Alegações de ressurreição em religiões não-cristãs

Autor: Gary Habermas
Tradução: Vitor Grando

Gary Habermas é professor do departamento de Teologia e Filosofia da Universidade de Liberty. Junto com N.T. Wright é um dos maiores especialistas em Jesus histórico do mundo e grande apologista, autor de The Historical Jesus: Ancient Evidence for the Life of Christ. Nesse artigo acadêmico, Habermas investiga as alegações de deificação e ressurreição que existem fora do Cristianismo. Excelente

Introdução

Apesar das crenças cristãs serem, de um modo geral, amplamente conhecidas, especialmente no mundo ocidental, alguns adeptos de grandes religiões não-cristãs também alegam que alguns de seus rabinos, profetas, gurus ou “messias” ressurgiram da morte. A julgar pela relevante literatura religiosa, parece que tais alegações não-cristãs são geralmente ignoradas, talvez porque haja pouco conhecimento delas. Mesmo quando a existência de tais crenças é percebida, quase nunca há algum tipo de resposta detalhada à questão da possibilidade dessas alegações serem fundamentadas em eventos sobrenaturais da história.

Esse ensaio é um exame de algumas alegações de ressurreição em religiões não-cristãs desde os tempos antigos até os tempos modernos. A ênfase primária será colocada na questão da possibilidade desses eventos serem historicamente baseados em fatos sobrenaturais. Para alcançar esse objetivo, critérios históricos como também outros critérios críticos serão aplicados a essas crenças religiosas. Depois, alguns comentários serão feitos em relação à questão da possibilidade dessas alegações de ressurreição fornecer alguma base apologética para sistemas religiosos não-cristãos.

1. ALEGAÇÕES NÃO-CRISTÃS DE DEIFICAÇÃO E RESSURREIÇÃO

Como parte do diálogo entre ateus e teístas, (1) Robert Price recentemente alertou que não têm sido dada atenção suficiente aos fenômenos religiosos não-cristãos. Em particular, Price cita os relatos de fenômenos póstumos encontrados em outros sistemas de crenças, citando casos onde antigos heróis eram tidos como tendo sido deificados (que consiste em ascender aos céus ou ser divinizado) ou onde eles supostamente apareceram aos seus seguidores após a morte, geralmente para confortá-los. (2)

Tais alegações não são raras, especialmente desde o surgimento da disciplina História das Religiões no final do século dezenove, que freqüentemente focava a atenção na mitologia antiga e nas religiões de mistério em especial. (3)

Mas tanto devido a esse fenômeno ter sido demasiadamente discutido no último século e especialmente devido ao fato de ser difícil avaliar dados referentes a personagens mitológicos em termos históricos, nós focaremos nossa atenção nas alegações que envolvem personagens reais. (4) Até mesmo Price considera a hipótese mitológica como ‘insustentável’. (5) Por tais razões, pouco será dito, nesse ensaio, em relação a personagens não-históricos (mitológicos) que foram relatados como tendo sido deificados ou ressurgido dos mortos. (6) Para cada um desses casos encontramos inúmeros problemas, como uma séria escassez de dados históricos, relatos que são muito posteriores aos fatos ou histórias sobre personagens mitológicos que jamais existiram.

Nossa atenção será colocada nas relativamente poucas alegações de personagens históricos que foram deificados ou ressurgiram dos mortos. Exemplos da primeira categoria (deificação) incluem Júlio César, Augusto César, Apolônio de Tiana e Antinous. Exemplos da última categoria (ressurreição) incluem o Rabino Judah, Kabir, Sabbatai Sevi, Lahiri Mahasaya e Sri Yukteswar.

Deificação parece ser mais comum no mundo antigo, onde personagens históricos eram tidos como assuntos aos céus e deificados. No período Romano, esse processo era freqüentemente retratado pela visão de um cometa ou estrela no céu onde se acreditava que a alma do herói estava. Por exemplo, Suetônio relata que após a morte de Júlio César,

…um cometa apareceu aproximadamente uma hora antes do por do sol e brilhou por sete dias seguidos. Acreditava-se que isso era a alma de César, elevada aos céus; e, portanto, uma estrela, agora posicionada acima da imagem de sua face divina. (7)

Curiosamente, cometas eram tidos como sinais das mortes dos Imperadores Cláudio e Vespasiano. (8) Durante a cremação de Augusto César, Suetônio relata que “um ex-centurião jurou ter visto o espírito de Augusto subir aos céus em meio às chamas”. (9) Outro exemplo diz respeito à Antinous, o escravo favorito do Imperador Adriano. Quando Antinous morreu, Adriano aceitou o ensinamento de que uma certa estrela foi criada a partir da alma de seu escravo. Adriano construiu uma cidade no local da morte de Antinous e ergueu diversas estátuas em sua honra por todo o Império Romano. (10) Uma antiga estátua de Antinous proclamava sua glorificação aos céus e que ele era Osíris. (11)

