Autor: Gecionny Rodrigo, OSF
Sabemos que a grande maioria do povo brasileiro recebeu o Santo Batismo na mais tenra infância na Igreja Católica Romana. Muitos, porém, que receberam este sacramento não se confirmaram ou não assumiram o seu batismo.
Outros foram para Igrejas Evangélicas que rebatizam os que foram batizados na infância e outras ainda vivem num profundo sincretismo com o Espiritismo e as Religiões Afro–brasileiras. Uma parcela bem menor foram para as Igrejas Históricas que não rebatizam crianças, a saber: Anglicana, Católica Ortodoxa, Luterana, Metodista, e Vétero–Católica.
Com o crescimento dos evangélicos: batistas, pentecostais, neopentecostais, está havendo uma tendência na população brasileira de não batizar seus filhos na infância e deixar que eles “escolham” a sua religião. Essa atitude tem atingido todas as Igrejas que batizam crianças: Católica romana, Católica Ortodoxa, Anglicana, Luterana, Metodista, Presbiteriana e Vétero–Católica. Essa atitude deve ser vista com preocupação, pois a Bíblia é clara quando fala da responsabilidade dos pais: Ex 18:20, Ex 24:12, Lv 10:11, Dt 6:7, II Cro 17:9, Mt 28:19-20, At 5:42.
Alguns alegam que o Batismo da criança constitui um atentado à liberdade das mesmas. Seria contra a dignidade da pessoa impor-lhes obrigações religiosas que, mais tarde, talvez não queira aceitar. Daí a conveniência de só se ministrar o Batismo a quem possa assumir livremente os respectivos compromissos.
É de notar que, no plano natural, os pais fazem, opções indispensáveis ao futuro destes: assim o regime de alimentação, a higiene, a educação, a escola, etc. Se os pais omitissem a tal propósito sob o pretexto de salvaguardar a liberdade da criança, prejudicariam seriamente a prole. Ora para quem tem fé a filiação divina é mais importante do que todos os valores.
Mesmo que a criança, chegando à adolescência, rejeite os deveres decorrentes do seu Batismo, o mal é então menor do que a omissão do sacramento. Com efeito, o fato de alguém rejeitar a boa educação que recebeu, é dano menos grave do que a omissão da educação por parte dos pais. Observemos ainda que, não obstante as aparências, os germes da fé depositados na alma da criança poderão um dia reviver; os pais contribuirão para isto mediante a sua oração e o seu autêntico testemunho de fé.
Muitos inocentemente dizem: “criança não tem pecado”. Já a Bíblia diz “todos pecaram” Rm 3:23. As crianças nascem em pecado (Sl 51:5), são por natureza filhos da Ira (Ef 2:3), precisam nascer da água e do Espírito (Jô 3:5,6 ; Ef 5:26). O Batismo tomou o lugar da Circuncisão (Cl 2:11,12) que era feita com apenas 8 dias de vida. Jesus foi circuncidado e o Batismo a qual se submeteu aos 30 anos de idade não é o nosso, pois não foi realizado em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Jesus Cristo pediu que trouxessem a Ele as crianças Mt 19:4, Mt 18:14, At 2:39 e não tem sentido apresentar sem circuncisão (que foi abolida pelos apóstolos), o ideal é batizar. O Batismo é um sacramento: “Sinal visível de uma graça invisível” e não um mero simbolismo (I Pe 3:21). Ele nos reveste de justiça (Gl 3:26-27) e regenera (Tt 3:5) e deve ser administrado uma única vez (Ef 4:5).
A história da Igreja cristã confirma o Batismo infantil, como vemos abaixo:
* Irineu, nascido em 97 d.C., discípulo de Policarpo (Convertido pelo apóstolo S. João), escreve: “A igreja aprendeu dos apóstolos a ministrar o Batismo de crianças”. Irineu, contra às Heresias, vol.2.
* Justino Mártir, que chegou a ver o apóstolo S. João, escreve : “Cristãos de ambos os sexos, alguns de 60, outros de 70 anos de idade se tornaram discípulos pelo Batismo desde a infância”. Justino: apologia, vol.1.
* Orígenes, que viveu 85 anos depois da morte do apóstolo João, escreve : “Visto que o Batismo é para o perdão dos pecados, as crianças também são batizadas segundo o costume da Igreja”. Wal, vol.1, p.104.
* Hermas, mencionado por S. Paulo em Rm 16:14, fala de crianças que receberam o selo do Batismo, nestas palavras : “Ora, esse selo é a água do Batismo”.
* Clemente, mencionando Fp 4:3, aconselha aos pais: “Batizai os vossos filhos e crianças na disciplina e correção do Senhor”.
