Autor: João Ricardo Ferreira de França
Estamos vivendo uma época na qual os membros de nossas Igrejas tem negligenciado as nossas reuniões de orações; muitos desprezam a prática da oração na Igreja e consequentemente muitos a negligenciam em suas casas. E vendo isso ocorrer nos empreendemos em uma luta pelo resgate da prática da oração na vida das Igrejas Presbiterianas, das Igrejas herdeiras da Reforma.
A quem devemos chamar para tratar desta temática? Alguns chegariam a sugerir que devemos recorrer aos modernos escritores no campo da espiritualidade. Aliás, a espiritualidade tem sido alvo de interesse em nossos dias, todavia, percebemos que a temática da espiritualidade moderna não possui a profundidade que os antigos teólogos nos oferecem em seus escritos; dado a esta questão, nos aproximamos de Calvino sobre esta temática. E ao fazê-lo nos surpreendemos da grande profundidade com que ele aborda a questão da oração no seu livro terceiro das Institutas da Religião Cristã, no capítulo 20; alí nós temos de fato um tratamento bíblico aprofundado destas questões.
O alicerce de nosso pensamento reformado sobre a oração está neste grande reformador: João Calvino. E, neste sentido nós iremos estudar o ensino de Calvino sobre a oração tirando e aplicando tais ensinamentos à nossa realidade atual. A empreitada tornar-se difícil, mas será de fato proveitosa.
I – A PRÁTICA DA ORAÇÃO NA VIDA CRISTÃ:
Calvino nos aponta “o lugar da Oração no Conjunto da Vida Cristã”[1] ele inicia esta seção nos seguintes termos:
Pelo que até o presente temos exposto se vê claramente quão necessitado está o homem e quão desprovido de toda sorte de bens, e como lhe falta tudo o quanto é necessário para a sua salvação. Por tanto, se procura os meios para remediar sua necessidade, deve sair de si mesmo e buscá-los em outra parte.[2]
O estado de total depravação e miséria no qual o homem por natureza está mergulhado tem sido uma das importantes pressuposições teológicas para a vida prática de oração; Calvino aqui nos lembra estas verdades ao nos mostrar quatro realidades sobre o homem:
O homem é necessitado: A carência do homem atual é devido ao seu estado de pecado.
O homem está desprovido de toda bondade: Nada no homem é bom. No que diz respeito a sua existência espiritual.
Lhe falta tudo necessário a sua salvação: Ele não tem os bens e dons necessários que possa lhe conduzir à vida espiritual ( Ef.2.1). E isto o faz inventar uma religião que o possa tirar deste estado.
O homem só encontra tais dons fora de si mesmo: O pressuposto é que apenas em Deus o homem pode de fato buscar o que é necessário a sua vida e piedade.
II – DEFINIÇÃO, NECESSIDADE E UTILIDADE DA ORAÇÃO.
2.1 – A Definição:
Neste momento Calvino nos apresenta uma definição de oração seguida de sua necessidade e utilidade na vida cristã. “Assim que por meio da oração conseguimos chegar até aquelas riquezas que Deus tem depositadas em si mesmo”[3]. O que a oração para Calvino? A resposta dele é interessantíssima:
Porque ela [a oração] é uma espécie de comunicação entre Deus e os homens, mediante a qual entram no santuário celestial, [onde] lhe relembram suas promessas e lhe instam a que lhes mostre na realidade, quando a necessidade o requer, que o que tem crido simplesmente em virtude de sua Palavra é verdade, e não mentira e nem falsidade.
A definição apresentada por Calvino pode ser esboçada do modo como segue:
A oração é:
a) Comunicação: Deus e o homem se relacionam na oração demonstrando assim intimidade.
b) A liberdade que homem tem de “relembrar” as promessas pactuais a Deus: Calvino aqui nos informa que a oração consiste em apoiar-se nas promessas pactuais de Deus. Não que Deus tenha esquecido, mas para que nós como seus filhos não deixemos de falar-lhe da promessa pactual que o próprio Senhor de todas as coisas nos fez em seu Filho Jesus Cristo. E são promessas verdadeiras baseadas na palavra de Deus.
