Carta de Henry Venn para seu filho, John, também pastor

Autor: Henry Venn

Tenho muitas razões para pensar que o bom êxito do meu ministério foi, em grande parte, impedido, pelas razões abaixo:

Julgo que muitas conseqüências negativas entre meu povo, poderiam ter sido evitadas, totalmente ou em grande parte, se eu tivesse tomado cuidado de, freqüentemente, permitir-lhes saber quanto eu necessitava de suas orações, para que o Espírito de Deus pudesse ensinar-me, tanto a pregar, quanto a fazer-lhes o bem, e fazer-me sentir mais amor por suas almas.

Se eu tivesse também, repetidamente, instado-os a considerar quão grande responsabilidade estava sobre mim, e que importância solene eu tinha que dar à doutrina que lhes entregaria, e da relação singular que havia entre mim e eles.

Eu deveria ter feito sempre referência a estas coisas. Teria sido proveitoso se o tivesse feito, porque o rebanho ouve, com peculiar atenção, quando seu pastor prova o seu cuidado e atenção para com ele, bem como quando lhes solicita suas orações, para que, de sua parte, não haja deficiência naquilo que possa promover o bem-estar presente e eterno deles.

Ao mesmo tempo, uma completa explanação do dever de um pastor em relação ao seu povo, é o meio de promover a estima deles e também, uma atenção mais determinada a sua palavra.

Eu deveria ter estabelecido diante do meu povo, a ordem endereçada a todos os crentes: “que tenhais em grande estima e amor” aqueles que labutam entre vós na palavra e na doutrina, “por causa das suas obras”; ter-lhes mostrado suas obrigações para com eles, como instrumentos nas mãos de Deus, através dos quais suas almas são salvas; e provado, por esta razão, que eles contrariariam diretamente seus deveres, caso menosprezassem seus ministérios e, mais ainda, se os desamparassem.

Não tratei destes assuntos, por uma apreensão de que eu pudesse ser suspeito de visar uma preeminência ou de impor-lhes uma sujeição. Mas não seria difícil provar o benefício resultante de uma justa estima do ministro de Cristo. O sábio propósito pelo qual ele o requereu, aliado a um comportamento isento de toda arrogância e auto-exaltação, teria-lhes mostrado, claramente, que eu nada mais almejava, senão o benefício e a salvação deles.

Depois que meus ouvintes começaram a provar a boa Palavra de Deus e os poderes do mundo vindouro, eu negligenciei em indicar-lhes as muitas maneiras pelas quais o orgulho espiritual e presunção começariam a agir. Quão prontos eles estariam em concluir que tinham muita graça, quando não era certo que tinham alguma. Quão orgulhosamente eles pensariam de seus próprios dons, caso pudessem orar com fervor e fluência, e falar com grande eloquência. Quão cedo eles seriam tentados a agir inadequadamente, contendendo obstinadamente por suas opiniões sobre todas as coisas, opondo-se aos antigos discípulos e até mesmo, ao seu próprio mestre, os quais têm muito mais experiência. Com que espírito precipitado e descaridoso eles censurariam esta ou aquela pessoa, por qualquer coisa que não gostassem nela, embora fossem pouco humilhados pelos seus próprios erros ou pelas diversas corrupções de seus próprios corações.

Se eu tivesse particularmente demonstrado estas coisas, eles poderiam ter sido incentivados a atentar e vigiar contra elas e outros poderiam ter percebido a inclinação imprópria que atuava neles, quando, como neófitos, envaidecidos pela sua mente mundana, discursassem com o propósito de corromper outros.

Não sou menos responsável, por não mostrar como homens iluminados, mas não convertidos, são sempre os primeiros a criar confusão sobre coisas sem importância, ao invés de limitar suas atenções às maravilhosas e fundamentais doutrinas de Cristo e aos frutos que elas deveriam produzir. Eu deveria ter provado que isto é indolência, amor ao pecado e uma aversão ao esforço para mortificar temperamentos corrompidos que, apesar de imperceptivelmente, levam homens a fazer de coisas insignificantes, grandes problemas (…) Desviando suas atenções da pecaminosidade do pecado, da salvação em Cristo e da necessidade da santificação; tornando os homens capciosos em seus espíritos, de tal forma, que eles perdem o amor uns para com os outros e o interesse que começaram a sentir em andar de conformidade com o Evangelho de Cristo.

Eu deveria ter notado o crescimento e progresso desta inclinação má, bem como o efeito do orgulho e do engano de Satanás, e apelado as suas consciências, mostrando que estas coisas impedem a comunhão deles com Deus e destroem sua paz.

Eu negligenciei em descrever, de forma completa e ampla, a lamentável conseqüência da divisão e separação no meio do povo reavivado e chamado para o conhecimento de Cristo, pelo seu ministro. Como a separação e a divisão conduzem os homens a concluir que ninguém pode, com certeza, determinar o que a fé de Cristo representa e que ela não serve a nenhum propósito melhor do que causar divergências e disputas sem fim; do que causar, aos fracos na fé, perplexidade e tropeços; dar aos incrédulos ocasião para alardear que as paixões e preconceitos não estão subjugados entre os mais religiosos.

Desta forma, o evangelho é julgado ser de pouca utilidade para a raça humana, embora tão louvado por aqueles que o pregam e por aqueles que professam recebê-lo como evangelho da paz, que transforma homens à imagem do Deus de paz e amor.