Por último, e talvez o principal exemplo de deificação, diga respeito a Apolônio de Tiana, um filósofo neopitagórico do primeiro século que se acreditava possuir diversos poderes especiais, incluindo o poder de realizar milagres. A longa vida de Apolônio foi relatada em detalhes pelo seu principal biógrafo, Filóstrato, que concluiu seu relato alegando que Apolônio desapareceu de um templo e foi, portanto, provavelmente transportado aos céus e divinizado. Também nos é dito que ele apareceu posteriormente em sonhos para um jovem para convencê-lo da realidade da imortalidade. (12)

Em relação aos personagens históricos aos quais se atribui uma ressurreição, cinco casos serão mencionados rapidamente. O Rabino Judah I foi um mestre Judeu expoente que foi o grande responsável pela compilação final da Mishnah por volta de 200 A.D. É relatado nas Gemaras (N.T, uma espécie de comentário da Mishnah.) que, após sua morte em 220 A.D., “Ele costumava voltar para sua casa ao pôr-do-sol todos os Sábados”. Em uma ocasião, um vizinho se aproximou da porta da casa, mas foi logo dispensado pela empregada. Quando o Rabino Judah soube desse incidente, ele parou de voltar para sua casa para não se sobrepor a outras pessoas piedosas que não retornavam às suas casas após a morte. (13)

Kabir foi um mestre religioso que viveu entre os séculos XV e XVI que tentou combinar algumas facetas do Hinduísmo e do Islamismo. Após sua morte, geralmente datada em 1518, foi relatado que os seguidores de Kabir argumentavam entre si se deveriam cremar seu corpo de acordo com os costumes Hindus ou sepultá-lo de acordo com os hábitos Muçulmanos. Para acabar com a controvérsia, o próprio Kabir apareceu aos seus seguidores e mandou que tirassem o tecido que cobria seu corpo. Quando fizeram isso, ao invés do corpo de Kabir encontraram flores. Os Hindus queimaram metade destas flores enquanto os Muçulmanos enterraram a outra metade. (14)

Sabbatai Sevi foi um mestre Judeu do século XVII que alegou ser o Messias, uma alegação que, posteriormente, foi corroborada por um profeta chamado Nathan, um contemporâneo Judeu. Depois da morte de Sabbatai em 1676, foi relatado que seu irmão, Elias, foi ao túmulo e se deparou com um dragão guardando a entrada. Sendo permitido passar, Elias não encontrou o corpo, mas encontrou apenas a caverna totalmente iluminada. Também foi relatado que Sabbatai não morreu realmente, ele apenas pareceu ter morrido, esse ensinamento ganhou grande aceitação entre seus seguidores. Nathan concordou que Sabbatai não havia morrido, e afirmou que ele apareceria em breve. (15)

Um guru Hindu do século XIX chamado Lahiri Mahasaya morreu em 1895 e foi cremado após dizer aos seus seguidores que ressurgiria. Depois, foi dito que ele apareceu a três seguidores, cada um individualmente. Esses encontros foram breves, ocorrendo em três diferentes cidades praticamente ao mesmo tempo. Também foi dito que o corpo de Mahasaya foi transfigurado. (16)

Por último, outro guru Hindu, chamado Sri Yukteswar, morreu e foi sepultado em 1936. Um dos seus principais discípulos, Paramhansa Yoganda, nos conta que uma semana após ter uma visão de Krishna e mais de três meses após a morte de seu mestre, ele testemunhou uma aparição em carne e osso do falecido Yukteswar enquanto ele meditava. Ele relata que tocou o corpo de seu mestre e que conversou durante duas horas sobre a natureza do pós-vida. Yoganda também relata um incidente que ocorreu por volta de três meses antes, onde uma mulher idosa também relatou ter visto Yukteswar após sua morte. (17)

Se tais casos de deificação e ressurreição forem relatos de forma que não tenham passado pelo crivo da investigação crítica (como geralmente acontece) podemos ficar com a idéia de que alegações de fenômenos pós-morte são comuns e podemos até pensar que tais eventos ocorrem com certa freqüência. Alguns pesquisadores, como Price, parecem incentivar o ceticismo em relação a qualquer dado como esse devido aos vários paralelos existentes. (18) Outros, como Yoganda, concluem que houve vários líderes espirituais no mundo religioso que ressurgiram da morte. O interessante é que Yoganda ilustra essa afirmação se referindo à ressurreição de Jesus. (19)