* A primeira versão do Novo Testamento, denominada Peshita Siríaca, publicada logo após a era apostólica, traduz At 16:15 da seguinte maneira : “Ela (Lídia) foi batizada e as crianças de sua casa”. A expressão “casa” (domus em latim, oikus, em grego) tinha o sentido amplo e enfático na antiguidade: designava o chefe da família com todos os seus domésticos, inclusive as crianças, que não faltavam nas casas.
* Pelágio, contemporâneo de Agostinho, escreve: “Difama-se como se eu negasse o sacramento do Batismo às crianças. Jamais ouvir dizer, nem mesmo de um herético ímpio, que as crianças não devem ser batizadas. Pois não há ninguém tão ignorante a ponto de ter tal opinião”.
* Santo Agostinho (340–430), condenou os donatistas que afirmavam que a validade do Batismo dependia da santidade do oficiante, escrevendo: “cada vez que se administra o Batismo observando a fórmula do Evangelho, por maior que seja a perversão do batizante ou do batizado, o sacramento é santo em si mesmo por ser sacramento de Jesus Cristo”.
* O único Pai da Igreja que polemizou a respeito do Batismo infantil foi Tertuliano (200 d. C.). Lutero considerou Tertuliano como sendo Carlstadt (iniciador do movimento anabatista no século XVI) do terceiro século.
Para muitos, os argumentos apresentados acima não tem muito valor já que são dos chamados “Pais da Igreja” que eram católicos ocidentais ou orientais. Vejamos, portanto agora o que dizem os reformadores protestantes sobre o Santo Batismo:
Comecemos por Lutero, que iniciou a Reforma, protestando contra a venda de indulgências da Igreja Católica romana e acabou tendo que elaborar toda uma teologia para a Igreja Luterana. A Síntese doutrinal da Igreja Luterana é a Confissão de Augsburgo, que no artigo 9º afirma : “Do Batismo se ensina que é necessário e que por ele se oferece graça; que também se deve batizar crianças, as quais, pelo batismo, são entregues a Deus e a ele se tornam agradáveis. Por essa razão rejeitam-se os anabatistas, os quais afirmam que o Batismo infantil não é correto”.
Lutero em sua explicação escriturística, afirma : “O Batismo não é apenas água simples, mas é água compreendida no mandamento divino e ligada com a Palavra de Deus “. Diz Lutero: “o crente não batizado não é condenado, aquele que não crer, este, sim, está condenado” (St. Louis XII, 1706).
No Catecismo Menor, Lutero não fala do Batismo infantil, no Maior contudo o reformador lembra: “aqui ocorre uma questão com que o diabo, através de suas seitas, confunde o mundo a saber, a questão do Batismo infantil, se os infantes também crêem, ou se é acertado batiza-los “e aconselha” quem é simples desista da questão e remeta aos doutos”.
No Livro de Concórdia, ele oferece uma resposta: “Se queres, porém dar uma resposta, então replica: Que o Batismo infantil agrada a Cristo, prova-o suficientemente sua própria obra”. (Livro de Concórdia , pág. 480) Na Apologia da Confissão de Augsburgo, lemos: “Que Deus, entretanto aprova o batismo dos pequeninos, demonstra-se com o fato de ele dar o Espírito Santo aos assim batizados. Fosse nulo esse Batismo, e a nenhum seria dado o Espírito Santo, nenhum se salvaria, não haveria enfim, igreja”. (Apol. IX , 3) ( 2 )
Outro grande reformador que não poderíamos deixar de citar é João Calvino, que explicando a doutrina de São Paulo aos Romanos, assim conclui: “O pecado é redimido no Batismo quanto à culpa, mas permanece sempre quanto à matéria em todos os cristãos até a morte”. Nas Institutas da Religião Cristã, Calvino afirma que qualquer que seja o ministro, o Batismo é valido. Não somos batizados em nome de nenhum mortal, mas em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. “Portanto, o Batismo não é do ser humano, mas de Deus, seja quem for que o administrar” P.1037
Calvino, dizia que embora não exista passagem bíblica que diga diretamente que alguma criança foi batizada, também não existe nenhum texto que fale claramente que as mulheres participavam da Ceia. Porém como não existem textos que proíbem o Batismo de criança e a participação das mulheres na Ceia, permitamos as duas coisas.
Ele dizia também que se é razoável levar os pequeninos a Cristo, porque não os admitirmos também o Batismo, que é o sinal exterior mediante o Senhor Jesus declara a comunhão e a sociedade com Ele? Por fim ele disse que “Deus não joga conosco em figuras vazias, mas cumpre seu próprio poder, o que nos mostra pelo sinal externo”. É que Karl Barth chama de “sacramentalismo cognitivo”.
Não poderíamos concluir este artigo sem me referir ao mais humanista dos reformadores: Urich Zuínglio, que enfatizava a fé dos pais e padrinhos (fides vicaria) e não a fé que as crianças recebiam de Cristo na hora do Batismo, como acreditava Lutero.
