A propósito da Reforma Protestante

Autor: Paulo Lockmann

“Por esta razão, importa que nos apeguemos, com mais firmeza, às verdades ouvidas, para que delas jamais nos desviemos. Se, pois, se tornou firme a palavra falada por meio de anjos, e toda transgressão ou desobediência recebeu justo castigo, como escaparemos nós, se negligenciarmos tão grande salvação? A qual, tendo sido anunciada inicialmente pelo Senhor, foi-nos depois confirmada pelos que a ouviram…” (Hb 2. 1-3)

1. Introdução – O que vemos?

Estamos vivendo um tempo quando as pessoas estão cada vez mais religiosas. Minha esposa fez referências, há poucos dias, a que, num programa de televisão, uma escritora e roteirista de cinema e teatro, mulher culta e inteligente, falando sobre religião, mencionou que todos os dias ela acende suas velas e faz a sua adoração. Quando perguntada a quem ela adorava, ela respondeu que não sabia; simplesmente adorava.

Este estado de coisas tem a ver com a insegurança em que vivemos; saímos de casa sem saber com certeza se voltaremos vivos, há guerras e rumores de guerra, e não é só lá distante no Iraque, é em vários pontos da nossa cidade, isto quando não entra sala a dentro de nossa casa através dos noticiários.

Soube que vários bispos católicos estão liberando, em suas dioceses, os cultos de estilo neopentecostal, cura e exorcismo, venda de objetos consagrados: cruz, água, óleo, livros, etc… No meio neopentecostal, nós, vemos grupos com promoções do tipo: “Traga um novo convertido para nossa igreja, o primeiro dízimo dele será seu!” Querem mais? Há outra que diz: “Venha para nosso grupo; aqui, o dízimo é mais barato, é de 8%.” Dá para rir, mas não faça isso, porque é trágico, é para chorar. Nossa resistência não é contra a cura e o exorcismo, mas na maneira como isso está sendo usado para explorar o povo. A sensação é que, quanto mais “religioso” o povo fica, mais longe de Deus e de sua palavra ele está.

2. Nossa herança bíblica

Quando tantas heresias são disseminadas, quando falsos profetas manipulam o povo, conforme a denúncia da carta aos Hebreus, como bispo e pastor é meu dever recuperar, diante de pastores/as e membros de nossas igrejas locais, as bases bíblicas e doutrinárias que nos fazem discípulos de Cristo e herdeiros da fé de Lutero e Wesley, ainda que resumidamente.

É preciso antes reconhecer que essas heresias são cíclicas, surgem de diferentes formas em diferentes gerações. O apóstolo Paulo, escrevendo a Timóteo, disse: “… prega a palavra, insta, quer seja oportuno, quer não, corrige, repreende, exorta com toda a longanimidade e doutrina. Pois haverá tempo em que não suportarão a sã doutrina; pelo contrário, cercar-se-ão de mestres segundo as suas próprias cobiças, como que sentindo coceira nos ouvidos; e se recusarão a dar ouvidos à verdade, entregando-se às fábulas.” (2Tm 4.2-4). Paulo estava preocupado com a sã doutrina. Mas o que é a sã doutrina? Para responder a esta pergunta, há alguns dados claros na carta a Timóteo que nos servem de orientação.

Primeiramente, Paulo estava preso em Roma (cf. 2Tm 1.8; 16-17), além disso, triste, porque alguns o haviam abandonado (cf. 2Tm 1.15; 4.14-16); e, ao que parece, não havia esperança de libertação (cf. 2Tm 4.16-18).

Ao que tudo faz crer, os que o abandonaram, nem todos o fizeram por medo da prisão, mas porque se desviaram da fé e do ensino doutrinário de Paulo; seria o caso de Demas, ou ainda de Himeneu e Fileto (cf. 2Tm 2.17; 4. 10). Por isso, Paulo aconselha a Timóteo a permanecer na fé sem fingimento que já existia em sua avó Lóide, e em sua mãe Eunice, e assim apresentar-se a Deus aprovado, como obreiro que não tem de que se envergonhar, e que maneja bem a palavra da verdade. E isso Timóteo faria primeiramente reavivando o dom de Deus, que estava nele, recebido através da imposição das mãos do apóstolo Paulo.