2. CRÍTICA HISTÓRICA DAS ALEGAÇÕES NÃO-CRISTÃS DE RESSURREIÇÃO

Acredito que pesquisadores como Price e Yoganda não são suficientemente críticos de tais alegações. Curiosamente, todo esforço de Price, ao qual nós nos referimos acima, é dirigido à aplicação da critica histórica às crenças cristãs, ainda assim os paralelos não-Cristãos, que ocupam boa parte de seu ensaio, quase nunca são submetidos a críticas similares. (20)

Entretanto, e estranhamente, a abordagem de Price é duplicada por alguns outros estudiosos críticos. Enquanto há, frequentemente, um estudo aprofundado das alegações cristãs, as mesmas pessoas parecem ser bem menos críticas das crenças não-cristãs. John A.T. Robinson discutindo a possibilidade da ressurreição de Jesus, relata uma alegação Budista de deificação. Ele conta a história de um piedoso homem budista cujo corpo, poucos dias após sua morte em 1953, desapareceu de um lençol deixando para trás apenas suas unhas e cabelos. E já que um arco-íris foi visto sobre a casa na qual o corpo estava trancado, os habitantes locais presumiram que ele tinha sido “absorvido e transmutado” para a vida vindoura. E mesmo assim, não há praticamente nenhuma interação crítica com as inúmeras possibilidades críticas que podem ser aplicadas a tal relato. (21)

Mais um exemplo é dado por Charles Hartshorne que, ao discutir a ressurreição de Jesus, relata que todas as religiões relatam milagres. Por causa disso, Hartshorne declara, “Eu não penso que penso que posso escolher entre tais relatos…”. (22) Mas essa última declaração parece presumir que, só porque relatos de milagres existem aos montes, eles estão no mesmo patamar. Entretanto, tal visão (sem levantar a questão se milagres algumas fez já ocorreram) ignora o processo de interação crítica. Será que eles devem ser todos aceitos ou rejeitados en masse simplesmente porque existe uma enorme variedade de tais relatos?

Mas como afirmado anteriormente, temos que ser críticos tanto do ceticismo de Price em relação a todos os relatos como da aceitação de Yoganda da maioria deles, precisamente porque tais conclusões são, com freqüência, assumidas sem analisar os dados. Para ser mais especifico, Price, Yoganda, Robinson e Hartshorne todos estes se negam a aplicar críticas rigorosas as alegações não-cristãs.

Começando com os relatos de deificação, inúmeros problemas intransponíveis surgem imediatamente. Primeiro, as fontes que relatam os dados são relativamente tardias e, portanto questionáveis. Apesar de Suetônio realmente ter tido acesso a alguns relatos oficiais de Roma, ele escreveu 150 anos após Júlio César e aproximadamente 200 anos após Augusto. Apesar disso já ser o bastante para invalidar sua obra, inclusões de para-normalidade são comuns nos seus escritos históricos. (23) Além disso, a crença Romana na adoração do imperador ajuda a explicar as referências à deificação, quase metade dos doze imperadores citados por Suetônio foram tidos como tendo sido deificados após a morte. Dio Cassius também escreveu após aproximadamente 200 anos depois de Adriano.

Segundo, e mais importante, relatos em que se alega que um espírito ascendeu aos céus ou que afirmam que estrelas e cometas indicam a alma glorificada de uma pessoa não contam como evidência histórica de maneira alguma. No máximo, são testemunhos subjetivos que não podem ser expostos, de nenhuma maneira, a verificação.

Terceiro, relatos de deificação, sejam verdadeiros ou falsos, não necessariamente envolvem ressurreição. Em outras palavras, a crença na vida após a morte é totalmente diferente da alegação de que um personagem histórico foi ressuscitado dos mortos e apareceu a seus seguidores, que é o objeto desse estudo.

Como teste, vamos analisar o testemunho de Filóstrato em relação a Apolônio de Tiana, que é provavelmente a maior alegação de deificação. De fato, Price coloca bastante ênfase no relato desse antigo filósofo. (24) E, em particular, encontramos uma incrível série de problemas com qualquer tentativa de validar o relato de Filóstrato. (25)

1. Filóstrato escreveu depois de 100 anos após a morte de Apolônio. Novamente, isso não chega a ser um grande espaço de tempo, mas é suficiente para nos tornar cautelosos ao avaliar as fontes desse autor e o conteúdo de seus relatos.

