Autor: Manuel de León
Wertson Brasil (Tradutor)
Muitos livros têm sido escritos sobre o capitalismo, mas, acima de tudo, os efeitos do capitalismo têm mudado a fisionomia dos Estados. As transformações experimentadas, desde a Idade Média, pela produção, pelo comércio e pelo consumo, têm mudado a face da terra para o bem e para o mal.
Sempre costumo dizer que sou da geração do “trilho” e do “arado”. Familiarizei-me com eles desde a minha infância. Meu pai me ensinou a arar a terra e a debulhar o trigo. O arado e o trilho aparecem no livro de Jó e, durante gerações, por milhares de anos, o trilho e o arado têm sido elementos simbólicos da
Produção. Hoje, por exemplo, os tratores e as colheitadeiras têm mudado a face da terra que dava seus frutos a seu tempo e têm aparecido outros métodos de trabalho e de produção que multiplicam os benefícios ainda que seja à custa, em alguns casos, da destruição do planeta.
A industrialização do campo, nos últimos 50 anos, avançou mais que em toda a história da humanidade, não obstante a desigualdade entre o arado e o trator seja a mesma entre os pobres e os ricos da terra. Será o capitalismo a causa de todos os males ou será o egoísmo do ser humano e a ânsia pela acumulação a causa desses desequilíbrios?
O que interessa nesta análise necessariamente sucinta do pensamento capitalista é o porquê e de onde provém a idéia de acumular capital e empreender uma atividade lucrativa. Todos concordam que o calvinismo e o pietismo que lhe seguiu tiveram muito a ver com isso. Por um lado, segundo análise magistral de Max Weber em “A ética protestante e o espírito do capitalismo”, o crente entendeu o trabalho e toda atividade humana como objeto de prova e segurança de estar predestinado e salvo. O “ora et labora” teriam o mesmo sentido de gratidão a esse Deus que desde a eternidade os havia eleito.
Também necessitamos saber se esse espírito do capitalismo nascido do calvinismo é o mesmo espírito que incentiva a exploração selvagem atual e na qual os impérios capitalistas oprimem, sem piedade, os pobres, tornando-os, cada dia mais, escravos e dependentes. Uma desigualdade que adquire traços de tragédia e quase cataclisma, porque o holocausto de povos inteiros denigre o ser humano feito à imagem de Deus. São estes dois elementos produtos de uma má definição, de uma má doutrina que entendia “vocação ou profissão” como missão imposta por Deus, um mandato celestial que exigia todas as forças de forma contínua e tenaz, para dedicar-se de corpo e alma ao mundo do comércio, da política, da saúde e todas as demais esferas da atividade humana?
Sabe-se que na Idade Média havia uma arraigada consciência coletivista e cooperativista frente ao individualismo moderno gerador do capitalismo. Embora alguns autores sustentem que os grupos, os grêmios, a aldeia e a igreja exercessem uma forte pressão, nem por isso as pessoas se consideravam coletivistas nem houve uma ruptura brusca em direção ao individualismo renascentista. Por outro lado, o papel que se atribui ao fato religioso, em uns casos como obstaculizador e coercitivo – o católico – e em outros servindo de instrumento ao “espírito” do capitalismo – o protestante – para sua plena irrupção, não é sempre correto, pois Lutero acolhia as doutrinas do “preço justo” dos escolásticos as quais eram similares às decretadas no Concílio Lateranense[1] de 1179 e Calvino, um pouco mais flexível, também se opunha à obtenção de lucros nos empréstimos que se faziam a pessoas necessitadas em estado de desgraça.
O usurário não era o único ator no empréstimo do dinheiro, porque a mesma Igreja Católica Romana obtinha grandes ganhos com suas terras e também os mercadores e artesãos obtinham ganhos pelos empréstimos. Todavia era contra a usura – que não era controlada pelos bancos – que se dirigia o Concílio Lateranense e isso marcaria uma significativa diferença entre os países da Reforma e os países católicos.
Ao secularizarem-se e separarem-se os negócios da esfera da autoridade da igreja, o empresário, ainda que seguisse tendo a religião como mecanismo de sanção moral, liberou energias e fez florescer ambições em indivíduos que já estavam se convertendo em capitalistas. O Protestantismo, é certo, ajudou a romper a tampa dos costumes, das tradições e autoridade que impunha a Igreja Católica, porém mais que isso, no protestantismo, os indivíduos encontraram maiores possibilidades e o triunfo dos novos valores.
Manuel de León é escritor, historiador e diretor de «Vínculo» (Revista das Igrejas de Cristo da Espanha).
Fonte: http://www.protestantedigital.com/new/orbayu.php?242. Data de acesso: 09.01.06.
Wertson Brasil é presbítero da Segunda Igreja Presbiteriana de Belo Horizonte, filiada à Igreja Presbiteriana Unida do Brasil – IPU e Assessor do FES/CLAI – Programa Fé, Economia e Sociedade/Conselho Latinoamericano de Igrejas.
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[1] O III Concílio Lateranense (o XI ecumênico) foi convocado por Alexandre III em 1179. (Nota do tradutor)
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