Autor: Theodore Beza
Após a sua graduação seguiu para Paris, sendo-lhe prometido a sucessão no escritório de seu tio Nicholas, onde recebia 700 coroas douradas que eram mais do que suficientes para o seu sustento. Depois de 2 anos em Paris ele adoeceu mortalmente, quando então, veio a perceber suas necessidades espirituais o que resultou na sua salvação. Antes de se recuperar totalmente, tomou os seus pertences e dirigiu-se para Genebra, pois havendo renunciado a fé católico-romana, era o local mais seguro de se estabelecer. Por causa de sua conversão, foram tomadas todas as suas regalias, inclusive o sustento conseguido pela sua família, mas mesmo assim, ele estava disposto a abandonar tudo e aprender mais sobre a fé protestante.
Calvino, que se encontrava em Genebra, e que já o conhecia desde os tempos em que estudou com Wolmar, o recebeu de braços abertos. Em 1558 ocupou a primeira cadeira de Grego na Academia de Genebra e posteriormente assumiu a cadeira de Teologia como sucessor de Calvino, após a sua morte.
Além da tradução da Bíblia, Beza contribuiu de forma grandiosa para o progresso da fé protestante com a publicação de sua Confissão de Fé, que inicialmente fora produzida no intuito de conquistar seu pai à fé. Tal confissão foi utilizada em larga escala, na época, para promover o conhecimento evangélico aos seus compatriotas, sendo editada e dedicada a Wolmar. Esta confissão foi considerada a maior das contribuições de Beza para a fé protestante, sendo respeitada, tanto pelos amigos como pelos inimigos, como uma obra de grande relevância, principalmente nas questões relacionadas ao Sacramento da Ceia.
Finalmente, com 65 anos, veio a falecer. Ele não foi enterrado ao lado de Calvino porque os seus opositores tinham ameaçado roubar o seu corpo. O efeito de seus trabalhos foram de grande significado. Ele ajudou a simplificar e a clarificar os ensinos de Calvino. Embora não tenha sido reconhecido por ter desenvolvido algum pensamento novo, seus trabalhos são tidos como de grande valia ainda hoje, por manifestarem esta tônica de desenvolvimento e simplificação da fé que Calvino pregou e defendeu como a doutrina da Graça Irresistível.
No Painel Central do Monumento à Reforma em Genebra, junto a Calvino, Knox e Farel, encontra-se também a figura do reformador Theodore Beza.
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O QUE CHAMAMOS DE “PALAVRA DE DEUS”: SUAS DUAS PARTES – A LEI E O EVANGELHO.
Chamamos de “Palavra de Deus” os livros canônicos do Antigo e Novo Testamentos, por terem procedido da boca do próprio Deus.
Dividimos esta Palavra em duas partes principais: uma e chamada “Lei”, a outra “Evangelho”‘.
O que chamamos de Lei é a doutrina cuja semente é escrita pela natureza em nossos corações. Entretanto, para que nosso conhecimento fosse mais preciso, ela foi escrita por Deus, em duas tábuas e é compreendida, resumidamente, em dez mandamentos. Neles, Deus estabelece para nós a obediência e a perfeita justiça, as quais devemos a Sua majestade e aos nossos semelhantes, em termos contrastantes: vida eterna, se guardarmos a Lei perfeitamente, sem omitir um ponto sequer, ou morte eterna, se não cumprirmos completamente cada mandamento (Dt. 30: 15-20; Tg. 2:10).
O que chamamos de Evangelho (Boas Novas) é a doutrina que não está totalmente em nós por natureza, mas é revelada do céu (Mt. 16:17; Jo. 1: 13) e supera totalmente, o conhecimento natural. Por ele, Deus testifica que é Seu propósito nos salvar graciosamente através de Seu único Filho (Rm. 3:20-22), providenciando que, pela fé, nós recebamos a Jesus como nossa única sabedoria, justificação, santificação e redenção (1 Co. 1:30). Por ele (o evangelho), o Senhor nos testifica todas essas coisas, e o faz de tal maneira, que ao mesmo tempo Ele nos renova de forma poderosa, nos capacitando a receber os benefícios que nos são ofertados. (1 Co. 2:4).
AS SIMILARIDADES E DIFERENÇAS ENTRE A LEI E O EVANGELHO
Devemos prestar grande atenção a estas coisas, em virtude de, com razão, podermos dizer que a ignorância da distinção entre a Lei e o Evangelho é uma das principais origens dos abusos que corromperam e ainda corrompem o cristianismo.