2. Estudiosos críticos têm julgado a obra de Filóstrato como ficção romântica, uma das formas literárias mais populares do segundo século d.C. Existem diversas indicações de que o objetivo primário do autor não era produzir uma cronológica histórica exata da vida de Apolônio. (26)

3. Existem também sérias imprecisões históricas em sua obra, como as longas excursões de Apolônio para terras não-existentes como Nínive e Babilônia (que tinham sido destruídas centenas de anos antes). Da mesma forma, os diálogos com reis desses locais jamais poderiam ter ocorrido, no mínimo na forma em que são formulados. Isso também leva a questionarmos outras partes de sua obra. (27)

4. Filóstrato era comissionado para escrever sua obra por Júlia Domna, esposa do Imperador Romano Sétimo Severo, e é popularmente crido entre os estudiosos que ela o fez como “oposição a Jesus”. (28) Aqui temos indicações que as similaridades com Jesus eram mais do que coincidência.

5. Alguns duvidam se Damis, o discípulo de Apolônio a quem se atribui a autoria das principais fontes usadas por Filóstrato, sequer tenha existido. (29) E se Damis sequer existiu (diz-se que ele veio da não-existente Nínive, por exemplo), o material de Filóstrato é anônimo e, portanto certamente questionável.

6. Em relação às alegações sobrenaturais, Damis (ou o verdadeiro autor desse relato) “não é digno de crédito” como fonte e sabe-se que ele modificou a vida de Apolônio, especialmente os alegados milagres. Filóstrato adicionou muitos itens fictícios à vida de Apolônio e, novamente, milagres estão entre esses itens. (30)

7. Filóstrato admite abertamente que o relato de Damis termina antes da morte de Apolônio e, portanto nem sua morte nem qualquer alegação posterior são relatadas na única fonte substancial. Então Filóstrato se contenta em relatar “histórias” a respeito da morte de Apolônio explicitamente contraditórias que foram formuladas um século depois da morte dele. (31)

8. Por último, o desaparecimento de Apolônio do templo não fornece evidência para nenhum fato sobrenatural, especialmente deificação. E o sonho de um cético não fornece nenhuma evidência para uma possível ressurreição, especialmente quando sabemos que outros que estavam presentes não viram nada. (32)

Nós concluímos, então, que os relatos antigos de deificação são bastante problemáticos em relação aos seus fundamentos históricos, a falta de qualquer verificabilidade e o fato de que não existe nenhum relato substancial de ressurreição sequer. No nosso exemplo de Apolônio, inúmeros problemas sérios, incluindo o fato de a fonte usada por Filóstrato terminar antes da morte de Apolônio, invalidam a tentativa de afirmar qualquer evidência histórica para fenômenos pós-morte.

Em relação às alegações não-cristãs de ressurreição, a investigação crítica revela outros diversos problemas. Em relação ao relato de aparições pós-ressurreição do Rabino Judah, a questão mais importante é a data do testemunho. Enquanto o Rabino morreu em 220 A.D., a Gemara na qual o incidente está relatado é datada por volta do 5º século, (33) um espaço de tempo muito grande. Adicionalmente, parece haver apenas uma testemunha do evento (a empregada) e não há nenhuma tentativa de fornecer evidências. Isso não é dizer que o fenômeno não poderia ter ocorrido, mas apenas que seria virtualmente impossível sequer começar a comprová-lo.

No caso de Kabir, o principal problema é também a falta de evidências antigas e a falta de documentação de testemunhas oculares. (34) Assim, em relação aos dados históricos, nenhum relato relevante está disponível para exame. E, ao tentar reconstruir os eventos em torno da morte de Kabir surgem ainda mais problemas. Pode ser demonstrado que o desenvolvimento legendário se deu rapidamente nos relatos, especialmente em relação aos pontos envolvendo alegações sobrenaturais, como o nascimento milagroso, os milagres realizados durante sua vida e sua aparição aos discípulos após a morte. De fato, foi descoberto que isso é um processo muito comum e esperado na formação de uma lenda Indiana. (35) Outras críticas (especialmente formulações alternativas) poderiam ser niveladas no caso de Kabir, como faremos depois com outro relato. Mas a presença demonstrada de lendas especialmente nas porções cruciais dos relatos e a ausência de qualquer documentação histórica verificável são, em minha opinião, suficientemente decisivas nesse ponto da nossa investigação visto que isso nos impede de checar essas alegações posteriores de ressurreição.

