Autor: Padre Alberto Antoniazzi
Os novos desafios da família
Vamos começar procurando compreender a nova situação que a família e a educação vivem hoje. A principal missão da família é educar as pessoas. Outras “funções”, que a família desempenhou no passado, podem ser assumidas por outras instituições. As empresas, as escolas, os meios de comunicação ficam hoje com muitas coisas que a família fazia no passado, sozinha, por exemplo quando vivia isolada no meio do campo ou no mato! Mas a missão de educar continua da família. Até mais do que no passado! No mundo de hoje, na cidade, as pessoas encontram o que mais precisam – como: acolhida, cuidado, amor – somente na família.
Mas há uma grande novidade! A sociedade mudou. A educação mudou. Não podemos aqui descrever todas as transformações profundas que se deram aos poucos e hoje explodem diante de nossos olhos. Em poucas palavras, pode-se dizer que a sociedade antiga tinha valores e modelos de vida. Havia um modo de se comportar aceito mais ou menos por todos. Educar era “conformar-se” com esse modelo. Era imitar os que os mais velhos faziam ou tinham feito. A educação era “tradição”, transmissão.
Hoje a sociedade – de mil maneiras – propõe o contrário. Ela não tem mais um único modelo a oferecer. Diz que cada um pode e deve escolher. A orientação predominante é: “Você decide!”. O indivíduo está no centro de tudo. Ele constrói a sua identidade. Ele define quem quer ser. Entre muitas opções possíveis, pode fazer uma escolha.
Isso não acontece sempre, mas é a tendência geral. Isso explica a dificuldade de muitos pais, professores, padres, educadores, diante das crianças e dos jovens de hoje. Devem educar de forma diferente. Não devem “impor” um modelo que não abra possibilidade de diálogo, de escolhas, de opções válidas, em que a criança ou o jovem possa confiar. Devem educar na liberdade, sem autoritarismo.
Essa tarefa não é fácil! Dela falaremos à luz dos ensinamentos de Jesus e dos Apóstolos.
A casa nas primeiras comunidades
Vamos começar nossa pesquisa nos Atos dos Apóstolos. O que descobrimos sobre a família? O livro dos Atos documenta desde o início que o lugar de reunião dos cristãos era a casa. Os primeiros discípulos ainda freqüentavam o Templo de Jerusalém. Mas logo depois, espalhando-se fora da Cidade santa, os cristãos não terão mais Templo e as reuniões, inclusive para celebrar a Eucaristia, realizavam-se nas casas. Vamos lembrar um trecho do início dos Atos, que ficou como orientação para os cristãos dos três primeiros séculos:
“Eles eram perseverantes em ouvir o ensinamento dos apóstolos, na comunhão fraterna, na fração do pão e nas orações. Perseverantes e bem unidos, freqüentavam diariamente o Templo, partiam o pão pelas casas e tomavam a refeição com alegria e simplicidade de coração” (At 2,42.46).
Família e casa: uma coisa só
A casa era dirigida por um casal. Casa é sinônimo de “família”. Quando os Atos dizem que Cornélio em Cesaréia (At 10,2), Lídia em Filipos (At 16,15) ou Crispo em Corinto (18,8) se converteram e foram batizados “com toda a sua casa”, evidentemente significa: “com toda a sua família”. Muitas casas de cristãos, como a de Áquila e Priscila, tornam-se assim “casa da igreja” ou casa da comunidade. Destas casas se pode dizer o que os judeus diziam de suas casas, depois da destruição do Templo de Jerusalém: “agora o lugar da celebração (do culto a Deus) é a nossa mesa”. As casas se tornavam lugar de encontro com Deus. Especialmente na Eucaristia, Deus vinha sentar-se à mesa com os fiéis, com aqueles que se reuniam em seu Nome.
Hoje podemos nos perguntar se os cristãos ainda conservam a consciência de que a casa – melhor: a família reunida – é o primeiro lugar do encontro com Deus. Em nossas casas, a mesa é um lugar de encontro de irmãos, um lugar de oração, um altar? A maneira de viver hoje muitas vezes nos impede de sermos solidários, fraternos, de experimentarmos o verdadeiro encontro. Mas não poderíamos buscar uma maneira diferente – mais humana e mais cristã – de viver em família, em comunidade?
A família não é só laço de sangue ou tradição
Uma leitura superficial e apressada dos Atos e, em geral, do Novo Testamento poderia fazer pensar que as primeiras famílias cristãs eram bem tradicionais. Mas Jesus não veio simplesmente reforçar os laços naturais da família. Basta recordar a cena de Mc 3, 31-35. Os familiares de Jesus o procuram; no fundo, querem controlá-lo. Ele reage mostrando que tem outra família, não a do sangue! Seus irmãos e irmãs são aqueles que fazem a vontade do Pai.
Lucas ensina a mesma coisa quando conta de Jesus aos doze anos, no Templo de Jerusalém. Ele falou: “Eu devo estar junto [= na casa] de meu Pai” (Lc 2,49).
Jesus, com suas atitudes e sua palavra, está dizendo que a verdadeira família é unida não pelo sangue, não por uma relação biológica ou de dominação, mas sim pela disposição comum de fazer a vontade de Deus. E a vontade de Deus é que cada um desenvolva a sua pessoa, na dignidade e liberdade, como filho do Pai celeste, segundo a sua vocação. É o que veremos nos próximos capítulos.
Padre Alberto Antoniazzi
Assessor da CNBB e Secretário-geral do Projeto Construir a Esperança
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