Barth: Uma teologia comprometida com Cristo

Autor: Elisa Rodrigues




UM RETRATO A BICO DE PENA
"A grandeza de Barth é que ele corrige-se a si mesmo, continuamente à luz da ‘situação’, buscando cuidadosamente não se tornar seguidor de si mesmo". (Paul Tillich, Sistematic Theology, The University of Chicago Press, 1951, p. 5).

O contexto histórico das duas primeiras décadas dos novècento constitui o pano de fundo da teologia de Karl Barth. A efervescência da Europa, envolvida numa primeira grande guerra e em violentos choques ideológicos, assim como a expansão do pensamento científico e a timidez do liberalismo teológico são, sem dúvida, agentes causadores da reflexão crítica que contribuiu para pesquisa e construção do pensamento de Barth. Depressão social, miséria, tragédia e bestialidade marcaram indelevelmente sua reflexão sobre o cristianismo e as necessidades do homem moderno.

Até o caos e a destruição da I Guerra Mundial envolverem a Europa, a teologia estava emaranhada em discussões como a imanência de Deus e o ser humano como agente moral e livre, a centralidade de Deus, a religião ética, a fé racional e experimental, o criticismo bíblico e a escatologia, sendo esta última sempre otimista e progressista.

É importante observar que a teologia liberal, como qualquer reflexão, traduzia preocupações de época, assim dava ênfase ao racionalismo do século 18, época em que nasceu, cresceu e amadureceu. A teologia liberal afirmava, entre outras coisas, que o homem pode chegar ao conhecimento de Deus por meio da revelação geral, ou seja, através da revelação de Deus na criação/natureza, ou ainda, que o homem é capaz de chegar ao conhecimento de Deus por meio da razão. Tal compreensão do fazer teológico é característico da teologia natural, segundo a qual a base da fé é a revelação comprovada pela razão. Assim, a teologia liberal procurou sempre estabelecer teorias acerca do conhecimento de Deus, partindo de fontes como as ciências e as filosofias. Se teorias podiam levar ao conhecimento de Deus, práticas e/ou processos que expressassem essas teorias poderiam levar à salvação. E aqui entram, por exemplo, a ética e justiça social.

Ora, o contraste entre o panorama histórico desses anos de guerra e destruição e o que propunha a teologia liberal era difícil de engolir. Como conciliar a tragédia da maldade humana e o racionalismo evolucionista, detentor das chaves para um mundo melhor?

Cresce para Barth a importância dos reformadores do século 16: de Lutero com as teologias do Sola Gratia, Sola Fide, Sola Scriptura, Coram Deo, Christus per Me, Anfechtung, e, logicamente, de Calvino. [Clory T. de Oliveira, A Teologia de Karl Barth e a missão da igreja, Revista Teológica da Associação de Seminários Teológicos Evangélicos, Simpósio 3, p. 235, dez. 1979].

A partir dessas realidades Barth foi construindo sua reflexão teológica, enquanto reação ao naturalismo da teologia liberal do século 19 e enquanto redescoberta da catedral teológica levantada pelos gênios da reforma protestante.

UM JOVEM EM BUSCA DE RESPOSTAS
Karl Barth nasceu em Basel, Suíça, no dia 10 de maio de 1886, e faleceu em dezembro de 1969. Filho de pais religiosos, foi educado em meio a pastores conservadores. Suas influências acadêmicas foram Kant, Hegel, Kierkegaard e teólogos como Calvino, Baur, Harnack e Hermann.

Em 1911 começou a pastorear uma pequena igreja do interior da Suíça e aí ficou até 1925. Durante esses anos conheceu Eduard Thuneysen, amigo que acompanhou e contribuiu em suas reflexões teológicas. Nessa época seu grande desafio era o que pregar a cada domingo. Em 1914, ele e Thuneysen resolveram buscar uma resposta ao desafio da pregação. Durante quatro anos, Thuneysen estudou Schleiermacher e Barth estudou Paulo. Como fruto desses estudos, em 1919, Barth publicou seu Comentário sobre Romanos.

A teologia de Barth recebe muitos nomes: teologia da crise, teologia dialética, teologia kerigmática, teologia da Palavra.

