A missão da mulher no contexto social da igreja na sociedade pós-moderna

Autor: Alexandre carneiro
A missão da mulher, não no ponto de vista ontológico, mas no ponto de vista social, historicamente foi determinada pela ideologia da supremacia masculina.
Em diferentes fases do pensamento humano, essa afirmação pode ser comprovada, tanto no contexto do pensamento secular quanto no contexto do pensamento religioso.
Para Aristóteles, o último grande filósofo grego, a mulher era uma espécie de “homem incompleto”. Para este filósofo, na reprodução o homem entrava com a forma e a mulher com a massa. A despeito de ser a Grécia o berço da filosofia clássica, onde foram formulados os primeiros ensaios sobre democracia, igualdade e liberdade, e a despeito dessa visão não ser a única da época, predominou tanto na idade antiga como na idade média. A verdade é que quanto mais nos distanciamos da idade moderna tanto mais constataremos a depreciação do papel da mulher.
Com a instauração da era moderna, o homem substituiu Deus no centro do universo. No entanto o novo enfoque humanista não alterou a condição feminina num mundo em que os homens determinavam as regras. Após a revolução industrial, com a nova configuração econômica da sociedade mediante o produto manufaturado e a emergência do fenômeno do inchamento urbano, a mulher assumiu um novo papel neste contexto urbano, e durante cerca de 150 anos foi convencida pelo slogan de que ela era a rainha do lar.
Evidentemente que as mulheres não passaram por todas essas etapas históricas sem uma reação, mas diga-se de passagem que tais reações nada mais foram do que atos isolados desprovidos de uma atitude coletiva de ampla repercussão e conquistas. A psicóloga Regina Navaro cita dois movimentos femininos em busca da emancipação da mulher: um na França do século XVII conhecido como o movimento das preciosas francesas; outro, nos Estados Unidos na virada do século XIX para o XX com a conquista feminina do direito de entrar na universidade.

I- PÓS-MODERNIDADE E A POSSIBILIDADE DE UMA NOVA FUNÇÃO SOCIAL DA MULHER

O que é pós-modernidade?
O pós modernismo emerge na história humana em algum ponto entre 1968 e 1972 sob a paternidade dos movimentos estudantis na Europa e atlântico norte, da contra-cultura de resistência dos movimentos pacifistas e da rejeição do status que (a exemplo do movimento mundial de Hippies), das artes inspiradas na teoria do absurdo de Nietzsche (enfatiza o caos da vida moderna e a impossibilidade de lidar com ela com o pensamento racional); e do novo pensamento científico, entre seus expoentes podemos citar Habermas e Karl Popper que negam o saber absoluto e afirmam o saber relativo. Popper afirma que “não sabemos, conjecturamos.”
A partir do início da década de 70 o mundo pode constatar uma avalanche de mudanças de ordem cultural, política e econômica:
a) constatou-se que, diferentemente do esperado, a razão não produziu a desejada emancipação da sociedade humana.
b) com isto veio a crise dos paradigmas da ciência moderna atenuada pelo fracasso do socialismo, a queda do muro de Berlim e a consolidação do capitalismo como o modo de produção hegemônico do planeta.
c) finalmente o vazio de esperança e a ausência de perspectivas otimistas acerca do lugar para onde o curso da história empurraria a humanidade.
O que o termo pós moderno quer dizer ? Este conceito pode variar de acordo com o sentido específico que se lhe possa dar. Questionamos se é possível atribuir o termo pós-modernidade às grandes mudanças que ocorreram na qualidade de vida das sociedades a partir, mais ou menos, de 1970. Estou convencido, no entanto de que o termo pós-moderno tem tido um uso fluído e de termo Pós-moderno que incontinentemente usado a todo tipo de manifestação inovadora do tempo presente. Inclusive nesta utilização difusa e difuso que, incontinentemente usado açambarca todo tipo de manifestações inovadoras. Nessa utilização difusa acham-se inclusive algumas publicações evangélicas, nas quais nada escapa ao termo pós-modernidade. Tem gente por aí pensando a creche como fenômeno pós-moderno.
No entanto, a interpretação do momento pós-moderno como reação antagônica, oposta ao .tipo de sociedade estabelecida pela modernidade, parece ser consenso entre os que se debruçam sobre o tema.
Ora, se afirmamos o pós-moderno como uma reação ao modernismo, vale a pena sintetizar as colunas sobre as quais se sustentou a sociedade moderna, as quais são: uma cultura cientificamente produzida, uma sociedade ordenada tipologicamente e hierarquicamente encontrada na lei,. processos e sistemas com pretensão de atingir a totalidade as aspirações e projetos que anunciavam alternativas definitivas.
Sobre quais bases se sustenta o pensamento pós-moderno?
Creio que sete categorias podem resumir a questão:
* o pluralismo (culto das diferenças);
* a efermidade (culto das emoções);
* a fragmentaridade (culto das divisões);
* a alteridade (culto das mudanças);
* o desconstrucionismo (culto à relatividade);
* a divergência (culto à suspeita);
* a instantaneidade (culto da superficialidade do momento)
Observe que o pensamento pós-moderno transita em meio ao diferente, ao divergente e ao múltiplo, justapondo-os, reconhecendo nas partes a constituição autêntica da realidade social. Essa nova perspectiva redescobre o místico, os valores transcendentais e a racionalidade religiosa, atribuindo ao sagrado um lugar específico na configuração da vida social, mas ao mesmo tempo negando a prioridade dos valores espirituais sobre os demais.