A maioria dos homens, cegos pelo justo julgamento de Deus, nunca consideraram seriamente a maldição sob a qual a Lei nos sujeita, ou o porquê ela foi ordenada por Deus. Quanto ao Evangelho, geralmente o consideram como nada mais sendo do que uma segunda lei, mais perfeita do que a primeira. Disto decorre a errônea distinção entre preceito e conselho, resultando, pouco a pouco, a total ruína do favor de Jesus Cristo.
Agora, devemos considerar estes assuntos. A Lei e o Evangelho têm em comum que ambos provêm de um Deus verdadeiro, sempre consistente com Ele mesmo (Hb. 1: 1 -2). Não devemos pensar, por esta razão, que o Evangelho revoga a essência da Lei. Pelo contrário, a Lei estabelece a essência do Evangelho (Rm. 10:2-4); explicaremos isto mais tarde. Ambos nos apresentam o mesmo Deus e a essência. da mesma justiça (Rm. 3:31), que reside no perfeito amor a Deus e ao nosso próximo. Mas existe uma grande diferença nestes pontos que devemos tocar, especialmente no que concerne aos meios de obter esta justificação.
Em primeiro lugar, como aludimos antes, a Lei é natural para o homem. Deus a imprimiu em seu coração desde a criação (Rm. 1:32; 2:14,15). Quando, muito tempo depois Deus fez e exibiu as duas Tábuas da Lei, não foi para fazer uma nova lei, mas para restaurar nosso conhecimento original da lei natural que, por causa da corrupção do pecado, foi pouco a pouco, sendo removido do coração do homem (Rm. 7:8,9). Mas o Evangelho é uma doutrina sobrenatural, a qual nossa natureza nunca poderia ser capaz de imaginar, nem aprovar, sem uma especial graça de Deus (1 Co. 1:23; 2:14). Mas, o Senhor a revelou primeiramente a Adão, logo depois de seu pecado, como Moisés declara em Gn. 3:15; posteriormente aos patriarcas e aos profetas em degraus crescentes como melhor Lhe parecia (Rm. 1:2; Lc. 1:55, 70), até o dia em que Ele manifestou Jesus Cristo em Pessoa. Ele claramente anunciou e realizou tudo o que está contido no Evangelho (Jo. 15: 15; 6:38). Este Evangelho é revelado por Deus ainda hoje e será revelado até o fim do mundo, através da pregação instituída em sua Igreja (Jo. 17:18; Mt. 28:20; 2 Co. 5:20).
Em segundo lugar, a Lei nos revela a majestade e a justiça de Deus (Hb. 12:18-21). 0 Evangelho nos mostra esta mesma justiça, mas lá ela é apaziguada e satisfeita pela misericórdia manifestada em Cristo (Hb. 12:22-24).
Em terceiro lugar, a Lei nos envia a nos mesmos, a fim de realizarmos a justiça que nos ordena, ou seja, a perfeita obediência aos seus mandamentos, o que e necessário a fim de escapar da culpa. Desta forma, ela nos mostra nossa maldição e nos sujeita a ela, como o apóstolo declara (Rm. 3:20; Gl. 3:10-12). Mas o Evangelho nos ensina onde achar aquilo que não temos, e tendo achado, nos ensina como ser capaz de desfrutá-lo. Desta forma Ele nos resgata da maldição da Lei (Rm. 3:21, 22; Gl. 3: 13,14).
Concluindo, a Lei declara que somos abençoados quando a cumprimos sem omitir nada; o Evangelho nos promete salvação quando cremos, ou seja, quando, pela fé, nos agarramos a Jesus Cristo que tem tudo o que carecemos e muito mais do que necessitamos. Estas duas condições – fazer o que a Lei ordena, ou crer que Deus nos oferece em Jesus Cristo – são duas coisas que são, não somente muito difíceis, mas totalmente impossíveis para a nossa natureza corrupta; não podemos nem mesmo compreender, como o apóstolo Paulo diz em 2 Co. 3;5 e Fp. 1:29. Por isso é necessário adicionar uma quarta diferença entre a Lei e o Evangelho.
