Autor: Jonathan Menezes
Você tem certeza de sua salvação? Bem, se você é evangélico e não tem, então é melhor começar a ter, pois na igreja evangélica brasileira, em geral, quem não tem esse tipo de “certeza” está fadado a ter sérios problemas. O primeiro problema é ser aceito como membro de uma igreja. Em muitas delas, para estar apto a se tornar membro, a pessoa tem de se sujeitar a uma bateria de “exames” de admissão, sendo que em algumas, isso começa com o que agora chamam de “Encontro com Deus”, que consiste em alguns dias de refúgio para ter um encontro mais do que especial com o Divino – e, é claro, para isso é preciso se apartar da convivência com os outros! – o que em muitos casos implica em conversão, outros em re-conversão (ou re-batismo). Isso mesmo, independente dos anteriores encontros que supostamente a pessoa tenha tido com Deus, para se tornar membro da Igreja X ela precisa passar pelo crivo da “verdadeira conversão” a Jesus, na visão daquela comunidade. Mas é claro que ninguém colocaria isso assim dessa forma. Há outras formas mais politicamente corretas de se colocar, tipo (o mais comum): “É um processo que a pessoa passa para se integrar à visão da nossa igreja”.
Depois do encontro, a pessoa passa por uma classe pré-batismal – casais que vivem juntos, mas não casados legalmente nem chegam a esse estágio, pois são considerados inaptos logo de cara – quando ela será introduzida à “doutrina” a qual passará a professar e, obviamente, será submetida à outra bateria de provas até que chegue ao batismo. Em meio a toda essa “burocracia espiritual” (alguns diriam “lavagem cerebral”), o novo crente – ou “novo” pelo menos para a Igreja X – certamente se deparará com a tão crucial pergunta: “Você tem certeza de sua salvação?”. E, evidentemente, a resposta de todo mundo é sempre “sim”. Mas minha duvida capital aqui é: e se a resposta fosse “não”, ou “não estou muito certo ainda”? Tal pessoa, assim, não estaria apta a se juntar a Igreja X? E se não, por que não? Quero dizer, que diferença faz na economia da salvação (pela graça) se sempre tenho certeza ou não? E, afinal de contas, o que significa “ter certeza”?
Bem, alguém a essa altura pode estar se perguntando: será que esse cara não sabe que a fé é “a certeza das coisas que não se vê”? Sim, eu responderia. Mas que certeza é essa, cara-pálida? Seria assim uma certeza que não admite incertezas ou dúvidas, do tipo: “tudo bem, creio na salvação, mas ajuda-me na minha falta de fé”? Tipo, às vezes penso que certas perguntas não passam de retórica barata, pois elas têm um único endereço, caixa postal, fora da qual nada é admissível e tudo está errado. Mas, ora essa, se às vezes lamento, se tenho dúvidas, se nem sempre estou tão certo, ou quem sabe convicto, mas abalado, e de alguma forma tento expressar isso, é porque (1) sou humano e (2) porque sou honesto para admitir tudo isso.
Isso significa que não tenho fé? Não. Significa que a minha fé está se fortalecendo por meio das crises. Implica que não sou um “verdadeiro salvo”? Não – afinal, qual de nós seria capaz de separar salvos de não salvos? Esse negócio de verdadeiro salvo, puro evangélico ou 100% cristão é idiotice! Esqueça isso, e se afaste desse tipo de demência espiritualista, para o bem da sua alma. Implica, eu creio, que, embora já tenha sido salvo, continuo sendo salvo de meus muitos desvios e descaminhos, e reconduzido, tal qual o pródigo, à casa do Pai pela graça de Cristo, que nunca me é sonegada, mesmo quando minha resposta for: “não tenho muita certeza”, mas sinceramente quero ter. Pois, se alguém já está plenamente certo e seguro de tudo, para que precisa de graça? O caminho para a honestidade com Deus – contra toda forma e “adestramento” – é reconhecer que não somos, estamos sendo, que não nos tornamos, mas estamos nos tornando, dia após dia, em meio a avanços e reveses, na fornalha da transformação de Deus, que não está interessado na resposta pronta de lábios adestrados, e sim em tudo o que somos com tudo que isso implica.
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