Diferentemente da visão moderna na qual prevaleceu a ênfase no projeto, na hierarquia no tipo, na determinação e nas verdades absolutas, o pós-modernismo, ao contrário, enfatiza as diferenças e a heterogeneidade como agentes de novos discursos que não tem pretenção totalizante (UNIVERSAL), reconhecidos como fragmentários e relativos.
Com a chegada da pós-modernidade surge o respeito pelo diferente. Com isto desaba um sistema de idéias e relações fundamentadas na classificação tipológica e na hierarquia. As estruturas que funcionavam como base na hierarquia de papéis sociais vão gradativamente sendo substituídas por modelos mais participativos e descentralizados.
A década de 60 marcou o início de conquistas significativas da mulher tais como: inserção da mulher no mercado de trabalho em funções anteriormente exercidas apenas por homens, a criação da pílula anticoncepcional, dissociando o sexo da procriação, associando-o ao prazer. Dados como estes demonstram que a pós-modernidade desconsidera todo tipo de poder que reivindica o controle totalizante, a exemplo do patriarcalismo.
Fatos atualíssimos demonstram o desmoronamento da hegemonia patriarcal: mulheres concebem filhos por produção independente (sem entrar no mérito do valor cultural do certo ou do errado). Ainda, está se tornando comum e em crescimento o número de homens que desejam a guarda dos filhos, após o divórcio. O que contradiz uma cultura anterior de que a educação de criança era com a mãe e ao homem cumpria o papel de provedor.
O patriarcalismo surgiu a cerca de 5000 anos atrás e pela ótica do social, sustenta-se sobre dois principais pilares:
a – a suposta supremacia sexual masculina;
b – a supremacia da força física; masculina;
Como já dissemos o controle masculino sobre a atividade sexual da mulher (não apenas às casadas, mas em geral) está em pleno declive. O pós-modernismo reconheceu o direito que a mulher tem sobre seu corpo.
O sexo como referencial da divisão das tarefas (tipo, quem cuida da casa e quem trabalha fora) vem sendo inviabilizado pela nova configuração da economia mundial com elevados índices de desempregados. A mulher, sob pressão da crise na renda familiar foi liberada e ao mesmo tempo recebida no mundo do trabalho do lado de fora da casa. Não são poucos os casos de homens desempregados cuidando da casa e dos filhos enquanto a mulher vai à luta para sustentar a família.
Outro dado significativo é que a pós-modernidade substituiu a sociedade da era industrial cujo símbolo maior era a fábrica, pela sociedade tecnológica de informação, cujo símbolo é o computador. A ênfase vai repousar, sobretudo na qualificação intelectual, jogando por terra a mão-de-obra preferencial masculina, mais rentável para o trabalho pesado (quer na agricultura, no comércio ou na navegação – idades antiga e média; quer na fábrica, na era moderna).
O que chamamos de pós-modernismo constitui-se um novo padrão ocidental pluricultural recente. Estas últimas três décadas foram suficientes para provar que nos diversos campos sociais se processa uma mudança estrutural embora de natureza lenta, alterando modelos de linguagem e de relações. No entanto as três últimas décadas não solidificaram novos paradigmas.
O que isto pode significar?
Que há uma grande porta aberta e depois dela um caminho a ser percorrido. A pós-modernidade abriu essa porta que favorece a uma ebulição de diferentes manifestações libertadoras. As mulheres aproveitaram a oportunidade e entraram por ela, afirmando sua identidade e reivindicando seu espaço, mas o processo não está concluído.
Creio que uma das mais evidentes constatações da afirmação que fazemos é o nível a que chegaram os conflitos entre homens e mulheres. Nunca em tempo algum se presenciou tanta violência praticada contra a mulher (hoje é possível levantar os números dessa violência pelos meios de comunicação).
Possivelmente tal violência constitui uma reação masculina às mudanças do comportamento da mulher. Por outro lado na sociedade pós-moderna a mulher abandonou o papel de sofredora quieta e partiu para o ataque. Os recentes casos de mulheres que cortaram o pênis dos companheiros confimam isto e muito mais. A mutilação do órgão masculino é tanto uma reação física como igualmente ideológica. Esse tipo de reação significa eliminar o principal signo da dominação do macho. No Egito existe uma penitenciária exclusiva para mulheres que mataram seus maridos com cerca de 1300 internas, chamadas de “matadoras de maridos”. Numa análise positivista somos tendenciosos a percebermos apenas o conflito em si. A análise sociológica nos sugere que os bastidores destas disputas há um processo de reeducação e novo aprendizado para as novas relações entre homens e mulheres trazidas pelos ventos da pós-modernidade.