Assim sendo, a quarta diferença entre a Lei e o Evangelho é que a Lei , por ela mesma, pode somente nos mostrar e nos fazer ver nossa maldade aumentada e agravar nossa condenação; não por qualquer culpa dela (da Lei), pois ela e boa e santa, mas por causa da nossa natureza corrupta, corroída pelo pecado, ela nos reprova e ameaça, como o apóstolo Paulo declara, através de seu próprio exemplo (Rm. 7:7-14). Mas o Evangelho não somente nos mostra o remédio contra a maldição da lei mas é, ao mesmo tempo, acompanhado pelo poder do Espírito Santo que nos regenera e nos transforma (como dissemos acima); pois Ele cria em nós o instrumento e o único meio de aplicação deste remédio (At. 26:17-18).
A fim de falar mais claramente, interpretaremos as palavras “letra” e “espírito” as quais alguns usam de forma errada. Eu digo que o Evangelho não é “letra”, o que significa dizer, que não é somente uma doutrina morta que nos apresenta, em sua pobreza e simplicidade, aquilo que necessitamos para crer: que a salvação é prometida gratuitamente em Jesus Cristo para os que crêem; mas é “espírito”, ou seja, um meio poderoso cheio de eficácia do Espirito Santo, que Ele usa para criar em nós o poder de crer naquilo que Ele nos ensina, ou seja, receber salvação gratuita em Jesus Cristo. É deste modo que a Lei que nos mata e condena por nós mesmos, nos justifica e salva em Jesus Cristo, recebido pela fé (Rm. 3:31).
Esta é a razão porque eu disse que a Lei e o Evangelho não são contrários no que concerne a essência da justificação com a qual devemos nos vestir a fim de sermos aceitos diante de Deus e participarmos da vida eterna; mas são contrários com referência ao meio de obtermos esta justificação. A Lei procura em nós esta justificação; não há consideração para o que nós podemos fazer, mas para o que devemos fazer (Gl.3:12). 0 homem na verdade, por sua falta somente, se fez incapaz de pagar; todavia, ele não deixa de ser devedor, mesmo sendo incapaz de pagar. E consequentemente, a Lei não erra em exigir de nós aquilo que devemos, apesar de não podermos fazê-lo. Mas o Evangelho, amenizando o justo rigor com a doçura da misericórdia de Deus, nos ensina a pagar por meio dEle, que se fez nosso Fiador, que se colocou em nosso lugar e pagou nossa dívida, assim como a do principal devedor, e até o último centavo (Cl.2:13,14). Tanto que o rigor da Lei que nos faz tremer e nos derruba completamente, agora nos aprova e aceita em Jesus Cristo.
COM QUE PROPÓSITO O ESPIRITO SANTO USA A PREGAÇÃO DA LEI
Tendo entendido a distinção entre as duas partes da Palavra de Deus, a Lei e o Evangelho, é fácil entender como e com que propósito o Espírito Santo usa a pregação de ambas na Igreja, pois não há dúvida que Ele as emprega para o propósito para o qual elas foram estabelecidas.
Enquanto nossa corrupção reina em nós, somos tão cegos que ignoramos até mesmo nossa ignorância (Jo. 9:41) e, não cessando de abafar a pequena luz do conhecimento que foi deixada para nós de forma a nos tomar indesculpáveis (Rm, 1:20, 21; 2:1), nos deleitamos com o que mais deveria nos desagradar. É necessário, antes de tudo, que Deus, bondoso e cheio de misericórdia, nos faça enxergar claramente o maldito abismo no qual nós nos encontramos. Ele não poderia fazê-lo de melhor maneira, do que nos declarando, através da Sua Lei, o que nós devemos necessariamente ser; pois a escuridão é melhor entendida quando colocada ao lado da luz (Rm. 3:20. 7:13).
Este é o motivo pelo qual Deus começa com a pregação da Lei. Somente nela podemos ver o que devemos ser e também. que não podemos cumprir nenhum dos seus mandamentos. Somente nela podemos ver quão perto estamos de nossa condenação, a menos que obtenhamos um remédio muito forte e eficaz.