Agora, o ponto principal nessa investigação não é uma rejeição a priori dos milagres. Nossas críticas do Rabino Judah e de Kabir não são por serem alegações de milagres e, portanto legendárias, mas sim que não há nenhum dado histórico confiável de uma fonte antiga e de testemunha ocular através das quais podemos avaliar tais alegações e compará-las com os testemunhos antigos. Em outras palavras, o ponto crucial não é as alegações de ressurreição. Isso certamente não é nenhuma anomalia. O que é importante é que há uma escassez de verificabilidade para tais alegações. E na ausência dessa documentação crucial, tais conclusões são necessárias.

Outra dos casos favoritos de Price é Sabbatai Sevi, (36) mas esse exemplo, como o de Apolônio de Tiana, revela inúmeros problemas para qualquer um que tente argumentar a favor de uma ressurreição ou qualquer elemento sobrenatural. Histórias de milagres em relação à Sabbatai se disseminaram quase que imediatamente após sua aparição em várias cidades, com cartas da Palestina sendo enviadas para várias comunidades no Norte da Europa. As cartas, que foram enviadas para lugares distantes e diversos, contêm muitos rumores e relatos não substanciados. Como Stephen Sharot afirma:

Havia, frequentemente, largos espaços de tempos entre os ensinamentos de Nathan, os eventos concernentes a Zvi no Oriente Médio, e o conteúdo das noticias. … As cartas e rumores que relatam milagres e eventos mitológicos e apocalípticos ocorrendo no presente… . (37)

Alguns desses relatos continham algumas alegações estranhas de que as dez desaparecidas tribos de Israel reapareceram na Arábia, que Meca foi destruída e que algumas Igrejas Cristãs tinham sido absorvidas pela terra. (38)

Além disso, 2. Relatos Cristãos, dependentes de relatos judaicos, “adicionaram suas próprias distorções, exageros, e embelezamentos”. (39)

3. Nathan, precursor de Sabbatai, argumentou contra tais relatos milagrosos dizendo que somente a fé era suficiente. (40) Surgem outros problemas em relação às alegações de Sabbatai de ser o Messias.
4. Algumas das atividades e alegações de Sabbatai podem ser explicadas pelo fato de ser sabido que ele era um maníaco depressivo. (41) 5. Mas ainda mais devastador, Sabbatai foi aprisionado por Muçulmanos Turcos e lhe foi dada a escolha de morrer ou se converter ao Islã. Sabbatai não só negou que tivesse feito qualquer alegação messiânica, mas se converteu ao Islã e encorajou alguns de seus discípulos a fazerem o mesmo! A maioria de seus seguidores admitiu que estivessem errados, e alguns ainda se converteram ao Cristianismo. (42)

E em relação à morte de Sabbatai e os fatos posteriores? Novamente, encontramos diversos problemas ainda mais sérios. 6. Apesar de Sabbatai ter morrido em 1676, o principal ensinamento dos Sabbatianos foi que ele apareceu apenas para morrer. Em principio, essa visão pode estar próxima a deificação descrita anteriormente, principalmente em relação aos Imperadores Romanos. (43) 7. Em relação ao incidente no qual Elias, irmão de Sabbatai, encontrou o túmulo vazio, Scholem nota os estágios específicos através dos quais essa lenda se desenvolveu, evidenciado pelos documentos internos do próprio grupo. (44) 8. Enquanto uma carta relata o ensinamento de Nathan de que Sabbatai ainda estava vivo e que Nathan iria encontrá-lo em breve, Scholem aponta que mesmo quando essa carta foi escrita, Nathan já estava morto um mês antes e sem ter encontrado Sabbatai. (45) 9. Por último, aparentemente não havia nenhuma alegação de que Sabbatai apareceu após sua morte, especialmente quando vemos que foi oficialmente ensinado por Nathan que ele sequer tenha morrido! De qualquer forma, não há nenhuma evidência histórica para a ressurreição de Sabbatai.

Em relação às alegações de que Lahiri Mahasaya e Sri Yukteswar ressurgiram dos mortos, novamente precisamos aplicar o mesmo tipo de questionamento critico que nos propomos anteriormente. Apesar de nos ser dito que Mahasaya apareceu a três individuos e Yukteswar é dito como tendo aparecido a dois, um dos quais o tocou, inúmeras perguntas têm de ser feitas.

Por exemplo, todos os cinco relatos de aparição aconteceram para certos indivíduos, enquanto tais indivíduos estavam sozinhos. Especialmente a luz desse fato e a possibilidade de luto na maioria dos casos, alucinação é certamente uma conclusão bem plausível (se não provável). E em relação a outras teorias subjetivas como auto-sugestão, especialmente com pessoas que estavam tão ansiosas por aceitar a crença em tais fenômenos? (46) E fenômenos para-psicológicos como atividades ocultistas não poderiam também ser um fator, o que é certamente possível, se não indicado, na maioria dos casos? (47)

Relatos embelezados através dos tempos é fato conhecido na literatura religiosa, como apontado anteriormente nesse ensaio, mas os relatos acima certamente não eliminam tal possibilidade.

