Autor: Caio Fábio
“Vinde repousar um pouco num lugar à parte”… Marcos 6.31a
Durante muitos anos eu julguei que esse mandamento de Jesus era para os outros, não para mim. Então pus-me a trabalhar na intenção de “remir o tempo, pois os dias são maus”.
O que somente a experiência revela é o seguinte:
Jesus viveu apenas 3 anos de intenso ministério e ainda assim julgou que era preciso parar e se separar do bulício da vida e das necessidades humanas a fim de repousar, de comer em paz e de renovar as forças do ser.
Sendo Ele quem era, ainda assim, não brincou com a encarnação. Trata-se de Deus respeitando os limites da condição humana.
Desse modo fica-se sabendo que nem Deus em Cristo prescindiu da necessidade do repouso. E as implicações disso são óbvias e simples: mesmo a mais genuína e legitima espiritualidade não pode prescindir dos limites do corpo e da alma. Portanto, qualquer projeto de espiritualidade que pretenda existir acima da condição humana está fadado ao fracasso e à doença!
No arroubo da juventude, estimulado pela energia missionária de potro, corri como quem tinha que salvar o mundo inteiro, e cansei…
As conseqüências são inevitáveis:
O coração perde o ardor não por falta de amor, mas por absoluta necessidade de energia.
Vivendo extenuado, tudo se torna pesado. E nada é mais stressante que o ministério, se vivido com paixão, calor e intensidade.
A alma cansada pede férias. E, muitas vezes, pede férias até mesmo do ministério. O que vem na seqüência é que já não se sabe mais se se está cansado pelo cansaço ou se se está cansado do ministério.
O próximo passo é que toda a pilantragem que nos circunda vai fazendo o coração cansado achar que está perdendo tempo, malhando em ferro frio, e, então, surge o marasmo, a descrença e a tristeza.
Cansaço deprime, esgota e des-romancia a alma. Então, vem a falência dos ideais e inicia-se o processo de trabalhar mecanicamente.
O fim disso é imprevisível. Uns adoecem psicologicamente. Outros anestesiam-se a fim de continuar “empurrando com a barriga”. E outros ainda, caem no caminho da auto-indulgência, pois, se tudo é tão ruim, por quê não dá a si mesmo um pouco de auto-compensação?
Estou voltando da floresta!
Meu pai tem casa por lá. As cutias comem no fundo do quintal, os rastros dos gatos maracajás aparecem na areia branca e fina, os pássaros gorjeiam aos milhares e os sapos são tenores, barítonos, baixos e sopranos!
E as guaribas?—uma espécie de macaco vermelho—cantam em grupos de 300 ou 400 todas as madrugadas de lua cheia, num coral de vozes guturais e barítonas, regidas pelo macaco chefe, o capelão!
E os igarapés? e as cachoeiras? e os peixes do paraíso, após cada provada não dá mais para comer peixe de mar, carregado de maresia?
E meus amigos caboclos? e suas histórias tão puras? e suas dores tão simples e não neuróticas? e suas alegrias tão singelas? e sua fidelidade tão florestalmente macha e digna?
Ah! hoje, mais do que nunca, entendo porque meu pai nunca quis vir para estas plagas—quase pragas—locais e urbanas, onde tudo e todos ofegam até enquanto dizem descansar!
Da floresta fui ao Recife lançar O Enigma da Graça, num evento patrocinado pelo Bispo Paulo Garcia e executado pelo Rev. Martorelli. Dantas, meu amigo de longa data, lá estava e com ele uma enorme quantidade de pastores filhos na fé e outros quase-filhos, sem falar numa imensa quantidade de amigos amados.
De lá fomos de carro para as Alagoas. Foram mais 5 dias de convívio abençoado com amigos que não sugam e que têm prazer apenas em ser e estar!
Preguei. Sim, algumas vezes. E não cansei.
Pregar descansado, des-cansa!
Estou escrevendo isto não sei nem por quê. Talvez apenas porque não necessite mais de um tema para escrever. A cada dia que passa meu tema é cada vez mais só e apenas a vida.
E é essa vida no descanso da Graça que quero viver. E é nessa paz de poder ser de Deus e servi-Lo sem messianismo de nenhuma natureza que estou gostando muito de viver!
Receba, portanto, esse meu texto apenas como uma espécie de diário emocional de 20 dias de paz!
Que Deus abençoe você!
Seu irmão,
Caio Fábio
*E-mail enviado pelo Rev. Caio Fábio d´Araújo ao Rev. Ricardo César Vasconcelos em, 20/02/2003
@ Pão Quente Diario
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