As tentações do cristianismo exclusivamente númerico

Autor: Elben M. Lenz César
O rápido e fenomenal crescimento da igreja logo após a descida do Espírito Santo parece justificar e encorajar a atual paixão pelos números.

Para eleger o substituto de Judas, a assembléia era composta “de umas cento e vinte pessoas” (At 1.15). Os que aceitaram a pregação de Pedro no dia de Pentecostes provocaram um acréscimo “de quase três mil pessoas” (At 2.41). Pouco tempo depois, “os membros da comunidade chegaram a uns cinco mil” (At 4.4, CNBB).

A partir daí, o livro de Atos, que registra a história da igreja primitiva, deixa de mencionar números, muito embora continue a se referir ao constante crescimento da igreja, especialmente em Jerusalém (At 5.14; 6.1, 7; 9.31; 11.21, 24; 12.24; 16.5; 19.20).

Se, porventura, os apóstolos tinham em mente a organização de uma megaigreja em Jerusalém “cujo topo chegasse até os céus”, como a torre de Babel, esse sonho foi levado embora pela enxurrada da primeira perseguição à igreja, quando “todos, exceto os apóstolos, foram dispersos pelas regiões da Judéia e Samaria” (At 8.1). Era exatamente o que estava nos planos do Senhor da Seara. Na Grande Comissão, Jesus não falou em concentração, mas em irradiação: “Sereis minhas testemunhas tanto em Jerusalém como em toda a Judéia e Samaria e até os confins da terra” (At 1.8).

O crescimento da igreja em Jerusalém não foi exclusivamente numérico. Paralelo ao crescimento quantitativo, acontecia o crescimento qualitativo: “Em cada alma havia temor” (2.43); “da multidão dos que creram era só um o coração”; “ninguém considerava exclusivamente sua nenhuma das coisas que possuía” (At 4.32).

Hoje, estamos, como nunca, cedendo à volúpia da ditadura do crescimento quantitativo num custoso e vistoso detrimento do qualitativo. Sacrificamos tanto a motivação quanto a natureza da evangelização. Pregamos não para diminuir o número de infelizes mas para aumentar o número de dizimistas, não para esvaziar o inferno mas para encher nossos próprios currais.

Para obter sucesso numérico, alargamos a porta que Jesus chamou de porta estreita e folgamos o caminho que Jesus chamou de caminho apertado, dando a impressão de que são muitos os que entram por eles, quando, na verdade, são poucos (Mt 7.13-14). A igreja primitiva jamais evangelizaria os pecadores por meio de lavagem cerebral nem por meio de promessas mirabolantes como hoje se faz. Podemos prometer a remoção da culpa, o perdão de pecados, a salvação, a libertação progressiva de paixões infames, o bem-estar na nova vida, o gozo da comunhão com Deus e com os outros salvos, a vida eterna. Mas não podemos esconder dos pecadores e dos descrentes a necessidade sine qua non de arrependimento, de conversão contínua, do negar-se a si mesmo, do carregar diário da cruz, da obrigação de ser sal da terra e luz do mundo.

O que adianta um rebanho enorme sem santidade, sem doutrina, sem influência nem brilho na sociedade em que vive? Já se disse que a religiosidade americana tem cinco mil quilômetros quadrados de extensão mas apenas dez centímetros de profundidade. Esse escândalo é tão grave lá como aqui. Daí as denúncias de alguns poucos profetas de Deus debaixo da linha do Equador, onde boa parte do fenomenal crescimento evangélico é mais inchaço do que qualquer outra coisa.

Outro dia, o teólogo batista colombiano, Harold Segura, consultor da Visão Mundial, manifestou sua preocupação com “a distância que existia entre o crescimento e o impacto”. Na mesma ocasião, o pastor presbiteriano Oswaldo Prado fez uma solene pergunta: “Que igreja é essa que demonstra tanto vigor espiritual, mas que parece colocar o objetivo final no império pessoal e não na manifestação da glória de Deus entre todos os povos?”

É para nos chamar de volta à paixão pela honestidade, pela profundidade e pela santidade, que Ultimato publica a matéria de capa desta edição, relacionada com o último censo religioso do país.

Elben M. Lenz César
Editora Ultimato

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