Carta à África

Autor: Sérgio Fonseca

Dia 20 de novembro é o “Dia Nacional da Consciência Negra”. Essa data foi escolhida, (se contrapondo a 13 de maio) porque em 1695 morria Zumbi, líder máximo do Quilombo dos Palmares, que representava luta e resistência diante de um regime opressor.

Sou brasileiro com muito orgulho! E como bem descreveu o cantor  e compositor  Lenine, a realidade do nosso povo é de uma “etnia caduca”: índios, brancos e negros, dentro de um grande caldeirão chamado Brasil.

Sou negro com muito orgulho! E trago no peito um imenso desejo de contemplar uma nação diferente para a minha filha e milhares de brasileiros. Por isso dedico esta poesia à Letícia na expectativa de que ela orgulhe-se do seu passado; lute pelo seu presente; e se encaminhe para o futuro plena de esperança.

Carta à África

Ah! Tu que pariste os teus, tendo por testemunhas a lua e as estrelas

Lindos como a noite, aconchegados ao teu seio.

Ah! Tu que sonhaste com os teus banhados em tuas águas

Correndo livres sob o sol, por entre as tuas matas.

Ah! Tu que choraste aflita enquanto testemunhavas impotente

O laço, a rede, a corrente do algoz invasor.

Ah! Tu que de longe ouvias um canto soluçado, um lamento lacrimejado

Que como flecha cruzava os mares, tendo por alvo o teu coração.

Ah! Tu que te deleitaste nas dores do parto, assistias perplexa a dispersão,

Sangravas a cada açoite e ardias sob sol, suor e sal.

Bem sei que ainda choras…

Pelos mutilados de Angola e pela fome que te campeia.

Pela miséria de tuas crianças e por teus herdeiros em continentes distantes.

Mas saibas que por aqui teus filhos resistem em lutas e festas:

Samba, quizomba e batuque; maracatu, maculelê, capoeira e rabos de arraia.

Eles trazem consigo…

A luta de Zumbi dos Palmares e a revolta de João Cândido.

A serenidade e a classe de Paulinho da Viola.

O canto visceral de Clementina de Jesus.

A beleza, o sorriso e o talento de Zezé Mota.

A malemolência da mulata que no caminhar equilibra a lata

E na subida da ladeira não deixa cair.

O balé do gari que, num momento de glória,

É capaz de arrancar aplausos na avenida.

Aplausos merecidos a cada dia.

Os moleques descamisados, de pés no chão

Que rolando a bola e driblando a fome, comemoram a cada gol suado.

Eles trazem no peito a esperança de uma nação: sem vergonha da sua história; sem vergonha da sua cara; sem vergonha da sua raça.

Por tudo isso, alegra-te, orgulha-te! Mãe África!

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