O que pregar? Qual a proclamação? O que falar à congregação? O desafio pastoral foi o ponto inicial do desenvolvimento de seu pensamento teológico, quando passou a sistematizar estudos e observações, produzindo uma obra notoriamente marcada pelo interesse social e político.

Em 1922, foi preletor de teologia reformada na Universidade de Gottingen, onde desenvolve a teologia dialética junto com Thuneysen, Bultmann, Gogarten e Brunner. Entre 1926 e 1930 foi professor e dedicou-se a pesquisa teológica e à produção científica. Iniciou a Dogmática da Igreja, obra que não chegou a terminar.

Nos anos de 1933 e 1934, envolveu-se no movimento de resistência à presença da ideologia nacional-socialista dentro da igreja luterana. Dessa resistência originou-se a Igreja Confessante. Em conseqüência de suas idéias e pregações, foi expulso da Alemanha. Passou então a lecionar na Suíça, onde abriu sua casa para refugiados e opositores do nazismo. Auxiliou estudantes e forneceu literatura teológica para os pastores alemães. Sua influência teológica cresceu mundialmente entre todas as igrejas cristãs. Depois da Segunda Guerra Mundial, levanta-se contra o estalinismo e pela paz na Europa, e afirma que "neste momento, a vocação da igreja é dizer: punhais à parte, é a hora da palavra".

Dentre a produção teológica de Barth, devemos destacar: Busque Deus e Você Viverá (1917); Comentário à Epístola aos Romanos (1918-1919); Não (1934); Esboço de Dogmática (1947); Cristo e Adão, segundo Romanos 5 (1952); A Humanidade de Deus (1956); Church Dogmatics, de 1932 até a sua morte.

A ASCENSÃO DO III REICH
Em 1933, o presidente Hindenburg confiou a Hitler a chancelaria do Reich. Assim, os nacionais socialistas subiram ao poder, mas não o detinham. Até aquele momento, apenas Hermann Goering, nomeado ministro do Interior da Prússia, ocupava um cargo de destaque. Os conservadores, por isso, acreditavam que detinham o controle da situação política na Alemanha.

Hitler, então, decide dissolver a Assembléia e convocar novas eleições para 5 de março, a fim de obter maioria no Reichstag. A campanha política começa no fim de fevereiro. Muitos são os entraves entre o Partido Nacional Socialista, o Partido Nacional Democrata e o Partido Centrista Católico. Reuniões e comícios são desfeitos. Goering passa a liderar a polícia e depois de algumas ‘visitas’ a Karl Liebknecht, dirigente do Partido Comunista, descobre documentos que denunciam a intenção dos comunistas de realizar uma revolução no país.

Dias depois o Reichstag é incendiado e Hitler consegue junto ao presidente Hindenburg autorização para suspender as sete seções da Constituição de Weimer. "Para a proteção do povo e do Estado", afirma Hitler. Assim estavam suspensas a liberdade de reunião, a liberdade de opinião e a liberdade de imprensa, e o chanceler nacional socialista passava a ter autorização para legislar nos casos em que houvesse recusa quanto ao cumprimento das medidas de segurança pública.

Iniciou-se dessa forma um período de terror nazista: todos os que não estivessem ligados ao Partido Nacional Socialista eram, em potencial, considerados perigo para a ordem social.

As reuniões foram proibidas e os caminhões da polícia S.A. (Sturn-Abteilung) transitavam pelas ruas espalhando o medo e o terror. Apesar da propaganda feita pelos nazistas, as eleições não foram ganhas como Hitler esperava. Consegue, então, que o Reichstag aprove um "decreto de habilitação" que lhe confere quatro anos de poder sobre o Legislativo, o que lhe possibilita governar como desejava. Para conseguir tal aprovação, impediu os comunistas e alguns democratas de votarem.

Hitler dissolve os partidos políticos e os coloca na ilegalidade. O Partido Nacional Socialista passa a ser considerado Estado.