E de fato, a estupidez que reinou no mundo no passado e reina hoje mais do que nunca, mostra quão necessário é, que Deus comece deste ponto, a fim de nos conduzir a Ele, nos fazendo conhecer quão grande e certo perigo correm aqueles que fazem pouco caso disto. O fato é, que a Lei não foi dada para nos justificar (pois se assim fosse, Jesus Cristo teria morrido em vão, como Paulo diz (Gl.2:21; 3:18-21), mas, pelo contrário, para nos condenar e para nos mostrar o inferno que está pronto para nos tragar, para aniquilar e degradar totalmente nosso orgulho, fazendo que nossa multidão de pecados passe diante de nossos olhos e nos mostrando a ira de Deus que se revela do céu contra nós (Rm. 1: 18; 4:15; Gl. 3:10,12). Todavia, por um longo tempo os homens tem sido cegos e insensatos. Não somente buscam sua salvação no que os condena total ou parcialmente, ou seja, nas suas obras, ao invés de correrem para Jesus Cristo pela fé, o único recurso contra tudo o que os pode acusar diante de Deus, mas, o que é pior, não, cessam de acrescentar lei após lei as suas consciências, ou, melhor dizendo, condenação após condenação, como se a Lei de Deus não os condenasse o suficiente (GI. 4:9,10; 5: 1 ; CI. 2:8, 16-23). E como um prisioneiro cuja porta da prisão foi aberta, mas que, virando as costas para a liberdade, a qual ele não entende, voluntariamente se tranca na prisão que é mais segura. Esta é então a primeira utilidade da pregação da Lei; fazer conhecidas nossas inúmeras faltas, de forma que começamos a ser miserável e grandemente humilhados. Em resumo, para produzir em nós o primeiro grau de arrependimento que é chamado “contrição do coração”; isto produz uma completa confissão diante do Senhor, pois aquele que não sabe que está doente, nunca irá ao médico. Não há ninguém. mais incapacitado a receber a luz da salvação, do que aqueles que pensam que podem ver claramente, por causa da falta de entendimento sobre quão densa são as trevas nas quais nasceram; tão grande que eles precisam sair dela, e ao contrário, a tornam mais densas e não cessam de avançar, de boa vontade, para dentro delas (Jo. 9:41).
A OUTRA PARTE DA PALAVRA DE DEUS CHAMADA DE “EVANGELHO”: SUA AUTORIDADE, O PORQUÊ, COMO E COM QUE PROPÓSITO FOI ESCRITA.
Depois da Lei, vem o Evangelho; o uso e a necessidade dele serão melhor entendidos analisando os pontos abaixo:
Primeiramente, assim como existe somente um Salvador (Mt. 1:21; At. 4;12; 1Tm. 2:5), há também somente uma doutrina da salvação que é chamada de Evangelho, melhor dizendo, Boas Novas (Rm. 1:16). Foi anunciada e declarada ao mundo por Jesus Cristo de forma completa (Jo. 15:15) e pelos apóstolos (Jo. 17:8; 2 Co. 5:19,20), e fielmente testemunhada pelos evangelistas (Ef. 2:20; 1 Pd. 1:25) para prevenir do engano e astúcia de Satanás, que sem isto, colocaria diante dos homens mais facilmente seus próprios sonhos, sob o nome do evangelho; entretanto, ele não falhou inteiramente em fazê-lo, pela justa vingança de Deus que tem sido provocado a ira contra o homem, que, em sua maneira habitual, prefere sempre as trevas ao invés da luz. E quando dizemos que os apóstolos e evangelistas testemunharam fielmente toda a doutrina do evangelho, entendemos com isso, três pontos:
Eles não adicionaram nada deles mesmos no que diz respeito a substância da doutrina (Cl.1:28; 2 Tm. 3:16,17), mas obedeceram com precisão e simplicidade o que Deus lhes disse: “Ensinando-os a guardar todas as coisas que eu vos tenho mandado”(Mt. 28:20); e o apóstolo Paulo, escrevendo aos coríntios, professa que assim ele faz (1 Co. 11:23).
Eles não omitiram nada que seja necessário à salvação; pois, de outro modo, teriam sido desleais com a sua comissão, o que não é possível. Também vemos o apóstolo Paulo (At. 20:27; Gl. 1:9) e o apóstolo Pedro (1 Pd. 1:25) testificarem quão conscienciosos e específicos eles foram a este respeito (Jo. 15:15; 16:13). Daí porque, Jerônimo, escrevendo sobre este assunto, diz, “o discurso pronunciado de forma ininteligível, através de sons rápidos e inarticulados, não deve ser acreditado sem a autoridade da Santa Escritura”. E Agostinho fala ainda mais claramente “É verdade que o Senhor Jesus fez muitas coisas que não foram escritas, pois o próprio evangelistas testifica que Ele disse e fez muito mais do que foi escrito. Mas Deus escolheu registrar aquelas coisas que são suficientes para a salvação daqueles que crêem”(Jo. 20:30,31).