Por entender o Batismo essencialmente como uma ação humana, chegando a compara-lo com o ato de vestir o hábito dos monges ou com o traje dos cruzados, ele chegou a afirmar que as crianças não deveriam ser batizadas antes da idade da razão. Depois admitiu ter se enganado e desenvolveu toda uma teologia batismal para as crianças.
Essa teologia batismal era focada em três pressupostos: 1. O Batismo como sendo a circuncisão dos cristãos. Segundo ele os ritos sangrentos do Antigo Testamento, a circuncisão e a páscoa foram substituídos por dois sacramentos mais suaves: o Batismo e a ceia.
2. O Batismo cristão deriva do Batismo de João e não da ordem batismal de Mateus 28. Jesus se submeteu a esses dois ritos, unindo assim os ritos das duas dispensações e mostrando que tinha igual valor. Para ele as Escrituras não revelam duas alianças nas quais Deus age diferentemente para a salvação, mas sim uma única aliança em duas dispensações.
3. Se o Novo Testamento não ordena o Batismo expressamente, pode ser inferido de várias passagens. Ele alegava o fato de que nenhuma passagem do Novo Testamento, Cristo afirmou que as crianças não fossem batizadas. Zuíglio não permitia que as crianças fossem trazidas ao Batismo se seus pais não tiverem sido ensinados. Contudo a fé dos pais era secundária em relação à fé de toda a Igreja.
A doutrina do Batismo de Zuínglio lutou contra duas frentes: a destituição do Batismo infantil pelos anabatistas e o objetivismo sacramental católico romano e luterano. Ele negava que o Batismo tivesse a capacidade de remover a culpa do pecado original. Só o sacrifício de Cristo na cruz seria capaz de remover tal pecado.
Na teologia medieval, as crianças que morressem sem o benefício eram consignadas ao limbo. Havia pouco sofrimento no limbo, mas diferentemente do purgatório, não havia nenhuma esperança de saída. O limbo era por assim dizer um compartimento do inferno com ar–condicionado.
Em Zurique, desenvolvera-se o costume de sepultar crianças não–batizadas em certo lugar no meio do cemitério, entre o terreno profano e o sagrado – uma representação vívida do limbo. Zuínglio opôs-se firmemente a essa prática, instando que todas as crianças que morressem na primeira infância tivessem um enterro completo e cristão. Ele acreditava que os filhos de pais cristãos estavam salvos, batizados ou não, visto que a aliança da graça estendia-se tanto a eles quanto a seus pais.
Em 1523, Leão Jud, um dos colaboradores de Zuínglio, redigiu uma ordem de Batismo na língua do povo para ser usado em Zurique. Entretanto, conservou muitas das cerimônias do antigo rito latino: o sinal duplo da cruz, o sopro sobre os olhos, o sal na boca e a saliva nos ouvidos e no nariz e a unção com óleo previamente consagrado por um bispo. A partir de 1525, Zuínglio rejeitou todas estas práticas como acréscimos humanos e foram abolidos porque não tinham fundamento na palavra de Deus.
Ele condenou os anabatistas dizendo “Eles subvertem tudo” e em 1526, persuadiu o conselho de Zurique a estabelecer um registro batismal em cada paróquia. Esse recurso, junto com a decisão de expulsar aqueles cidadãos que se recusavam a submeter seus filhos ao Batismo, permitiu que os magistrados fizessem do batismo infantil um instrumento para a conformidade da lei. Se Zuínglio pareceu subestimar o Batismo nas águas como evento salvífico, voltou para sua defesa como símbolo indispensável da unidade eclesial. E por isso ele lidava com a crise banindo os ofensores obstinados e decretando morte por afogamento como pena pelo rebatismo.
Podemos aplaudir a teologia da tradição reformada posterior por recuperar uma teologia dos sacramentos mais encarnacional, mas o apelo de Zuínglio ao apriorismo e à liberdade da graça de Deus permanece como um aviso necessário contra toda forma de idolatria institucional.
Na Comunhão Anglicana, existem basicamente três linhas de interpretação sobre o Batismo infantil: os que dizem que é uma tradição da Igreja que deve ser preservada, os que dizem que foi uma adaptação da Igreja a circuncisão e os que defendem uma “teologia do pacto”.
Como vimos o Batismo infantil possui uma grande base nas Escrituras, na Tradição dos Pais da Igreja e na Teologia dos Reformadores e na razão que nos mostra que tendo todo esse respaldo, cabe a nós cumprir a nossa missão como cristãos trazendo nossos filhos para serem batizados e incentivando os demais a também fazerem o mesmo.
O autor é Catequista e Franciscano na Paróquia Anglicana da Natividade (Natal – RN)
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