Paulo valorizou a tradição apostólica, sentiu-se parte de uma história e de uma só Igreja, submetendo-se à autoridade da Igreja em Jerusalém (cf. Gl 1.18-19; 2.8-9). Hoje, nos assusta o fato de pessoas que se arvoram de mestres sem conhecerem a Bíblia, a História da Igreja e a Teologia, e se auto-intitulam bispos, mestres e até apóstolos, fundam Igrejas, e com arrogância pregam contra as demais Igrejas, e não estão sujeitos a nenhuma autoridade. Atenção! Cuidado com essa gente.

Outro aspecto que Paulo sempre enfatizou, e que aqui ele sublinha ter sido a razão de sua prisão, assim ele se expressou: “…não te envergonhes, portanto, do teu testemunho de nosso Senhor, nem do seu encarcerado, que sou eu; pelo contrário, participa comigo dos sofrimentos, a favor do evangelho, segundo o poder de Deus, que nos salvou e nos chamou com santa vocação; não segundo as suas obras, mas conforme a sua própria determinação e graça que nos foi dada por Cristo Jesus, antes dos tempos eternos, e manifestada agora, pelo aparecimento de nosso Salvador Cristo Jesus, o qual não só destruiu a morte, como trouxe à luz a vida e a imortalidade, mediante o evangelho, para o qual eu fui designado pregador, apóstolo e mestre e, por isso estou sofrendo estas cousas; todavia não me envergonho, porque sei em quem tenho crido e estou certo de que ele é poderoso para guardar o meu depósito até aquele dia” (2Tm 1. 8-12)

Trata-se da ênfase em anunciar o Evangelho do Senhor Jesus, onde Deus, pelo anúncio do Senhor Jesus, estende salvação não pelas obras, mas pela graça mediante a fé para toda criatura: “Transbordou, porém, a graça de nosso Senhor com a fé e o amor que há em Cristo Jesus.” (1Tm 1.14). “Isto é bom e aceitável diante de Deus, nosso Salvador, o qual deseja que todos os homens sejam salvos e cheguem ao pleno conhecimento da verdade. Porquanto há um só Deus e um só Mediador entre Deus e os homens, Cristo Jesus, homem…” (1Tm 2.3-5). Paulo rompeu com a idéia de certos grupos judeus de que a salvação era pelas obras da lei, e somente para alguns, ou seja, os judeus, ou ainda quem se fizesse judeu. Este desvio da sã doutrina ainda existe hoje, ou seja, naqueles que afirmam a predestinação, onde Deus só salvaria alguns escolhidos. Como vimos, trata-se de doutrina contrária às Escrituras.

3. Nossa herança protestante

Entre os elementos que caracterizaram a Reforma Luterana estão as afirmações Somente a graça, Somente a fé e Somente as Escrituras Sagradas. Essas afirmações visavam a derrubar alguns pressupostos da Igreja de Roma. (cf. Ef 2. 8-9).

Somente a graça: a salvação não pode ser comprada, não há indulgência ou perdão de pecados concedidos pela Igreja, por mais graves que sejam, que possam abolir o pecado e garantir a salvação, a bênção de Deus, pois estas são fruto da abundante graça de Deus. Isso segue sendo verdade: hoje não se fala em comprar salvação, mas se fala que a bênção de Deus, a graça de Deus será mais facilmente alcançada com boas ofertas, e isso não só na Igreja Católica, mas em muitas Igrejas tidas como Evangélicas, onde se estabelece uma visível relação entre bênção e grandes ofertas, o que com certeza é um desvio da sã doutrina.

Somente a fé: a salvação, as bênçãos de Deus, não nos vêm por meio das nossas obras. As obras para nós, são conseqüência do amor de Jesus, derramado em nossos corações. A salvação e as conseqüentes bênçãos de Deus nos vêm pela graça de Deus, mediante a fé nos méritos da paixão e morte de Jesus Cristo, através do qual somos feitos filhos de Deus. Assim, a fé é o meio pelo qual nós respondemos à graça e ao amor de Deus. Nunca as obras podem ser meio de salvação; deste modo, do contrário a salvação não seria pela graça, e o sacrifício de Cristo não nos purificaria dos pecados, não haveria necessidade de arrependimento e nem do perdão, já que a salvação me seria devida, por eu ter feito boas obras. Muito do ativismo que temos na Igreja esconde uma tentativa de sufocar culpas e pecados. Tenho visto pessoas em pecado darem grandes ofertas ou tentarem assumir grandes tarefas, numa iniludível tentativa de obter perdão, atenuar culpa, através de obras, o que sem dúvida foge à sã doutrina.