Fui culpado também de grande negligência, em não instruir meu povo mais freqüente e completamente, do perigo de preferir e exaltar o ritual da pregação, à adoração espiritual a Deus na congregação, que é uma das principais conseqüências que o evangelho, quando recebido, pode produzir. Como os homens enganam-se a si mesmos e ofendem o Espírito de Deus, supondo estarem ávidos em ouvir a pregação e esperando ser abençoados por ela, quando têm sido indolentes e indiferentes em confessar seus pecados, ou em seus pedidos por graça e conhecimento; sem constância e misericórdia em suas intercessões e destituídos de toda gratidão a Deus, quando louvores são oferecidos a Ele, por todas as suas misericórdias.

Que o exercício destes sentimentos, habitual e prazerosamente, está muito acima do ouvir os melhores sermões e se constitui numa prova completa de que nascemos de Deus. E, quão evidente é a falta desta adoração espiritual naqueles que se chamam crentes em Cristo! Que manifesto sopor, estupidez, e dureza de coração, prevalece entre os professos em geral!

Por esta razão, ou seja, Deus sendo tão pouco honrado no culto oferecido a sua divina Majestade, seu Espírito está retraído; a palavra pregada não é eficaz, mas de modo geral, é algo seco, insípido, para a maior parte dos ouvintes.

Estou consciente também, que não instei com os professos, como deveria ter feito, sobre quanto lhes competia, à medida que recebessem o conhecimento das coisas de Deus e tivessem habilidades, começar a trabalhar juntamente com seu pastor.

Eu deveria ter-lhes dito, clara e constantemente, quão pouco bem, comparativamente, poderia ser feito por um homem apenas, no ensino da verdade, pela sua conversação, ou em visitas aos necessitados, ignorantes ou aos aflitos. Que estas coisas devem ser consideradas, como foram nas Igrejas plantadas pelos apóstolos, como deveres comuns e indispensáveis de todo aquele que professa religiosidade.

Que fossem diligentes entre os seus próximos, nos labores e deveres do amor.

Que o pastor deveria ser considerado como o oficial, de fato, que dá a ordem de comando e toma a liderança em toda boa obra, mas que todo o povo de Deus, como soldados sob seu comando, deveria lutar contra o inimigo comum. Deveria esforçar-se em difundir luz e conhecimento e mostrar compaixão aos que são ignorantes e perdidos e, empenhar-se em trazê-los ao conhecimento da verdade. Eu deveria ter-lhes mostrado, que, por muitas razões, convêm aos cristãos exortar, instruir e reprovar àqueles de condições e idades semelhantes as suas. Mostrar-lhes ser isto uma comovente prova de amor para com eles. Além disso, que é mais provável incitá-los a buscar conhecimento, quando vêem outros, além do pastor, familiarizados com as realidades divinas, mesmo aqueles que não têm educação melhor que a deles próprios, tendo em vista que grande parte se desculpa de sua ignorância, assumindo que o pobre e todo aquele que trabalha para conseguir seu pão, não tem tempo de adquirir conhecimento.

Aqueles poucos que tem amor e zelo para ir adiante e ajudar na promoção da salvação de almas, descobrem que Deus os abençoa por causa da sua boa-vontade para com seus semelhantes e que, com tais sacrifícios Ele se agrada.

Eu mencionarei mais um erro só, que consiste no meu modo de falar às pessoas sempre cheias de dúvidas, temores, inquietação e sem conforto. Eu muito prontamente deduzia esta rebeldia de um correto e profundo senso de suas corrupções e de suas grandes falhas em obedecer e em não depositar inteira confiança em Cristo. Mas geralmente, como Richard Baxter comenta, tais pessoas são indolentes e não totalmente persuadidas até mesmo da existência de um céu e de um inferno eternos. Eu deveria ter perguntado-lhes, com sinceridade, se o amor ao dinheiro não governa seus corações e é sua confiança; se eles não estariam fechando seus corações aos seus semelhantes aflitos e em sofrimento; e se esta não seria a causa de andarem na escuridão. Esta é, estou persuadido, geralmente a razão, porque a promessa de luz e de grande consolação e alegria em Deus e da prosperidade da alma, é feita para aqueles que têm um espírito amoroso e generoso. “Acaso não é este o jejum que escolhi? que soltes as ligaduras da impiedade, que desfaças as ataduras do jugo? e que deixes ir livres os oprimidos, e despedaces todo jugo?

Porventura não é também que repartas o teu pão com o faminto, e recolhas em casa os pobres desamparados? que vendo o nu, o cubras, e não te escondas da tua carne?

Então romperá a tua luz como a alva, e a tua cura apressadamente brotará. e a tua justiça irá adiante de ti; e a glória do Senhor será a tua retaguarda.

Então clamarás, e o Senhor te responderá; gritarás, e ele dirá: Eis-me aqui. Se tirares do meio de ti o jugo, o estender do dedo, e o falar iniquamente; e se abrires a tua alma ao faminto, e fartares o aflito; então a tua luz nascerá nas trevas, e a tua escuridão será como o meio dia.

O Senhor te guiará continuamente, e te fartará até em lugares áridos, e fortificará os teus ossos; serás como um jardim regado, e como um manancial, cujas águas nunca falham”( Is. 58: 6-11).
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Henry Venn, 1724-1797, foi um dos proeminentes pregadores da igreja da Inglaterra no despertamento evangélico do século dezoito. Ele ministrou em Londres, Huddersfield e Huntingdonshire, e escreveu The Complete Duty of Man (O completo dever do homem), um popular livro de bolso sobre a vida cristã. Seu filho, John, para quem estas palavras foram escritas, foi também ministro, servindo aquela igreja em Clapham que foi o centro espiritual da “Clapham Sect”(Facção de Clapham).

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