II – O PAPEL DA MULHER NO CAMPO RELIGIOSO

O espaço religioso formal é domínio masculino. Nisto a religião não rompeu com mundo secular; noutras cousas também, mas aqui nos interessa particularmente entender que na corrida do sagrado o homem conquistou novamente a poly position. Se projetarmos a visão no mundo das religiões tomando em consideração as consideradas religiões mundiais: judaísmo, islamismo, catolicismo protestantismo. E só indagamos acerca do papel desempenhado pela mulher no contexto de tais religiões. Constaremos em todas elas, embora em graus diferenciados, a discriminação da mulher é uma evidência.
Essa discriminação atinge graus desumanos do islamismo; a mulher no judaísmo hoje desfruta de status que progrediu muito em relação ao judaísmo que antecedeu a idade moderna, embora esse progresso não tenha rompido com a exclusividade masculina no exercício ministerial. O catolicismo e o protestantismo cuja força está no ocidente avançou com relação as duas anteriores, no entanto não rompeu com a ideologia da supremacia do macho. No catolicismo as ordens femininas são banidas do oficio sacramental e de todas as instâncias de decisão da Igreja; estão mais ligados a obra social. No protestantismo a condição inferior é imposta a mulher quanto ao exercício ministerial, hegemonicamente masculino, a despeito de que a ordenação de mulheres já é uma realidade restritamente ou em número pequeno de organização.
Se lançarmos nossa visão para a história e indagarmos acerca dos espaços onde a mulher exerceu livremente sua vocação para a crença, constataremos que isso se deu sobretudo nos espaços informais. Poderíamos citar o rito independente da bruxa, da cartomante, de feiticeira da profetiza da mãe de santo, da líder de grupo de oração. O papel feminino vai exercer sua autonomia nesses espaços informais não institucionalizados, propositalmente não incorporados pela estrutura atual da poder religioso. Observando mais atentamente o lugar da mulher na prática tanto católica quanto protestante constataremos historicamente um paradoxo: de eum lado, as mulheres são excluídas dos lugares de poder e são desvalorizadas enquanto mulheres, e de outro elas constituem o público mais fiel aos acontecimentos eclesiásticos: apego à religião, participação nas práticas pastorais da Igreja (Zaira Ary). O próprio marianismo no catolicismo apresenta em Maria mãe de Jesus, o ideal feminino relacionando-o a maternidade e a assexualidade, e ao ideal de servir.