Aquilo que eles escreveram, foi escrito de tal forma que a pessoa mais inculta e ignorante do mundo, pode aprender lá o que é necessário para sua salvação, desde que confrontada (1 Co. 1:26,27), de outra maneira, porque o Evangelho foi escrito numa linguagem que todos podem entender (1 Co. 14:6-40), e no idioma mais familiar e popular possível (1 Co. 2:1). Daí porque Paulo diz que se o Evangelho está oculto, está para aqueles que se perdem e para os que o deus deste mundo cegou, ou melhor dizendo, para os incrédulos (2 Co. 4:3). E, de fato, a experiência de todas as épocas tem mostrado que Deus não chamou os mais sábios e cultos, mas, pelo contrário, os mais ignorantes do mundo (Is.29:14; Lc.10:21; 1 Co.1:26, 27; 3:18). Portanto, dizer que Deus desejou esconder ou encobrir Sua doutrina de forma que ninguém pudesse entender, está longe da verdade.
Chegamos então a duas conclusões, a partir deste raciocínio, que são úteis para o que estamos tratando:
A primeira é que não é necessário reconhecer como Evangelho, qualquer coisa adicionada pelo homem à Palavra escrita de Deus, ou melhor dizendo, às doutrinas contidas nos livros do Velho e Novo Testamento; mas que todas as adições são meras superstições e corrupções do único e verdadeiro Evangelho de nosso Senhor (Mt. 15:9). Paulo fala sobre isto em Gl. 1:8,9; 2 Tm. 3:16,17 e Jerônimo escreveu sobre este assunto ” O que é dito sem a autoridade da Santa Escritura, é também, do mesmo modo, facilmente deixado de lado”.
A segunda conclusão é que aqueles que dizem que somente algumas pessoas são autorizadas a ler as Escrituras e, por esta razão, não a querem traduzida para os idiomas falados por temer que mulheres simples e outras pessoas possam lê-la (Rm. 1:14; Gl. 3:28; Mt. 11:28), são os verdadeiros anticristos e instrumentos de Satanás (Mt. 23:13); eles tem medo de que seus abusos sejam descobertos pela chegada da luz.
A MANEIRA PELA QUAL O EVANGELHO INCLUI, EM SUBSTÂNCIA, OS LIVROS DO VELHO TESTAMENTO
Além disso, pela palavra Evangelho não nos referimos ao que comumente é chamado assim, isto é, algumas passagens extraídas sem razão, e nem de discursos dos livros dos quatro evangelistas ou das epístolas de Paulo. Pelo contrário, entendemos por Evangelho, não somente todo o Novo Testamento, mas também tudo o que foi prometido ou predito no Velho Testamento sobre Jesus Cristo (At. 26:22,23; 28:23; Jo. 5:39; Rm. 1:2), pois como já dissemos, o Evangelho é o único meio pelo qual desde o início do mundo, Deus tem salvado Seus eleitos (Hb. 13:8; At. 4:12). Daí porque, como Moisés declara (Gn. 3:15), Deus começou a anunciá-lo ao mundo desde o pecado de Adão, embora ele foi manifestado e pregado claramente, muito tempo depois, pelo próprio Jesus Cristo e por Seus apóstolos (Rm. 1: 1-6; 16:25,26).
Deste modo, para resumir, chamamos de Evangelho as Boas Novas que desde o princípio, e somente por Sua graça e misericórdia, Deus anunciou a Sua Igreja: aqueles que, pela fé, abraçam Jesus Cristo participarão da vida eterna com Ele (Rm. 3:21,22; Jo. 6:40).
COMO O QUE DIZEMOS SOBRE A AUTORIDADE DA PALAVRA ESCRITA DEVE SER ENTENDIDO. PORQUE É NECESSÁRIO QUE SEJA TRADUZIDO A TODAS AS LÍNGUAS.
Quando dizemos que o Evangelho, escrito e testemunhado da maneira que Deus nos deu, é o único meio ordinário o qual Deus usa para salvar homens (daí porque esta Palavra é chamada A Palavra de Vida e Reconciliação; Jo. 6:68; At. 5:20; Fp. 2:16), nós não paramos nas sílabas, nem no papel e tinta, nem num evangelho pendurado pelo pescoço, ou pronunciado como o mágico pronuncia seus encantamentos, nem num livro de bons exemplos, ou adorado com incenso ou outros atavios. Nunca ofendamos a Deus pela aprovação de tais feitiçarias e sacrilégios.
