A solidariedade adormecida que há em todos nós

Autor: Valério G. Schaper

Contou-me uma amiga que, num bairro tranqüilo de uma cidade em que o contato entre as pessoas havia esfriado, apareceu um homem. Estranho, maltrapilho, sujo, um saco nas costas, perambulou pelas ruas do bairro toda a manhã. Aos poucos atraiu a atenção de todos, principalmente das crianças, fascinadas com aquele homem diferente.

Ele parou defronte uma casa, sentou-se, abriu o saco e tirou três pedras arredondadas e muito alvas. Em seguida, tirou uma grande panela preta e já bem gasta. Então, dirigiu-se à casa defronte, chamou a dona da casa e perguntou se podia encher de água a panela na torneira do jardim. A mulher não viu grande problema e concordou. Porém, curiosa, aproximou-se.

O estranho homem tomou as três pedras e colocou na água. Ajuntou papéis velhos pela rua, alguns gravetos espalhados, um resto de madeira de uma construção e fez um belo fogo. Tirou do saco uma armação de metal, fincou no chão. A senhora, não cabendo em si de curiosidade, perguntou: “Mas o que o Senhor pretende fazer?”. “Vejo que a senhora nunca viu algo assim”, respondeu o homem. “Pretendo fazer uma deliciosa sopa de pedras.” Dito e feito, colocou a panela presa na armação de metal que ficou suspensa sobre o fogo. “Mas só tem pedras!”, observou uma das crianças que estava por ali. “É, você tem razão, acabei me esquecendo do sal. É o sal é que dá o sabor, sabe?” O menino, ansioso, disse: “Ok, não há problema, eu posso arranjar um pouco de sal na minha casa. Acho que não fará falta.” Em seguida, voltou com o sal. O homem acrescentou o sal e provou: “Hum, excelente!”.

Entrementes, mais gente aproximava-se do local e já se formava uma pequena multidão. “Sabe, disse o homem, acho que um fio de óleo faria uma enorme diferença nesta sopa.” Uma senhora disse: “Isso não é problema. Eu arranjo o óleo. Quero ver como fica essa sopa de pedras.” Acrescentado o óleo, o homem provou e disse: “Está ficando delicioso, mas…se tivéssemos…alguns legumes…não sei…acho que ficaria saboroso.” Algumas quantas pessoas ofereceram-se para trazer de suas casas alguns legumes. Rapidamente, o homem estava descascando batatas, cenouras, chuchus, etc. Todos estavam ansiosos para ver logo pronta a tal sopa de pedras. O homem, paciente, acrescentou os legumes à água borbulhante. Provou novamente e, após um breve silêncio, disse: “Na verdade, uma boa sopa de pedras leva um pouco de carne.” O senhor do açougue disse: “Sem problemas. Já trago um naco de carne para esta curiosa sopa de pedras.”

Após ter colocado a carne, o homem provou novamente e disse: “Está quase perfeita. Só falta mesmo aquele toque final do temperinho verde…” Lá do fundo, ouviu-se a voz de uma senhora já bem idosa, cuja horta era a mais invejada do bairro: “Não seja por isso, aqui estão os meus temperinhos fresquinhos e umas folhinhas de couve.”

 
Todos estavam curiosos. Finalmente, o homem declarou que a sopa esta concluída. Calmamente ele tirou as três pedras da panela, limpou-as com cuidado e guardou-as novamente no saco. Disse então a todos: “Bom, a sopa de pedras está pronta. Tragam os seus pratos, vamos almoçar.” Todos trouxeram rapidamente os seus pratos e quem não tinha conseguiu emprestado.

Logo todos comiam e, além da sopa, circulava um pãozinho caseiro, um suco de frutas. A opinião era unânime: a sopa de pedras era deliciosa. Quando todos estavam fartos, quiseram falar com estranho homem. Infelizmente, ele não estava mais ali. Havia partido, disseram as crianças.

Sabe-se lá onde ele está agora iniciando uma nova SOPA DE PEDRAS.

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* P. Dr. Valério G. Schaper é professor na EST – Escola Superior de Teologia

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