III LEITURA DO CONTEXTO SOCIAL DA IGREJA NA PÓS-MODERNIDADE

O sociólogo Francês Pierre Bourdieu no seu método de análise sociológica defende a tese da dependência e simultânea autonomia das instituições sociais. No caso da igreja ela não pode romper definitivamente com o meio sem o qual ela não sobreviveria na qualidade de grupo social. Há na verdade uma inquestionável transição da igreja como contexto social mais amplo.
Ninguém ignora que a Igreja está mudando sob a influencia das novas idéias e dos novos padrões culturais. Os artefatos e aparatos institucionais pesados, as classificações de status, ideologias totalitárias, hierarquismos, controles, repressões e ditaduras se vêem hoje no desconforto de pressões externas que veiculam um discurso amplo que incentiva o participação e a descentralização. Vivemos a época dos comitês, dos conselhos representativos, da gestão popular. Particularmente acompanhando as novas configuração externas, está ocorrendo uma mudança no perfil do crente, do fiel, membros da Igreja, que gradativamente vão esboçando uma postura crítica. As relações fiéis x cúpupila, mulheres x homens estão agregando novos elementos nos quais a idéia de subordinação vai cedendo a mentalidade de cooperação.

ELEMENTOS BÁSICOS DO CONTEXTO SOCIAL DA IGREJA

A – Uma atmosfera de recusa a sistemas autoritários;
B – Uma abertura do plural – aceitação das manifestações diferentes;
C – Busca de novas alternativas para as relações e sistemas;
D – Um alongamento do conceito de exercício ministerial em duas direções: 1- Multiplicidade de ministérios nos quais não há ênfase forte da divisão social de tarefas; 2-gradativamente abre-se um espaço para a presença feminina nos ministérios clássicos.

IV DESAFIOS QUE PESAM SOBRE A MULHER NO NOVO CONTEXTO ECLESIASTICO SOCIAL

* Diante do cansaço da igreja com um sistema eclesiástico centrado no homem abre-se um espaço significativo para propostas e alternativas oriundas do contingente feminino. Isto requer posturas coerentes:
– A desmasculinização dos papeis de autoridade mediante a reivindicação da parte que cabe as mulheres na herança cristã. Esse processo não deve correr o risco de desmasculinizar as estruturas e imediatamente feminilizá-las. O espirito dessa luta é a igualdade não a supremacia do homem ou de mulher.
– O rompimento com a cultura social e cristã da vocação das mulheres para a domesticidade que gerou uma inibição feminina e a consequente recusa a assumir responsabilidade de liderar : “a mulher foi adestrada não para governar, ordenar, mas para obedecer”.
– Ocupar espaços orientada por uma filosofia do engajamento próprio da mulher:
Evitar o risco da masculinização da mulher ou seja, seguir a tendência do feminismo primitivo que servi reivindicava papeis masculinos, um tipo de feminismo desvirtuado, que pode provocar desinteresse pelo que é caracteristicamente feminino, e uma mera apropriação dos os mecanismo de dominação masculina. Isto traria uma espécie de desfalque do feminino;
As mulheres devem lutar para adicionar à história eclesiástica a contribuição do feminino e não reforçar o que essa historia tem de masculino. O que quer dizer e as mulheres não devem pedir um pedaço da torta masculina, mas devem fazer outra diferente.

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