta: “Uma cidade que fascina, que tenta, que seduz e arrasta as pessoas para longe de Deus”. Uma cidade mundana, louca por prazeres, arrogante e presunçosa. A descrição da Babilônia (Ap 17 a 19), nos faz lembrar de Tiro (Ez 26-28), um centro pagão de impiedade e sedução, uma grande metrópole industrial e comercial. Babilônia indica um mundo como um grande centro de progresso, de comércio, de arte, de cultura. Simboliza a concentração da luxúria, do vício, dos encantos deste mundo. É o mundo visto como a personificação da concupiscência da carne, da concupiscência dos olhos e da soberba da vida (I Jo 2.16). Sérgio Lyra em sua dissertação – Fundamentação Bíblico-Teológico para uma Missiologia Urbana Reformada, faz o seguinte comentário: “Babilônia é o símbolo da comunidade que, ora iludida pelo próprio mal, declara um brado de independência ou morte e crê que será livre das estruturas maléficas, ora se entrega ao pecado e se opõe a Deus”. Na cidade Babilônia, o pecado que atingiu o ser humano, chegou ao seu limite máximo. Babilônia é um sistema que corrompe a mente e a alma da pessoa humana, um sistema apóstata.
Júlio Andrade, comentando sobre Apocalipse, descreve: “A Babilônia é a cidade onde a desgraça é passada, presente e futura. Sua forma é externa, muda, mas sua essência permanece. Roma, a cidade imperial atraía para seus prazeres os reis de todas as nações, os governadores de cada esfera da vida (Ap 17.2). Roma, primeira cidade européia que imprimiu tom de cidade no oriente, séculos a fio, sua população, no apogeu, chegou à cerca de um milhão e meio de habitantes”. Babilônia, pois é o mundo como centro de sedução em qualquer momento da história, sempre se opondo à noiva, a Nova Jerusalém (Ap 21.9-27). A queda da Babilônia se refere não somente a destruição final do mundo, visto como centro de cultura e sedução anticristãs, mas também como a demolição de cada concentração anterior de tentação mundana. Eis a grande cidade, cujas iniqüidades “subiu à memória de Deus”, e agora ele convocou o Seu povo para exterminá-la da terra. Sua queda é anunciada como se já houvesse ocorrido, tão certa! A completa desolação de Babilônia é vividamente descrita quando se diz que é considerada como uma prisão até pelos espíritos imundos e as aves impuras e detestáveis (Is 13.20-22; Jr 50.39,45; Sl 37,42; Sf 2.14). Muitos fatores contribuíram para a decadência; a cobiça daquela cidade e prepotência inevitável, própria dos dominadores; a transição do regime de iniciativa individual para o regime de condição social hereditária; a política tributária injusta. Estes mercadores representam todos os que têm posto em seus corações as riquezas do mundo. Assim como os males de Babilônia decretaram a sua destruição, não estará os males das nossas cidades, clamando pela justiça, e clamando com a mesma intensidade?
Babilônia recebe atenção final em Apocalipse 16 a 18, onde ela é apresentada como síntese do mal, uma cidade totalmente rendida ao mal. “… a grande Babilônia, a mãe das prostituições e abominações da terra” (Ap 17,5).
NOVA JERUSALÉM – CIDADE DE DEUS
Por sobre as minas da cidade meretrízia, aparece a esplêndida visão da cidade desposada, a cidade de Deus. A interpretação tradicional dada ao nome é Cidade de paz. As primeiras referências a Jerusalém na Bíblia são encontradas em Gêneses 14:18 e salmos 76.2, onde em hebraico ela é chamada Shalém”. De todas as comparações à cidade, Nova Jerusalém é a que predomina e, a esta vamos subordinar todas as outras, mesmo a da noiva, pois a cidade é que também é chamada de noiva (Ap 21.2). Trata-se da igreja ideal do futuro prefigurada pela igreja real do presente, a comunidade dos homens que têm comunhão com Deus. Nada é tão maravilhoso em todo o universo, como o homem ter comunhão com Deus, tanto é assim que o próprio Deus além de habitar conosco nos faz sua propriedade. Na cidade de Deus esta comunhão é santa e constante, é usufruída por uma incontável multidão, a igreja do futuro é descrita, bem como a igreja do presente, principalmente como uma sombra do que há de vir. A contemplação das glórias da segunda cidade desperta inspiração e arma os cristãos para a destruição da primeira. João menciona rapidamente que a cidade celestial, a Nova Jerusalém, desce do céu para fixar-se permanentemente na terra, entre os homens. A comunidade dos homens que vivem em obediência a Deus, e que foram predestinados a reinar com Ele para todo o sempre. Esta cidade, além do mais, é de ouro puro, semelhante ao vidro cristalino (Ap 4.6; 15.2). Isto simboliza o puro, santo, gracioso e radiante caráter da comunhão entre Deus e o Seu povo. A cidade mostrada a João não se assemelha a nenhuma das cidades antigas ou modernas, ela é de tamanho fantástico, e igualmente fantástico quanto ao seu material de construção e estrutura. Sergio Lyra, comenta: “Este ambiente urbano, onde tudo é sagrado e tudo é de Deus, delineia para nós a revelação do momento final da história da redenção, quando o Senhorio de Jesus será pleno sobre as cidades”. Através desta escatologia, encontramos uma proposta missionária urbana, e o privilégio da participação na Missio Dei que de forma Soberana implantará o Reino urbano de Cristo. Tudo foi feito de modo tão maravilhoso, que neles não haverá mais morte, nem luto, nem pranto, nem dor. Deus mesmo enxugará dos olhos do seu povo toda a lágrima, fazendo-lhes uma sublime promessa: “E eu lhe serei Deus e ele me será filho”. Nesta comunhão entre Deus e seus filhos, há uma relação de amor muito íntima e contínua.