Mas, em primeiro lugar, fechamos as portas a todas estas fantásticas noções que o diabo tem usado, em todas as épocas, para corromper o homem. E então, ouvimos o Evangelho exposto e pregado de maneira adequada e própria, de forma a entender melhor sua substância (Rm. 10:8; 1 Pd. 1:25)e colocá-lo no coração onde, pela fé, ele pode produzir os frutos do verdadeiro arrependimento (Mt. 13:23; At. 16:14). Os apóstolos mostram isto claramente. Quando Jesus Cristo os envia, na grande comissão, Ele não lhes diz “Ide, lede o Evangelho numa língua desconhecida e adore o livro no qual está escrito”, mas lhes diz “Ide e pregai o Evangelho a toda a criatura”(Mt. 28:19). Deixo de lado as objeções feita pelo apóstolo Paulo aos coríntios quando fala sobre os abusos que cometeram em se deleitarem em ouvir línguas estranhas na Igreja de Deus, sem nenhum profeta para explicar o que estava sendo dito (1 Co. 14). Mas como crerão sem que ouçam, tendo em vista que a fé vem pelo ouvir, como o apóstolo Paulo diz em Rm. 10:17? E como ouvirão quando, longe de ser exposto propriamente, é cantado em língua estranha? (1 Co. 14:9, 16-28)?
Também, como alguém pode ser fundamentado na santa e verdadeira doutrina, confortado entre tantas e variadas tentações, advertido a opor-se a falsas doutrinas (Rm. 15:4; 2 Tm. 3:16), sem meditar dia e noite na Palavra de Deus (Sl. 1:2), e examinar cuidadosamente as passagens da Santa Escritura (At. 17:11; Jo. 5: 39)? Assim foi feito na Igreja, até que o diabo, através da justa punição de Deus, removeu esta luz a fim de produzir suas trevas, sem que ninguém percebesse. O apóstolo Pedro é uma testemunha disto, quando escrevendo a todos os crentes, recomenda diligência com a qual eles deveriam tomar cuidado no ouvir a palavra dos profetas (2 Pd. 1:19,20). Pois ele sabia que o que o Senhor havia lhe falado “Apascenta minhas ovelhas”(Jo. 21:15-17, deveria ser ouvido de acordo com a pregação da Palavra da Vida. Paulo, também, expôs a mesma coisa e a praticou (At. 20:27,28).
Contudo, não queremos dizer com isso que é permitido a todos ser um professor na Igreja, e expor as Sagradas Escrituras; pois este ofício pertence àqueles que foram chamados e legitimamente ordenados a fazê-lo (Rm. 10:15). Mas todos devem ler as escrituras e ter conhecimento delas, para confirmar o que está sendo bem exposto na Igreja e rejeitar a falsa doutrina dos falsos pastores. Afirmamos que a leitura das Sagradas Escrituras – adicionando o que é necessário, ou seja, a pura pregação e exposição delas, pois para isto os pastores e professores são ordenados na Igreja (1 Co. 4:2; 2 Co.5:19,20), e não para re-sacrificar Jesus Cristo (Hb. 10:18) ou para gritar em línguas estranhas às pessoas (1 Co. 14:28) – está longe de ser uma heresia; pelo contrário, não há outro meio de extirpar heresias (2 Tm. 3:15-17). E todo aquele que impedir a leitura das Escrituras, tira do pobre pecador, ao mesmo tempo, o único meio de consolação (Rm. 15:4) e salvação (Lc. 1:77; At. 13:26; Ef. 1:13).
COMO O ESPÍRITO SANTO USA A PREGAÇÃO DO EVANGELHO PARA CRIAR FÉ NO CORAÇÃO DO ELEITO E ENDURECER AO RÉPROBO.
Do mesmo modo que a pregação do Evangelho é um aroma de morte para os rebeldes que endurecem seus corações, é também aroma de vida para os filhos de Deus (2 Co. 2:15,16). Não que a força e poder de salvar resida no som da palavra ou venha da energia de quem prega (1 Co. 3:7,8). Mas o Espírito Santo, cujo ofício estamos descrevendo, usa a pregação como um tubo ou canal; Ele penetra na profundeza da alma, como o apóstolo fala (Hb. 4:12; 1 Pd.1:23), com o propósito de dar, somente por Sua graça e bondade, entendimento aos filhos de Deus para os capacitar a perceber e compreender o grande mistério da sua salvação através de Jesus Cristo (At. 16:14; Ef. 1:18,19). Então, Ele também corrige seus julgamentos, para que eles aprovem, com sabedoria proveniente de Deus, aquilo que o sentido e a razão costumam achar loucura (1 Co. 2:6-16). Além disso Ele corrige e muda suas vontades de tal maneira, que com afeição ardente, eles abraçam e recebem o único remédio que é oferecido em Jesus Cristo (Fp. 1:29; At. 13:48) contra o desespero no qual, sem ele, a pregação da Lei necessariamente os conduziria (Ef. 2:1,4,5).