À SOMBRA DE HITLER
Nessa época, a igreja evangélica alemã estava a procura de sua identidade. Durante anos existira à sombra do monarquia, quando seu bispo era também líder político. Agora, encontrava-se perdida na democracia criada pela Constituição de Weimar. Os católicos centristas e os socialistas formavam a base de sustentação da democracia, por isso os conservadores viam no nacional socialismo o alicerce para uma igreja forte e para a possibilidade de uma nova união com o Estado.

Assim, em 1933 a igreja alemã protestante estava predisposta a aceitar as idéias do nacional socialismo como proposta política segura para a formação de uma igreja forte.

No dia 23 de março de 1933, Hitler prometeu: "Os direitos das igrejas não serão atingidos. Suas relações com o Estado não serão modificadas".

Em 27 de agosto de 1933, Hitler declara: "A unidade dos alemães deve ser garantida por uma nova concepção do mundo, pois o cristianismo, sob a forma atual, não está à altura das exigências que é preciso impor aos elementos que asseguram a unidade alemã." [Daniel Cornu, Karl Barth: Teólogo da liberdade, RJ, 1971, p. 17].

A igreja evangélica alemã adapta-se ao ideário nacional socialista através do Movimento dos Cristãos Alemães e passa a fazer oposição cerrada ao marxismo, ao comunismo e ao judaísmo. O Movimento dos Cristãos Alemães pensa, inclusive, em criar a Igreja do Reich nacional-socialista.

É formado um triunvirato constituído por líderes eclesiásticos, que representa o conselho superior da Igreja Evangélica, os luteranos e os reformados. Elaboram um projeto de constituição que expressa a "alegria da igreja alemã em participar da formação de uma nação e do renascimento do sentimento patriótico". Vão mais longe e declaram:

"Um poderoso movimento nacional dominou e levantou nosso curso no seio da nação alemã despertada de seu sono. Dizemos um ‘sim’ agradecido a essa reviravolta da história. Foi Deus que nô-la deu. Glória a Ele! Ligados à Palavra de Deus, reconhecemos nesse grande evento de nosso tempo uma nova ordem do Senhor à sua Igreja…" [Daniel Cornu, idem, op. cit., p. 22].

De acordo com a constituição elaborada pelo triunvirato, um bispo designado pela maioria da liderança seria o representante da nova igreja alemã e teria poder de decisão correspondente ao Führer no Reich. Há então um desentendimento quanto as indicações. Friedrich von Bodelschwingh representa os moderados, e Ludwig Müller é o "protetor" dos cristãos alemães.

Apesar de Bodelschwingh ter sido nomeado, a discussão cresce na medida em que os cristãos alemães alegam que a decisão teria sido tomada sem que o homem de confiança do chanceler, Müller, tivesse sido consultado e, portanto, a nomeação seria ilegal. O bispo vê-se pressionado a renunciar ao cargo e escreve mensagens a respeito da grave situação. Não pode publicá-las em nenhum jornal e é forçado a enviá-las privadamente.

UM PASTOR E SUAS OVELHAS
Em 1911, Barth iniciara o pastoreado em Safenwill, no cantão da Argóvia, onde depara-se com a realidade rural e com os conflitos entre operários e patrões, que ocorriam na única fábrica existente na região e da qual dependia toda a comunidade. Barth passa, então, a envolver-se com as questões sociais e com os conflitos.

Por essa época torna-se socialista cristão e recebe influências de Herrmann Kutter e Léonard Ragaz. Participa de ações políticas e ajuda a organizar um sindicato. Em 1915, filia-se ao Partido Social Democrata.

Mas, com o início da Primeira Guerra Mundial, Barth vê sua fé liberal abalada, assim como seus ideais socialistas. Volta-se, então, para a esperança escatológica e através dos dois comentários teológicos que escreve a respeito da Epístola aos Romanos elabora a teologia da crise.