A razão porque a lâmpada é o Cordeiro, é que ele atribui o verdadeiro conhecimento salvífico de Deus, o contínuo gozo espiritual, o estado de retidão com uma condição de santidade correspondentes. Cristo a verdadeira luz, expulsa as trevas da ignorância, da miséria, da culpa e da poluição moral. A cidade santa não necessita da luz natural ou da artificial, nem da luz do sol ou da lâmpada (Is 60.1,3, 5, 19,20; 20; Zc 14.7). Nesta cidade os habitantes não terão necessidade de ir ao tabernáculo ou ao templo ou a parte alguma, para ter comunhão com Deus. Sua glória estará em toda a sua plenitude, enche completamente a cidade, sua glória não ficará limitada a algum lugar designado na cidade ela está em toda parte. Isto significa que agora, por fim, Deus terá com os homens o relacionamento que desejava ter quando os criou, por amor a justiça, a diminuir a sua bondade para com eles. Deus habita com seu povo, eles estão em sua presença, amável e contínua (Ap 7.15; 21.3; Zc 2.5).
CONCLUSÃO:
Charles Van Engen no seu livro Povo de Deus, Povo Missionário falando sobre a liderança cristã, afirma que não é uma tarefa simples definir o que seja um líder, porém sugere como aceitável a definição de W. Engstron o qual declara: “O líder faz as coisas acontecerem, jamais são marionetes, e agem” Neste aspecto Calvino se mostrou um líder marcante. A cidade de Genebra chegou a ser conhecida como a cidade de Calvino. Isso começou a acontecer no período intermediário de sua segunda estada em Genebra, época em que os movimentos de oposição se renderam aos benefícios de sua administração. Calvino tinha em mente remodelar as estruturas globais da cidade tornando-a “Civit Dei – Cidade de Deus”, cidade na qual a Palavra de Deus deveria ser a última autoridade em matéria moral, bem como de fé. O desejo de implementar o ideal cristão na vida da cidade produziu mudanças profundas, não apenas nas estruturas de governo, mas também nos governantes e nos cidadãos, sem deixar de reconhecer que os impactos resultantes de seu dedicado esforço em Genebra espraiou-se por quase todo ocidente.
Apesar de vivermos na cidade Babilônia, somos desafiados dia-a-dia a levarmos a Palavra de Salvação aos perdidos. Nós que somos a igreja militante entendemos que a salvação de Deus se torna a base para a identidade da igreja e sua responsabilidade nu mundo.
Não é difícil perceber que o momento urbano que hoje vivemos apresenta muito mais do fator Babilônia do que indícios dos benefícios da Nova Jerusalém vindoura. Isto, por sua vez, apesar de oferecer uma visão sombria para as cidades onde nossas igrejas hoje estão, revela, intrinsecamente, que o reino de Deus já foi implantado entre nós e através de nós. À medida que a Igreja pratica a sua natureza missionária, a cidade Babilônia é empactada pelos valores do reino, e os sabores da Nova Jerusalém se instalam. Este impacto não pode servir de apoio para os que advogam a idéia de uma melhoria cósmica progressiva que culminará ao se atingir o ideal de Deus. Cremos que a igreja tem uma missão na cidade, mas a Nova Jerusalém só se dará pela exclusiva ação escatológica, soberana e interventora de Jesus (Ap 18:1-8).
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