A prática de meditação oriental também precisa ser mencionas como um possível fator contribuinte, no mínimo no exemplo onde Yoganda alega ter visto e tocado seu ex-guru Yukteswar enquanto meditava. Isso é ainda mais provável por Yoganda nos informar que isso aconteceu “uma semana depois da visão de Krishna”, quem ele viu sobre o telhado de uma casa próxima “acenando para mim, sorrindo e acenando a cabeça em forma de saudação”. (48) Para mim, no mínimo, essa última declaração sozinha é suficiente para abalar a credibilidade do testemunho dado no relato da ressurreição. (49) E não devemos descartar a possibilidade de uma plena confusão de diversos tipos em alguns desses relatos. Price aponta um flagrante caso disso na tradição muçulmana. (50) Deve ser relembrado que nenhuma teoria alternativa tem que responder por todas as aparições relatadas. Teorias diferentes (ou até mesmo combinadas) podem ser a resposta.

Novamente, como fizemos antes, devemos também notar que não é o bastante simplesmente relatar um milagre. Tal relato tem que ser substanciado e provado para fundamentar a crença de alguém. E o ônus da prova pertence a quem alega, nesse caso, que uma ressurreição ocorreu. Uma alegação milagrosa requer fortes evidências já que, por definição, tais eventos não são corriqueiros. (51) Mas a prova necessária não é apresentada em nenhum desses casos não-cristãos que nós avaliamos. Simplesmente apresentar um relato de ressurreição não é o mesmo que substanciar ou provar tal caso e, sem evidência para estabelecer o relato, o milagre não pode servir como prova para um sistema de crença religiosa ou teológica.

3. CONCLUSÃO

É um fenômeno interessante o fato de alguns estudiosos que são críticos na sua abordagem as alegações cristãs (52) seja bem menos críticos quando avaliam as alegações não-cristãs de deificação e ressurreição. Mas é necessário dizer que tais alegações não passam satisfatoriamente pelo crivo da investigação histórica. Agora isso não desmente tais crenças; apenas revela que elas não podem ser estabelecidas (ou conhecidas) pela metodologia histórica.

Mas e se mais evidências surgirem no futuro para algumas dessas alegações não-cristãs ou se surgirem casos totalmente novos? E se surgiram evidências antigas para os relatos de Kabir? Ou e se surgiram evidências de diversas testemunhas oculares de uma só vez envolvendo as ressurreições Indianas?

Inicialmente, deve ser mencionado que tais suposições são arbitrárias já que alguém poderá sempre postular a possibilidade de evidências futuras para qualquer proposição. Mas mesmo além disso, nos exemplos de Kabir e dos gurus Indianos (como outros analisados nesse ensaio) tais evidências podem ajudar a eliminar a principal alternativa naturalista, mas não descartariam algumas das outras possíveis hipóteses como as que mencionamos. Mas todas as possíveis teorias naturalistas têm que ser abordadas, simplesmente inúmeros dados seriam exigidos.

Então para concluir, alegações não-cristãs de ressurreição não são provadas pelas evidências. Qualquer das diversas hipóteses naturalistas é possível e, em alguns casos, uma ou mais podem ser postuladas como causa provável. Simplesmente relatar um milagre não é suficiente para estabelecê-lo, especialmente se o milagre for usado para fundamentar um sistema religioso. E para responder uma questão apresentada no inicio desse ensaio, religiões não-cristãs não podem usar suas alegações de ressurreição para fornecer evidências para o sistema em questão se tais alegações não são substanciadas.

Liberty University
Lynchburg
Virginia, U.S.A.