Somente as Escrituras: Este princípio, assim como os anteriores, foi muito sublinhado pelo apóstolo Paulo, e bastante acolhido por Lutero. Na verdade, Paulo é claro quando ensina Timóteo: “…e que, desde a infância, sabes as sagradas letras, que podem tornar-te sábio para a salvação pela fé em Cristo Jesus.” (2Tm 3.15). Lutero retorna às Escrituras e as coloca no centro, como única base revelada dos propósitos de Deus, deixando de lado o magistério e a tradição da Igreja. Ele deixou claro isso quando sublinhou que não voltaria atrás em suas teses, a não ser que lhe provassem pelas Escrituras que ele estava errado.

4. Nossa herança metodista

Nós, metodistas, tomamos o ensino de Wesley, que repete, de certo modo, Lutero, como está no 5º Artigo da Religião que João Wesley nos deixou: (5) Da suficiência das Santas Escrituras para a salvação: “As Santas Escrituras contêm tudo que é necessário para a salvação, de maneira que o que nelas não se encontre, nem por elas se possa provar , não se deve exigir de pessoa alguma para ser crido como artigo de fé, nem se deve julgar necessário para a salvação. Entende-se por Santas Escrituras os livros canônicos do Antigo e do Novo Testamentos de cuja autoridade nunca se duvidou na Igreja”.(Cânones).

Wesley, querendo sublinhar a importância da Bíblia, para descobrir Cristo e a Salvação, disse: “Eu não tenho receio de revelar os meus pensamentos mais íntimos aos homens sinceros e sensatos. Eu tenho pensado que sou uma criatura de um dia, passando pela vida como uma flecha através do ar. Sou um espírito vindo de Deus e que para ele voltará; espírito apenas pairando sobre o grande abismo, até que daqui a uns poucos momentos eu não seja mais visto e entre numa eternidade imutável! Quero saber uma coisa – o caminho para o céu; como desembarcar-me com segurança naquela praia feliz. O próprio Deus condescendeu em ensinar o caminho; para este fim, ele veio do céu. Ele o escreveu em um livro. Oh! Dá-me esse livro! Por qualquer preço, dá-me o livro de Deus! Eu o tenho. Aqui há conhecimento suficiente para mim. Seja eu o homem de um livro. De modo que estou distante dos costumes atarefados dos homens. Eu me assento a sós: somente Deus está aqui. Em sua presença abro e leio o seu livro; para este fim achar o caminho do céu. Há alguma dúvida a respeito do significado daquilo que leio? Parece alguma coisa difícil ou intricada? Ergo o meu coração ao Pai das luzes: “Senhor, não é a tua palavra, se alguém necessita de sabedoria peça a Deus? Tu dás liberalmente e não lanças em rosto. Tu disseste: se alguém quiser fazer a tua vontade, ele a conhecerá. Eu quero fazê-la, dá que eu conheça a tua vontade.” Eu então pesquiso e considero as passagens paralelas das Escrituras, “comparando as coisas espirituais com as espirituais.” E então medito com toda a atenção e sinceridade de que é capaz a minha mente. Se ainda persiste alguma dúvida, consulto aqueles que são experimentados nas coisas de Deus e, então, os escritos que estavam quase mortos, ainda falam. E o que assim aprendo, isso ensino. – Prefácio aos Sermões, 5 (S, 1, 31-32).

Hoje, nos defrontamos com teologias, afirmações doutrinárias de toda ordem, sem qualquer fundamentação bíblica. Pessoas que se dizem cristãs afirmam, por exemplo, que um crente não fica doente, desconhecendo infinidades de textos bíblicos (cf. Fp 2.25-29; 2Co12.7-9; Jó 2.9-10). Outros afirmam a fé positiva, como se houvesse fé que não fosse positiva, e com isso afirmam que não se deve, ao orar, dizer: “faça-se a tua vontade, ó Pai!” Ou seja, você crê, é uma promessa, nada de dizer que Deus faça a vontade dele, você afirma que é da vontade de Deus, e Ele o fará. Em síntese, você dá ordem e Deus obedece. Se este princípio fosse verdade, Jesus teria ensinado errado (cf. Mt 26.42; Mt 6.10; Ef 5.15-17), assim como o Apóstolo Paulo.

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