Assim é que o Espírito Santo, pela pregação do Evangelho, cura o ferimento que a pregação da Lei expôs e agravou (Rm. 6:14); como o Espírito Santo, pela pregação do Evangelho, cria em nós o dom da fé que vem, ao mesmo tempo, para tomar posse daquilo que é necessário à salvação em Jesus Cristo; isto é o que mostramos abaixo.
O OUTRO FRUTO DA PREGAÇÃO DA LEI, UMA VEZ QUE A PREGAÇÃO DO EVANGELHO REALIZOU, EFICAZMENTE, SEU TRABALHO.
Entre os efeitos que Jesus Cristo produz, quando habita em nós, mostramos não completamente, que Ele cria em nós um coração puro (Sl. 51:10) para conhecer (Jr. 24:7), desejar e fazer o que é de Deus (Fp. 2:13); anteriormente éramos escravos do pecado (Rm. 6:22), inimigos de Deus (Ef. 2:12), incapazes até mesmo de pensar qualquer coisa boa (2 Co. 3:5).
Assim, quando nossa disposição foi mudada, a pregação da Lei também começa a mudar seu efeito em nós, de tal forma que ao invés de aterrorizar-nos, nos consola (1 Jo. 2:17; 2 Pd. 1:10,11); ao invés de nos mostrar quão perto nossa condenação está, ela nos serve como guia para nos ensinar boas obras (Jr. 31:33; Rm.7:22) as quais Deus propôs que andássemos nelas (Ef. 2:10); finalmente, ao invés de ser um jugo desagradável e insuportável, torna-se agradável e leve para nós (Mt. 11:30). Nos resta somente uma tristeza: a de não sermos capazes de obedecer perfeitamente, como gostaríamos, por causa da nossa corrupção remanescente, que luta contra o Espírito (Rm. 7:22,23). Mas toda esta tristeza não nos conduz ao desespero, mas antes nos conduz a orar ardentemente a nosso Pai que nos fortalece mais e mais (Rm.8:23-26). A fé, que é a testemunha do Espírito de Deus clamando em nossos corações (Rm.8:15), nos assegura que a maldição da Lei foi eliminada pelo sangue de Jesus Cristo que nos une (Rm. 8:1); além disso, a mesma fé também nos assegura que o Espírito dominará, por mais que demore (Rm. 6:14), e até mesmo a morte será o caminho da nossa vitória (Jo. 5:24; 1 Co. 15:26,54; Hb. 2:14). Desta maneira, é concluído em nós, gradualmente, o verdadeiro arrependimento, que vem da verdadeira conversão; começa com contrição ou sentimento de pecado, e progride pela regeneração de tudo o que há no homem, visível e invisível (1 Ts. 5:23). Daí concluirmos que isto leva todo verdadeiro penitente a confessar sua falta diante de quem ofendeu, e mesmo diante de toda a assembléia da Igreja, se for necessário. Esta confissão deve vir acompanhada, a medida do possível, com restituição e satisfação concernente ao próximo, pois, sem isso, o arrependimento pode ser só fingido e simulado. Dessa maneira, é fácil perceber que nós não rejeitamos, mas, pelo contrário, requeremos como necessário à salvação, a verdadeira confissão que foi ordenada por Deus. Contudo, não temos o desejo de atormentar consciências pela confissão auricular (como é chamada), que o homem inventou em lugar da verdadeira confissão e arrependimento, nem de estabelecer diante de Deus qualquer outro deleite a não ser Jesus Cristo.
O SEGUNDO MEIO QUE O ESPÍRITO SANTO USA PARA NOS CAPACITAR A TER PRAZER EM CRISTO E O PORQUÊ O SENHOR NUNCA SE SATISFAZ SOMENTE COM A PREGAÇÃO DA SUA PALAVRA.