1. ‘Christianity Challenges the University: An International Conference of Theists and Atheists’, que ocorreu em Dallas, Texas on 7-10 Fevereiro 1985.
2. Robert Price, ‘Is There a Place for Historical Criticism?’ especialmente pp. 2-3, 14-25.
3. Por exemplo, veja Otto Pfleiderer, The Early Christian Conception of Christ: Its Significance and Value in the History of Religion (London: Williams and Norgate, 1905)
4. Até mesmo Pfleiderer, por exemplo, é critico de sua próprias obras (ibid. pp. 153—9) e concorda que tais relatos mitológicos não podem explicar as origens Cristãs primitivas (ibid. pp. 157-8).
5. Price, pp. 19-20.
6. Exemplos disso são as histórias de Rômulo que foi assunto aos céus e glorificado, aparecendo posteriormente à Julio Proculo (Ovid, Metamorphoses 14.805-51; Fasti 2.481-509). Relatos conflitantes são descritos por Livio, que afirma que Rômulo ou desapareceu num trovão, sendo declarado como deus posteriormente ou que ele foi morto pelos senadores (The History of Rome 1.16). (Curiosamente e similar a outros problemas apontados abaixo, Ovidio e Livio escreverem cerca de 700 anos depois de Rômulo supostamente viveu. Esse grande buraco de tempo se junta a questões quanto a existência de Rômulo.) Hércules, um herói da mitologia Grega, é tido como tendo sido queimado até a morte numa pira funeral, depois sendo assunto aos céus e glorificado por Júpiter. Veja Thomas Bullfinch, Mythology (New York: Dell Publishing Company, Inc., 1959), pp. 122-3. Mas Rouse relata o conto conflitante de que Hércules morreu depois de vestir um manto encantado, depois disso sua alma foi para o céu. Veja W. H. D. Rouse, Gods, Heroes and Men of Ancient Greece (New York: New American Library, 1957), p. 70. Enéias, herói da Iliada de Homero e o personagem principal da obra Aneida de Virgilio, é tido como tendo se estabelecido próximo ao rio Tibre. Tendo desaparecido após uma batalha, foi relatado que ele se juntou aos deuses (Price, pp. 28-9). Aristeu é tido como se tivesse entrado na casa de fuller, onde morreu. Quando seus parentes chegaram, ele não se encontravam em lugar algum. Então passaram a crer que ele foi assunto aos céus. Ele depois, supostamente, reapareceu sete anos depois, desapareceu, e reapareceu de novo, 340 anos depois (Origen, Contra Celso 3.26). Orígenes descreve inúmeras criticas a essas histórias (Contra Celso 3.27-9). Por último, Asclépio era um médico que curava através de medicamentos e óleos. Ele foi morto por Júpiter (Zeus) mas ressuscitou e se colocou entre as estrelhas (Rouse, p. 87) ou entre os deuses (Bullfinch, p. 106). Para os relatos dos deuses de mistério ver Pfleiderer, especialmente pp. 91-100.
7. Suetonius, The Twelve Caesars, traduzido por Robert Graves (Baltimore: Penguin Books, 1957), 1.88.
8. Ibid. v.46 and x.23, respectivamente.
9. Ibid. II.100.
10. Dio Cassius, Roman History, 69.11.2. See David R. Cartlidge and David L. Dungan, Documents for the Study of the Gospels (Cleveland: William Collins, 1980), p. 199.
11. Ibid. p. 198.
12. Philostratus, The Life of Apollonius of Tyana, translated by F. C. Conybeare, two volumes, Loeb Classical Library (Cambridge: Harvard University Press, 1969), especially vm.3i.
13. Israel W. Slotki, editor, The Babylonian Talmud (Seder Nashim, Kethuboth), translated by S. Daiches (n.p.: The Rebecca Bennett Publications Inc., 1959), Vol. III, XII.103A.
14. James Hastings, editor, Encyclopedia of Religion and Ethics, s.v. ‘Kabir, Kabirpanthis’, pp. 632-4.15.
15. Veja especialmente Gershom Scholem: The Mystical Messiah (Princeton: Princeton University Press, 1973), 00. 917-29.
16. Paramhansa Yoganda, Autobiography of a Yogi (Los Angeles: Self Realization Fellowshi, 1956), pp. 348-50
17. Ibid. pp. 413-33
18. Price, especialmente pp. 14-25, 28-30
19. Yoganda, p. 3131; cf. p .349
20. Price, pp. 2-3
21. John A.T. Robinson, The Human Face of God (Philadelphia: Westminster Press, 1973), pp. 138-9.
22. Veja a resposta de Charles Harshorne no livro Did Jesus Rise From the Dead? The Resurrection Debate (San Francisco: Harper and Row, 1987), p.137.
23. Veja o prefácio de Robert Graves ao livro The Twelve Caesars, p. 7 de Suetônio
24. Price, pp. 19, 23, 28-9
25. Deve ser cautelosamente observado aqui que Price não duvida que tenha muita lenda nos relatos de Filóstrato, como ele diz (pp. 23,29). Ainda assim, ele não submete os relatos de Filostratos ao mesmo tipo de critica histórica que ele aplica ao Cristianismo.