"Essa teologia, com efeito, proclama a crise do tempo pela eternidade: Deus proclama um julgamento sobre o homem, sua cultura e civilização. A existência humana é ligada à temporalidade, ao pecado e à morte. O conjunto de suas atividades religiosas, são aquelas de uma criatura pecadora. Entre o homem e Deus, a diferença qualitativa é infinita. O homem não pode atingir Deus por si mesmo. A relação não se estabelece senão pela revelação de Deus em Jesus Cristo, e esta toca o mundo sem penetrá-lo… Mesmo comunicado, Deus não é jamais possuído: sempre objeto de esperança, sempre a vir, sua presença é a cada instante um futuro eterno. Escatologia e transcendência fundem-se inteiramente. É tão somente na linha da morte, do ponto em que nossa existência se curva diante do não divino, que esse não se revela como sim, o juízo como uma graça. É no rigor de seu juízo que atingimos a realidade de Deus. Mas aí, no milagre da ressurreição e da fé, nós a atingimos verdadeiramente". [Idem, op. cit., p. 18].

Com o passar do tempo Barth elabora a teologia da Palavra, que significa um rompimento com seus amigos Emil Brunner, Friedrich Gogarten e Rudolf Bultmann. Nesse momento Barth deixa as questões de tempo e eternidade na ressurreição e passa a refletir sobre "o evento que os liga na encarnação", ou seja, a revelação, Palavra de Deus em Jesus Cristo encarnado. Quem o recebe, recebe a Palavra de Deus e se reveste de uma nova dignidade que pode ser reconhecida nos seus semelhantes e que dá base à ética. Portanto, a teologia da Palavra é uma cristologia.

Por estar comprometido com a realidade social, Barth (1933) reage ao nazismo, mas sua reflexão sobre as questões políticas é teológica, pois está preocupado com a fé cristã e com a igreja evangélica na Alemanha.

Escreve estão um manifesto — A existência teológica hoje (Teologische Existenz heute) — na noite de 24 para 25 de junho, quando Bodelschwingh se demite. O centro da discussão do manifesto de Barth é a questão da Palavra de Deus e sua importância no caráter e na vida do cristão. A teologia de Barth é cristológica e chama a atenção dos cristãos para o papel da igreja enquanto proclamadora da Palavra de Deus no mundo.

Esse manifesto teológico configurava-se como reação política, contrariando a proposição dos Cristãos Alemães de apoio e incorporação aos princípios do Reich.

"Parece-nos que o povo alemão, buscando voltar às fontes profundas de sua vida e de sua força, quer também reencontrar o caminho da igreja. As Igrejas Alemãs devem fazer tudo para que isso ocorra…"

"A igreja deve provar que é a Igreja do povo alemão ajudando esse último a reconhecer e a realizar a missão de que foi encarregado por Deus, e que é também objetivo supremo do atual governo".

"Para os Cristãos Alemães, a grandeza do Estado nacional socialista, não é apenas uma questão de civismo ou de convicção política, mas um objeto de fé. Reclamam uma igreja que compartilhe de seus pontos de vista e respeito. O Evangelho não deve ser anunciado no futuro senão segundo Evangelho do Terceiro Reich. A confissão de fé deve ser mantida, mas deve se desenvolver no sentido de uma defesa incondicional contra o mamonismo, bolchevismo e o pacifismo não cristão. A nova igreja será a igreja dos cristãos alemães, ou seja, dos cristãos de raça ariana…" [Trechos citados por Barth em Theologische Existenz heute, p.22-23].

O discurso de Barth estava dirigido aos líderes da igreja evangélica alemã, com o fim de chamar a atenção deles para a mensagem que estavam pregando. Não é uma resposta que procura refutar diretamente os Cristãos Alemães, mas, um alerta geral quanto a quem deve ser o centro da pregação cristã: Jesus Cristo.

Eram notórias as mudanças no cenário político, por isso seu manifesto analisa três questões preocupantes: "a questão da reforma eclesiástica, a da nomeação de um bispo do Reich e a existência do movimento dos Cristãos Alemães".

Para Barth não era possível que se visualizasse num evento da história uma "nova ordem para a igreja", isso só era possível por meio da revelação de Deus, a Palavra. Com relação a figura do bispo, um Führer dentro da igreja, mostra a clara associação do cargo com o Führer nacional socialista e para o modelo de onde foi tirado, o episcopado católico romano.