2.2 – A Necessidade e Utilidade da Oração:
Calvino assegura sua definição de oração dizendo que “com a oração encontramos e desenterramos os tesouros que se mostram e descobrem a nossa fé pelo Evangelho”.[4] Então, ele passa a demonstrar a necessidade e utilidade da oração:
Não existem palavras bastante eloqüentes para expor quão necessário, útil e proveitoso exercício é orar ao Senhor. Certamente não é sem motivo [que] assegura o nosso Pai Celestial que toda a segurança de nossa salvação consiste em invocar seu nome (Jl.2.32); pois, por ela adquirimos a presença de sua providência, com a qual vela, cuidando e provendo tudo quanto é necessário; e de sua virtude e poder, com o qual nos sustem a nós [que somos] fracos e sem forças; e assim mesmo a presença de sua bondade pela qual a nós miseravelmente subjugados pelos pecados, nos recebe em sua graça e favor; e, por dize-lo em uma palavra, o chamamos, a fim de que nos mostre que nos é favorável e que está sempre conosco.
O grande reformador nos mostra quão é útil e necessário a prática de oração; ele não se desgasta em mostra exemplos supérfluos, pois, aqui entendemos que pela oração temos:
a) A assistência da Providência de Deus: Esta providência é retratada por Calvino no fato de invocarmos ao Deus de nossa salvação, nisto vemos e sentimos a mão da providência sobre cada um de nós; a oração, quando dirigida a Deus, é uma das demonstrações mais seguras de que confiamos na providência de Deus.
b) A certeza de que o Poder de Deus nos Sustenta: A oração é necessária porque nela podemos ter ciência de que o poder de Deus nos mantem diante das dificuldades da vida cristã. Se Deus não é poderoso não há porque orar a ele. Precisamos de fato olhar que Deus em seu eterno poder e pode de fato nos sustentar. Não há nada que nos garanta mais segurança que o fato de que o Deus Todo-Poderoso nos ouve em oração.
c) A Presença da Bondade de Deus: Aqui Calvino é insuperável! Ele consegue nos colocar diante de Deus de uma forma singular, ele ensina que mesmo o homem sendo pecador, miseravelmente perdido e subjugado pelo seu pecado; Deus “nos recebe em sua graça e favor”! Nossa! Deus recebe pecadores quando batem a porta de sua graça através da oração, aquele que “bate a porta se abre” e quem “pede recebe”. Deus não nos recebe por causa de nossos méritos, ele não nos ouve porque somos melhores que outros ou porque temos alguma virtude provinda de nós, mas ele nos “recebe em sua graça e favor”; o simples fato de Deus ouvir e atender as nossas orações consiste em um ato de graça imerecido de sua parte. E a nossa oração implica que necessitamos de sua bondade, para que ele se mostre favorável a nós pecadores. E manifeste sua bondade sobre as nossas vidas.
O resultado da oração: Calvino encerra esta segunda seção nos indicando o resultado da oração:
Daqui nos provem uma singular tranqüilidade de consciência, porque havendo exposto ao Senhor a necessidade que nos angustiava, descansamos plenamente nEle, sabendo que conhece muito bem todas as nossas misérias Aquele de quem estamos seguro de que nos ama e que pode absolutamente suprir a todas as nossas necessidades.
Quais são resultados advindos da prática de oração? Segundo Calvino temos pelos cinco resultados que são manifestos na vida prática de oração:
1. Uma Consciência Tranqüila: Não vivemos perturbados quando apresentamos diante de Deus todas as nossas necessidades. Isto nos lembra o que disse o salmista: “deito e pego no sono porque o Senhor me faz repousar seguro” (Sl.4.8)
2. A certeza de que Deus conhece as nossas misérias: A oração nos motiva a crer em um Deus onisciente que conhece tudo o que precisamos e esta certeza nos motiva ao fato de falar-lhe com mais intimidade a respeito de nossas mais profundas necessidades.
3. A certeza de Deus nos preserva: A oração nos motiva a crermos que em Deus estamos seguro, pois, ele é o nosso “refúgio e fortaleza no dia da angústia” (Sl.46.1). A oração é o primeiro indicador que cremos na preservação dos santos, pois, somente em Deus encontramos refúgio seguro.
4. A certeza do amor de Deus: Calvino nos relembra que a oração resulta na certeza de que Deus nos ama; isto é notório, pelo fato de pedirmos a ele com confiança de que ele de fato nos responderá, pois, o amor de um pai pelo seu filho o fará atender aquela oração.
5. A certeza da Soberania de Deus em relação as nossas necessidades:
Quando oramos a Deus estamos crendo que ele pode absolutamente suprir o que nos falta. Esta soberania de Deus é ressaltada de forma surpreendente quando dobramos os nossos joelhos e pedimos a Deus que salve os pecadores.
Fontes
[1] CALVINO, João. Intituición de la Religión Cristiana. Tradutor: Casidoro de Valera. Barcelona: Felire, 1999, Livro 3 , Capítulo 20, seção 1, p.663.
[2] Ibid, p.663-664.
[3] Livro III, Cap. 20, Seção. 2.
[4] Idem.
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