26. Para detalhes, veja Howard Kee, Miracle in the Early Christian World New Heaven (Yale University Press, 1983), p. 253; Hastings, p. 699; S.A. Cook, editor, The Cambridge Ancient Histon. xn Cambridge: Cambridge University Press, 1965), p.611.
27. Por exemplo, também é reconhecido pela maioria dos estudiosos que Filóstrato colocou palavras na boca de Apolônio que este jamais poderia ter dito, como é indicado pelo fato de algumas dessas porções são tiradas de outras obras do próprio Filóstrato (como por exemplo Lives of the Sophists).
28. James Ferguson, The Religions of the Roman Empire (Ithaca: Cornell University Press, 1970), p.51. Cf. Cook, p.613; Hastings, p.610.
29. Ferguson, p. 182; Kee, p. 25; Charles Bigg, The Origins of Christianity (Oxford: Clarendon Press, 1910), p. 306.
30,. Para esses problemas, veja a Introduction to Philostratus Work de Conybeare, páginas vii-x. Cf. Carlidge and Dungan,p.206.
31. Philostratus, VIII.29
32. Ibid, VIII.31.
33. Conversa pessoal com Asher Finkel, Seton Hall University, 24 de Maio de 1988.
34. Enquanto alguns dos dizeres de Kabir foram copiados por volta de 50 anos depois de sua morte, os estudiosos contemporâneos não estão certos sobre exatamente quais desses ensinamentos foram dele e quais foram acrescentados após a vida de Kabir, , especialmente desde que os poemas e versos são frequentemente misturados com os de outros autores. Mas de qualquer forma, esses escritos não incluem os dados históricos em questão. Veja, por exemplo, John Clark Archer, The Sikhs (Princeton: Princeton University Press, 1946), pp. 50, 52-
35. Mohan Singh, Kabir and the Bhagti Movemtn (Lahore, 1934). Ver Archer (pp. 63-4) que sumarizou a demarcação de Singh dos passos através dos quais as lendas se desenvolveram nos ensinamentos sobre Kabir.
36. Price, pp. 4-5, 9-10, 27
37. Stephen Sharot, Messianism, Mysticism and Magic: A Sociological Analysis of Jewish Religious Movemtns (Chapel Hill: University of North Carolina, 1982), pp. 87-8,90.
38. Ibid. p.88.
39. Ibid.
40. Ibid. pp. 87-8
41. Ibid. p.91; Gernshom G. Scholem, Major Trend in Jewish Mysticism (New York: Schocken Books), p. 90.
42.Para ver o relato de Sharot desses eventos, ver pp. 115-17
43.Scholem, Sabbatai Sevi, pp. 920, 922-4; Sharot, p. 122.
44. Scholem, ibid. pp. 919-20
45. Ibid. p. 925.
46. Yoganda, pp. 313, 349.
47. Por exemplo, um ex-guru Indiano afirma: “Meu mundo estava cheio de espíritos e deuses e poderes ocultos, e minha obrigação desde a infância era dar-lhes o que lhes era devido.” Ver Rabindranath R. Maharaj (with Dave Hunt) Escape in to the Light (Eugene: Harvest House Publishers, 1984), p. 24. Esse volume foi pela publicado pela primeira vez com o nome de “ Death of a Guru (Philadelphia: H.J.Holman, 1977).
48. Yoganda, p. 413.
49. A simples incrivel natureza da alegação de ter visto Krishna, atrevo dizer, já perturbaria muitos pesquisadores. Mas além disso (pois não devemos rejeitar alegações a priori), como Yoganda poderia ter reconhecido e identificado Krishana mesmo se o tivesse visto? E se há um problema aqui, o que falar da visão de Yukteswar? Em outras palavras, se Yoganda não pode positivamente identificar Krishna com certeza (ou no mínimo num sentido evidencialista), o que pode ser dito em relação a outra alegação de aparição, que também foi bastante subjetiva? De fato, eu diria, no mínimo, que Yoganda comprometeu seriamente seu testemunho.
50. Price, p.13.
51. De forma geral, eu penso que é verdadeiro que as pessoas precisam de mais evidência para aceitar um evento extraordinário do que aceitar uma ocorrência corriqueira. Apesar de discordar da posição de David Hume de que nenhuma evidência pode estabelecer um milagre. (Para entender a posição de Hume em relação a isso veja a seção “Of Miracles”, parte 10 de An Enquiry Concerning Human Understanding.)
52. Estranhamente, apesar de Price ser critico das alegações cristãs, ele conclui sua discussão sobre a ressurreição de Jesus com este comentário intrigante: “…não é necessário presumir que não houve ressurreição. De fato, foi precisamente por experiências de algum tipo… que alguém ser importou em glorificar Jesus” (p.20).

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