UM TEÓLOGO E SEU DEUS
Os tópicos apresentados a seguir estão escritos à maneira de roteiro. Optou-se por seguir a sistemática de Clory T. de Oliveira, autora do artigo A teologia de Karl Barth e a missão da igreja, fonte supracitada da pesquisa, por considerá-la coerente. Contudo, o conteúdo dos tópicos não segue o artigo, já que a eles foram acrescentados comentários.

I. Deus é o Inteiramente Outro — Deus é absolutamente diferente. Não está relacionado a nenhum processo de aperfeiçoamento de algo que seja bom. Tudo que o ser humano pense a respeito das qualidades de Deus serão sempre projeções humanas.

II. A Palavra de Deus é Soberana –Para Barth a Bíblia é uma produção humana que pode tornar-se objetivável se for "revelada", "escrita" e "pregada" sob a ação do Espírito Santo, caso contrário, não é uma revelação de Deus. Portanto, é o Espírito Santo que legitima a palavra humana sobre Deus, do próprio Deus, sempre de modo contemporâneo. A mensagem só é considerada como vontade de Deus se for cristocêntrica.

III. O Inteiramente Outro torna-se o Irmão Humano — Em Jesus Cristo tem-se o humano e o divino, sem contudo, manchar a transcendência de Deus. "Em Jesus Cristo, Deus coexiste com o homem", logo, há uma relação entre o homem e Deus que fundamenta a relação social da necessidade comunitária (relação homem/mulher). Mas não há possibilidade de que o homem tenha acesso a Deus. É sempre Deus que se dirige ao homem. "Deus é livre, a iniciativa é sempre Sua". O homem não pode ser salvo por meio de seus feitos e esforços, a salvação é obtida pelo favor de Deus, isto é, através da graça.

IV. Cristologia — Para Barth tudo principia e finda na pessoa de Cristo, portanto, Cristo deve ser o centro da teologia. Basicamente a teologia é cristológica e a razão de existir da igreja é Cristo. Logo, entende-se que é sua tarefa a obra missionária e, para os que seguem a Cristo, o caráter e modo de vida de Cristo devem ser padrão, em Cristo e através do poder do Espírito Santo.

V. Graça, pecado e salvação — Graça é o favor da parte de Deus que torna possível ao ser humano ser salvo, é uma iniciativa de Deus que favorece a humanidade. Por conseguinte, "crer na graça de Deus é ser agradecido; ser agradecido é receber a dádiva da graça e querer reparti-la com os outros…" Pecado não é parte da natureza do ser humano, mas, aconteceu na desobediência do homem ao seu Criador, portanto, houve a quebra de comunhão e separação de Deus. Salvação é uma obra da graça divina que expressa na obra de Jesus Cristo a verdadeira vida. O homem nada pode fazer para obtê-la, a não ser recebê-la por meio da fé.

Diz-se então que, segundo Barth, deve-se adorar somente a Deus, a Escritura basta para guiar a Igreja no
sentido da verdade e a graça de Cristo basta para regular nossa vida.

Sem dúvida alguma a teologia de Barth deve causar impacto na igreja contemporânea. Se não for assim, perde-se a oportunidade de se viver/testemunhar/comunicar o evangelho de modo sério e coerente. Há de se fazer observações ao pensamento teológico de Barth, principalmente quando é radical e submete a razão humana a uma posição de completo desprezo, contudo, mediante os fatos históricos e a análise de como se deram alguns acontecimentos terríveis, pode-se compreender o radicalismo de Barth em face dos colapsos sociais.

A teologia dialética pretende ser uma reação a teologia naturalista que se veiculava no século 19 tornando a igreja conformada e alienada dos princípios básicos revelados por Deus em Jesus Cristo. Deve-se louvar a preocupação de Barth em relacionar a teologia cristocêntrica de maneira prática à realidade sócio política sem, contudo, alienar-se dos princípios revelados por Deus. A questão do radicalismo de Barth deve ser compreendida à luz do liberalismo da teologia naturalista, que tornava cada vez mais banal o relacionamento genuíno com Deus e a salvação, favorecendo outros caminhos para se chegar ao conhecimento de Deus.

