Autor: Samuel R. Pinheiro
Este é um assunto nevrálgico nos dias que correm no nosso país. Talvez nunca, como hoje, o debate se tornou tão intenso desde o homem da rua até aos mais altos magistrados judiciais, passando pelos advogados e pelos juízes.
Se por um lado foi-se assistindo à progressiva perda de valores e à introdução de um relativismo cada vez mais notório, por outro assiste-se a uma crescente exigência de intervenção e de celeridade por parte da justiça, de modo a que ela seja justa e pronta.
À medida que as investigações decorrem e a opinião pública vai sendo exposta a algumas elucidações, mesmo que muito escassas, cada vez mais se enraíza a ideia de que a justiça humana lida com tremendas limitações para efectivamente conseguir apurar a verdade.
Aconteceu ou não? Quem fala a verdade? Trata-se de uma falsa acusação ou ocorreu? O testemunho é verdadeiro ou falso? O dinheiro é ou não capaz de comprar ou produzir a “verdade” que interessa a uma das partes?
Acreditamos que mesmo que os verdadeiros culpados consigam escapar ou pelo menos eludir parcialmente a justiça, a sua consciência acabará por não os deixar dormir e estar acordados de maneira tranquila, sabendo também que ela pode ficar de tal forma empedernida que o que chega a sentir é muito pouco em relação ao sofrimento que causou.
Apesar de tudo, a justiça humana é uma necessidade e há que confiar o mais possível no seu exercício. O pior que pode acontecer a uma sociedade é a justiça soçobrar. O caos e a desorganização instalam-se e é a lei do mais forte que prevalece. Os exemplos no nosso século já são bem elucidativos. Talvez pior do que um poder corrupto é a ausência absoluta dele, a anarquia e o niilismo.
Um dos factores decisivos nas sociedades tem sido a crença na existência de um Ser Supremo acima das nossas limitações e incapacidades. Quando se está consciente de que mesmo ludibriando o sistema de justiça dos homens não se conseguirá escapar à justiça divina, isso torna-se num elemento fundamental e decisivo na consciência e no comportamento humano.
Existem exemplos de líderes religiosos que apregoando aos outros essa crença acabaram por se usar dela para viverem de qualquer forma, semearam a injustiça e manterem sob opressão os seus súbditos ou acólitos. Isso não belisca em nada a realidade da existência de um Juiz Supremo. “Assim, pois, pelos seus frutos os conhecereis.” (Mt 7:16).
Quando prestamos atenção à Bíblia verificamos que o sentido não é o homem viver os valores e princípios éticos e morais em função do medo do castigo, mas pelo amor, acima de todas as coisas a Deus que gera um santo temor que não pode ser confundido com a situação anterior.
Deus é amor, contudo também é justo. Uma coisa não podia existir sem a outra. Não há possibilidade de verdadeiro e genuíno amor sem o exercício independente e isento da justiça. Em Deus encontramos precisamente reunidas ambas em total e absoluta perfeição. “Não vos enganeis: de Deus não se zomba; pois aquilo que o homem semear, isso também ceifará.” (Gl 6:7).
A justiça divina, porém, incomoda e assusta muitas pessoas. Daí que ela seja muitas vezes apelidada de rancor e de vingança. Muitos críticos da Bíblia têm procurado em vão acusar Deus de injustiça.
A pergunta perante a justiça divina impõe-se: existirá alguém justo e sem qualquer defeito diante de Deus? A Bíblia declara que não. Aos olhos de Deus todos somos pecadores. “Pois todos pecaram e carecem da glória de Deus.” (Rm 3:23).
É aqui que o Evangelho se torna efectivamente uma boa notícia. A graça divina oferece-nos perdão e reconciliação com Deus. Mas para que tal fosse possível a justiça tinha de ser observada e aplicada. Deus mesmo assumiu sobre Si a penalidade. Na cruz encontra-se sublimemente reunido o amor e a justiça divina. A dívida está paga. A única coisa necessária é aceitar com gratidão o que foi realizado a nosso favor. O inferno é a ingratidão na rejeição do maior gesto de amor que o Universo alguma vez poderia assistir. O Criador assume o lugar da criatura, o Juiz Supremo toma o lugar do réu. Deus toma sobre Si as consequências do pecado da humanidade. “Ora, tudo provém de Deus que nos reconciliou consigo mesmo por meio de Cristo, e nos deu o ministério da reconciliação, a saber que Deus estava em Cristo, reconciliando consigo o mundo, não imputando aos homens as suas transgressões, e nos confiou a palavra da reconciliação. (…) Àquele que não conheceu pecado, ele o fez pecado por nós; para que fôssemos feito justiça de Deus.” (2 Co 5:18,19,21).
Algumas pessoas até podem insurgir-se. Só que Deus não os consultou nem vai consultar sobre a matéria. Fê-lo, e a nós cabe dizer sim ou não, aceitar ou rejeitar. Se Deus não o houvesse feito continuariam a acusar o Senhor e a rejeitá-lO. A existência de Deus é-lhes insuportável. Querem viver por si sós, embora não sejam sequer autores da sua própria vida, nem criadores dos recursos que a sustém. Sozinho, em rebeldia, é-se um condenado à morte eterna, que não é ausência de vida mas da eterna separação de Deus. Não são os pecados pontuais que remetem em definitivo o homem para longe do Criador ou seja do céu, é a indisponibilidade para O aceitar e reconhecer a necessidade da graça, do favor não merecido e do perdão para voltar para Deus. “Veio para o que era seu, e os seus não o receberam. Mas, a todos quantos o receberam, deu-lhes o poder de serem feitos filhos de Deus; a saber: aos que crêem no seu nome; os quais não nasceram do sangue, nem da vontade da carne, nem da vontade do homem, mas de Deus.” (Jo 1:11-13).
O facto de não se ter sido ouvido do acto em que se nasce, não é argumento válido contra o amor do Criador ao redimir a humanidade pela Sua própria morte no lugar dela.
O facto de sofrermos em parte como consequência das acções erradas dos nossos antepassados ou dos conterrâneos, não anula a nossa responsabilidade, e faz ressaltar a vida de Deus entre nós na pessoa de Jesus Cristo, em absoluta perfeição, pureza e santidade. O Senhor do Universo veio viver no meio da corrupção e da maldade, da inveja e do ciúme, do legalismo e da hipocrisia, sem qualquer pecado ou ofensa.
Deus é por nós, não contra nós. A cruz será o testemunho eterno dessa verdade singular e inexcedível. É à sua luz que pessoalmente quero viver. “Porque Deus amou o mundo de tal maneira que deu o seu Filho unigénito, para que todo o que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna. Porquanto Deus enviou ao mundo, não para que julgasse o mundo, mas para que o mundo fosse salvo por ele.” (Jo 3:16,17).
O cristianismo de Cristo, dos apóstolos e da Bíblia, como um todo, não tem paralelo. Surpreende-nos continuamente e chama-nos a todo o momento para o louvor e a adoração, para a gratidão e a contemplação.
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