Autor: Pedro Brito
Mateus 18, 21-35: “Não sete, mas setenta vezes sete”
“Senhor, quantas vezes devo perdoar a meu irmão, se ele continuar a ofender-me? Até sete vezes?”
Esta dúvida de Pedro surge no seguimento do que Jesus tinha dito antes, conforme o evangelista Mateus o escreveu. Ele fala na ovelha reencontrada. Fala também na necessidade de os irmãos se reconciliarem.
Pedro ouvindo isso, ficando na dúvida faz aquela pergunta ao seu Mestre: “Senhor, quantas vezes devo perdoar a meu irmão, se ele continuar a ofender-me? Até sete vezes?”
Reparemos na dúvida de Pedro. Ela é legítima, faz sentido. Devemos perdoar sete vezes, devemos dar sete oportunidades ao nosso irmão. É que sete parecem ser vezes mais do que suficientes para perdoar.
Sete são os dias que Deus demorou a criar a Terra, sete são as igrejas a quem o autor do apocalipse escreve. O número sete é um número divino, um número perfeito e que aparece na bíblia mais de 300 vezes. Sete são as mortes que sofrerão entre os seus, quem matar Caim, conforme lemos no livro do génesis. Ou noutras traduções: sete as vezes que serão castigados os que matarem Caim. “Perdoar sete vezes é um acto de bondade, de conformidade com Deus, pois, apesar da maldade terrível que Caim praticou, matando o seu irmão, Deus protege-o daquela maneira. Perdoar sete vezes, talvez seja um acto de obediência a Deus, de fé, de justiça ou não?” Parece Pedro perguntar.
“Devemos perdoar tantas vezes quantas as de Deus? Sete? É porque sete vezes, a mesma pessoa, ainda que seja meu irmão, a fazer-me mal já chega! Se sete é o número perfeito, o número divino, o número de dias que Deus escolheu para criar o mundo, o número para perdoar Caim e o proteger, talvez, seja o número bastante para a paciência de Deus, quanto mais para qualquer um!”
Mas a resposta de Jesus é: “Não! Não até sete, mas até setenta vezes sete.”
De facto, parece que Pedro até entendeu bem o que Jesus queria dizer quando falou da ovelha perdida que foi reencontrada, e quando disse da necessidade da reconciliação entre os irmãos. Entendeu bem, pois cheio de bondade humana pergunta se perdoar sete vezes é suficiente. E se tivesse dito três seria igualmente bondoso. É que, qual será o homem ou a mulher que está pronto a perdoar três vezes? Uma vez custa, duas vezes, hum…com maior dificuldade. Três?…E o número três é igualmente um número divino. O número da trindade: Pai, Filho e Espírito Santo. À terceira cai quem quer, diz um ditado popular. Três vezes são vezes suficientes para podermos julgar o nosso irmão ou nossa irmã. Se três vezes nos falha, isso chega para já não acreditarmos nela.
Ora, Pedro, não diz três, ele vai mais longe: ele pergunta se são sete as vezes suficientes para podermos julgar o nosso irmão. Se sete são as oportunidades que lhe damos.
Jesus parece responder: “Ainda não. Sete vezes ainda não são as oportunidades que lhe devemos dar. Setenta vezes sete é o número.”
Voltemos ao livro do Génesis. Como pudemos ler no capítulo 4, versículo 16, Caim afastou-se da presença de Deus. Os versículos seguintes contam-nos que ele teve uma descendência, só por si uma bênção de Deus no Antigo Testamento. Ora, um dos seus descendentes, Lamec, nos versículos 23 e 24 canta desta maneira: “Estou pronto a matar um homem, por uma ferida que me faça ou um jovem, por uma simples beliscadura. Pois se Caim tinha de ser vingado sete vezes, Lamec será vingado setenta e sete vezes mais. Ou como algumas traduções dizem “setenta vezes sete”.