Dissemos que os sacramentos são os outros meios, ou instrumentos, pelos quais o Espírito Santo aplica em nós tudo que é necessário, à salvação. Mas, desde que por esta palavra (sacramento) se entende, geralmente, todos os sinais pelos quais qualquer coisa sacra ou espiritual nos é apresentada, é necessário, antes de tudo, limitar o significado da palavra.
Por esta razão, devemos entender que nosso Deus, que é perfeitamente misericordioso, em usar nossa natureza pobre e miserável como um melhor meio de manifestar Sua bondade e longanimidade, não se satisfaz em simplesmente nos fazer conhecer e nos mostrar, os meios pelos quais Ele se agrada em nos salvar. Contudo, mesmo nisto, Ele usa incompreensível gentileza e compaixão em nos informar Sua vontade através de homens semelhantes a nós (Dt. 18:15; Fp. 2:7; 2 Co. 5:19,20). Mas, em adição, para coroar sua infinita bondade, Ele desejou adicionar à pregação de Sua Palavra, certas ações destinadas a compelir, o mais inculto e obstinado, a crer mais e mais que Deus não está zombando deles quando lhes oferece vida eterna do modo mais surpreendente – a morte de seu próprio Filho. Assim, por tais sinais e ações, todos os seus sentidos são dirigidos a concordar com a doutrina do Evangelho, como se estivessem já gozando plenamente a salvação que lhes é prometida. Do mesmo modo, nós vemos (se é apropriado comparar os negócios que temos no mundo e a incompreensível bondade de Deus) que, quando a posse de algo nos é concedida judicialmente, certas cerimônias e ações serão usadas no ato de receber a posse ou de executar a fiança, com o fim de nos assegurar e testificar a outros que tais e tais bens pertencem a nós. Mesmo em nossos negócios civis, embora um advogado tenha assinado um contrato e aposto os nomes das testemunhas, o selo do oficial onde o contrato foi firmado, será fixado, a fim de conceder ao contrato maior validade e autenticidade (Rm. 4:11).
Deste modo, desde o início, nosso Deus não se contentou apenas em anunciar a Adão a graça pela qual Ele propôs salvar Sua Igreja mediante Seu Filho; Ele desejou acrescentar, além disso, sacrifícios, como figuras vivas do futuro sacrifício de Jesus Cristo, para fortalecer a fé de Seus filhos na redenção que esperam (Hb. 11:4). Então, depois disso, renovando esta aliança de graça e misericórdia com Abraão, Ele adicionou a isso, o sacramento da circuncisão (Gn. 17:10,11 ). Finalmente, nos dias de Moisés, adicionou o sacramento do cordeiro pascal e muitas outras cerimônias (Ex. 12). Estes eram sacramentos que representavam, aquilo que Jesus realizaria em Seu tempo, melhor dizendo, todo o mistério da salvação. O apóstolo declara isto amplamente nas epístolas aos Hebreus.
Mas quando o tempo determinado por Deus chegou, Jesus Cristo, por Seu advento, pôs um fim a tudo que prefigurava Sua vinda. Pôs um fim às sombras e aos sacramentos do Velho Testamento e trouxe ao mundo outra grande claridade de forma que, dali em diante, os homens devem adorar a Deus mediante um culto mais puro e espiritual, mais próximo da natureza de Deus que é Espírito (Jo. 4:21-25). Entretanto, tendo ainda consideração com a nossa natureza frágil e entorpecida, Ele adicionou alguns sacramentos e sinais externos à pregação de Sua eterna Palavra, para melhor nutrir e sustentar nossa fé, pois, apesar de Jesus Cristo ter nos inocentado por Sua morte, enquanto estamos na Terra, possuímos o Reino Celeste somente pela esperança (Rm. 8:24; 1 Co. 13:9); é necessário que sejamos suportados a fim de crescermos e perseverarmos até o fim (Ef. 4:15).
* Este artigo foi transcrito do capitulo 4 (seções 22-30) de seu livro The Christian Faith (A fé cristã). Este livro foi um best seller durante a Reforma Protestante e foi publicado em 1558 sob o título ” Confession De Foi Du Chretien”.
* Theodore Beza nasceu em 24 de Junho de 1519 em Vezelay-Borgonha. Seu pai era o governador Real em Vezelay, sua mãe era conhecida pela sua generosidade e seu tio, Nicholas, estava no parlamento Francês. Nicholas o convidou para estudar em Paris e, antes de se dirigir para lá, estudou aos pés de Melchoir Wolmar, na Alemanha e posteriormente em Bourges, tendo concluído seu curso de Direito em Orleans em 1539.
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