O fideísmo de Barth resgata os princípios teológicos conservadores ignorados pelo momento histórico que tratava o homem como centro do universo e força suficiente e capaz em si mesmo, mas, que em contrapartida, desencadeava uma série de distúrbios e colapsos sociais nas diferentes nações.

A implicação dessa teologia na atualidade é a exigência de ponderação e equilíbrio entre fé e razão, possibilitando um repensar das bases eclesiásticas e suas implicações para as comunidade cristãs inseridas no contexto sócio, político, econômico e cultural. Através da teologia de Karl Barth é possível vislumbrar uma igreja que seja comprometida com a soberana Palavra de Deus e seus princípios norteadores e agente transformador da realidade do mundo, por causa do amor de Cristo e em Cristo, no poder do Espírito Santo.

A conseqüência disso, é uma igreja missionária que entende a relevância de compartilhar com o mundo a boa nova, sendo consciente de suas limitações e dependente de Deus. Nesse sentido, cabe comentar que a realização dessa obra não se condicionará aos feitos, propósitos e estratégias humanas, a fim de que não se configure uma obra ativista e religiosamente vazia; antes, essa igreja será impulsionada pelo amor e constantemente alimentada pelo Espírito Santo de Deus, sem contudo, desprezar os potenciais humanos.

O pensamento teológico de Barth é rico e objetivo e demonstra claramente uma reflexão teológica preocupada em, de acordo com a Escritura, efetuar o kerigma de Deus para o homem.

É interessante notar que na atualidade, a teologia parece ignorar a reflexão quanto ao favor de Deus ao homem; à questão de Deus ter a iniciativa, por amor, de aproximar-se. O pensamento em voga evoca exatamente a idéia oposta quando afirma que o homem deve exigir de Deus o favor, colocando o ser humano e a divindade no mesmo patamar e tornando a comunicação imperativa. Deus é portanto, comunicável, o que torna-O também manipulável.

O conceito teológico da graça de Deus para com a humanidade deve ser retomado. A igreja deve reconhecer que por si não é capaz de realizar qualquer obra. Deus é que tem o querer e o efetuar e segundo o beneplácito de sua vontade, opera através dos que estão em Cristo, a fim de que o próprio nome de Cristo seja engrandecido. A implicação desse conceito é que uma igreja constituída por pessoas comprometidas com a Palavra de Deus, em Cristo, atuará no mundo sempre na dependência de Deus e reconhecerá a necessidade de que todos sejam dignificados em Cristo, por meio da proclamação das boas novas.

UM ROTEIRO DE ESTUDO
A. Sua teologia parte da crise e da negação
– toda a produção humana está sob crise e juízo de Deus
– e se resolve num processo dialético:
– o Não de Deus à salvação própria (à religião Babel) vs. o Sim de Deus ao homem.

B. Sua teologia é cristológica e cristologia é
– a doutrina da pessoa de Cristo
– a compreensão da dogmática à luz da pessoa de Cristo
– reflexão cristã: Deus-em-carne, Deus-feito-homem

C. Sua teologia é kerigmática
– a mensagem se torna a palavra de Deus
– a palavra do homem se torna a palavra de Deus, se assim for a vontade de Deus
– não há apologética, porque defender a fé é pretender que Deus precisa ser defendido.

D. A dialética do kerigma leva a duas conclusões
– a Bíblia é uma produção humana — lida na presença de Jesus Cristo, se assim for da vontade de Deus, torna-se a palavra de Deus para nós
– a Igreja não é uma instituição que possa ser descrita por sua continuidade histórica — mas, se assim for da vontade de Jesus Cristo, torna-se comunidade com os irmãos na fé através do milagre da Sua presença.

E. Sua teologia é crítica em relação ao
– Protestantismo liberal – Aceitou fontes de conhecimento fora da revelação. Tentou apresentar uma teoria do conhecimento fora da revelação. Colocou a consciência moral e a experiência como fonte de revelação.
– Catolicismo romano e a  Teologia natural – O homem não pode chegar à compreensão de Deus meramente através da contemplação dos elementos naturais. Terá sempre uma idéia a priori de Deus, fabricação de sua própria mente.


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