Portanto a lógica humana pode chegar a este ponto: abusando do perdão e protecção de Deus que me foi oferecida, faço-me mais justiceiro que Deus, mais vingativo. Reparemos como o ser humano pode ter memória curta e pode se arrogar a, nem sequer a querer ser igual a Deus, mas superior a Ele, mais justo que Ele.
Não, Paulo na carta ao Romanos que lemos pergunta: “por que julgas tu o teu irmão ou porque o desprezas? Temos todos de nos apresentar diante de Deus para sermos julgados por Ele.”
Prezadas irmãs e prezados irmãos: como compreender o Perdão de Deus? O perdão de Deus demonstrado na entrega de amor do seu Filho Jesus Cristo? Como compreender que para Jesus foi possível perdoar setenta vezes sete e essa infinita capacidade de amar, de se entregar, de procurar a reconciliação e as ovelhas perdidas lhe trouxe a ressurreição? Como compreender a possibilidade de perdoar que nós temos na mesma medida que ele, pela presença do Ressuscitado em nós?
Ao ser humano parece ser impossível. Para aquele administrador do rei, foi impossível perdoar uma divida que lhe tinham. Uma divida que correspondia, naquele tempo a cem salários diários. Muito alta. Contudo, este administrador foi perdoado de uma divida de 60 milhões de salários diários. Não, muitas vezes, vezes demasiadas não conseguimos compreender esse perdão de Deus. Esse amor de Deus que está sempre pronto a nos perdoar ainda que tenhamos 60 milhões de dívidas para com Ele. Não conseguimos compreender. Se conseguíssemos compreender bem o que significa o perdão de Deus demonstrado por Jesus na cruz, esse perdão que nós aceitamos, que acolhemos pela fé nas nossas vidas, e que nos trás a paz do ressuscitado, a paz para com Deus, como é que permanecíamos incapazes de perdoar as muitas ofensas dos nossos irmãos.
Não conseguimos compreender esse perdão imenso de Deus.
Não conseguimos compreender porque se matam inocentes, porque se deixam queimar florestas, porque é que o meu irmão me trata com desprezo, me mente, não me fala, está de costas voltadas para mim. Talvez ele não queira ser perdoado, talvez não procure o perdão de Deus, e muito menos o do irmão com quem estão separados.
Como compreender o Jesus Cristo que nós acreditamos e que comeu à mesa com a escumalha da sociedade, pecadores, cobradores de impostos, gente de duvidosa reputação. Jesus veio para salvar os pecadores, ele procurou-os e isso para nós é incompreensível, como é que um homem bom procura os pecadores.
Impossível de compreender. Impossível de perdoar as imensas dividas, ofensas, atrocidades que se praticam hoje em dia à face da terra.
O rei perdoou os 60 milhões de salários diários que o administrador lhe devia, quando este lho pediu de joelhos. E, no entanto, este foi incapaz de perdoar a dívida do companheiro.
Como é que somos capazes de pedir perdão a Deus, se somos incapazes de o dar a quem nos vem pedir? Não se compreende. Não se compreende como é que se está bem com Deus e está-se mal com o irmão. Não faz sentido aceitar o amor de Deus que queima os nossos pecados e alimentar, dia após dia, ano após ano o fogo do ódio, da vingança, da raiva, do desentendimento com os outros. Não se compreende. E quem não compreende isto não são só crentes, são também os que olham para nós como cristãos que somos e vêem o abismo que existe entre aquilo que é o Jesus que pregamos e acreditamos e o Jesus que vivemos e seguimos
Jesus veio demonstrar pela sua vida, paixão, morte e ressurreição, o que é o amor e o perdão incompreensíveis ao ser humano que trazem a salvação. Que esse amor e esse perdão que habita em nós permaneça para que os possamos levar, esse amor e esse perdão até aos confins da terra e que o mundo um dia diga a uma só voz: Compreendemos!
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