A importância do legado de Dietrich Bonhoeffer para a Igreja no Brasil

Autor: Luís Cumaru

Constitui-se  um  verdadeiro  desafio  para mim, falar da  importância da vida  e  obra de Dietrich Bonhoeffer para o meu país.  Minha admiração  por ele vem desde 1983,  quando eu estudava em curso teológico. Muito tempo depois li a sua biografia escrita por Eberhard Bethge, mas foi em 1996, quando conheci e me filiei a sociedade internacional Bonhoeffer , seção de língua inglesa, que pude conhecer a  largura e o comprimento,  a  altura e  a profundidade do seu legado.

D. Bonhoeffer viveu no período considerado por muitos estudiosos, como o mais importante e crítico do século XX, a 2ª guerra mundial- (segundo a Universidade Estadual do Rio de Janeiro o número  de  mortos neste  período  é  o equivalente  a toda população  Brasileira  recenseada em 1950).   Embora o Brasil só tenha entrado na guerra em 1944, sabemos pela  obra  de  Stanley Hilton  _ “Suástica sobre o Brasil”, que no início dos anos 40,  a  ABWER  (departamento de inteligência  militar da  Alemanha,  onde  Bonhoeffer   trabalhou como agente de informações durante os últimos anos de sua vida) estabeleceu aqui uma ampla rede de espionagem, devido a posição altamente estratégica do nosso país. Mas embora o seu legado seja muito amplo  na área  social e  ética,  é nas  suas reflexões  teológicas  sobre a igreja (eclesiologia) que vou me concentrar agora. 

As Igreja Cristãs Evangélicas brasileiras(ou protestantes -expressão não muito corrente hoje em dia e que se aplica mais as denominações históricas) são bem jovens. Só no século XIX foram  fundadas as primeiras congregações por missionários estrangeiros em nosso solo.  Oscilando  entre a influência de  teologias  vindas  do  exterior e a  formulação  de uma  teologia  nativa   e  contextualizada,  nosso  protestantismo amadurece  buscando ter uma identidade própria. É dentro desta realidade que vejo a importância do legado de Bonhoeffer que sempre equilibra a teologia reformada com a teologia bíblica. Para ele a identidade da Igreja é Jesus Cristo, e isto não no sentido do programatismo, mas no sentido da Igreja ser a forma  de Cristo  no mundo. Me fundamento especialmente no capítulo “A Imagem de Cristo” do livro Discipulado e no capítulo “Ética como Formação”, da sua obra póstuma , Ética. Esses dois capítulos me trazem a mente a  sentença de Goethe-  “O  comportamento  é um espelho onde cada um mostra qual é a sua imagem”. De acordo com Bonhoeffer a Igreja é chamada a refletir a figura e o amor de Cristo, em ações e palavras. Assim como o Cristo Encarnado-o Deus que se fez  homem- somos chamados a viver a fé em meio ao mundo criado e amado por Deus. Jesus sentava-se a mesa com amigos e inimigos, participava das festas e tradições do seu povo e nos  chama a  vivermos uma espiritualidade não alienada, mas participativa no mundo . Em sua tese de doutorado “Sanctorium Communio”-Um Estudo Teológico da Sociologia da Igreja, ele expressou isso da seguinte forma:” precisamente no contexto diário da vida que a igreja é crida e experimentada” Na conformação com o Cristo Crucificado, ele nos diz que a marca e o sucesso da Igreja neste mundo chama-se cruz, e não a glória e o sucesso visíveis.  Nos  últimos  anos tem crescido em nossa terra a ‘teologia da prosperidade’, que afirma que todo o sofrimento é conseqüência de pecado e falta de fé. Não rejeitando a possibilidade de uma vida terrena próspera, nosso teólogo escreveu em uma das suas cartas da prisão “que a benção inclui a cruz, e que a cruz inclui a benção”. E em Sanctorium Communio ele diz:” a realidade da igreja não é  experimentada em momentos de exaltação espiritual,  mas com as rotinas e sofrimentos da vida diária, no contexto do serviço ordinário”. E na conformação com o Cristo Ressuscitado e Transfigurado, ele nos fala da realidade da nova criação em Cristo, que já manifesta os sinais do seu reino no tempo presente. A partir então dessa conformação com a encarnação, cruz e ressurreição, vem então a sua definição eclesiológica: “a Igreja é Cristo existindo em forma de comunidade”. 

“Na Igreja temos um único altar, o altar do Altíssimo, diante do qual todas as criaturas devem dobrar os joelhos” (sermão de fevereiro de 1933, logo após a ascensão de Hitler ao poder). É diante do altar do Deus que se fez homem, morreu e ressuscitou que a igreja tem de servir e deixar que o amor do seu Senhor se reflita ao mundo. Uma igreja que crê e vive  nessa  comunhão do  Cristo  total,  não se deixa  intimidar diante  dos  poderes contrários à vontade de Deus, sejam eles de ordem secular ou religiosa, nem se torna subserviente de uma estrutura política corrupta e criminosa. O Brasil atravessa um momento bastante difícil: índice de analfabetismo e criminalidade alarmantes, contraste social marcante, onde há uma concentração maior de riquezas por uns poucos, e um número cada vez maior de pobres vivendo em condições sub-humanas. Uma crise política preocupante, onde candidatos de caráter duvidoso, barganham favores em troca de votos dos cristãos. Por tanto de acordo com a encarnação, devemos buscar o reino de justiça e paz dentro do nosso contexto. Devemos também ter a coragem de se preciso for, sofrer por causa da nossa fé e pela causa da justiça em conformidade com a cruz. Mas tudo isso na comunhão do Ressuscitado que prometeu fortalecer e estar com a sua Igreja até a consumação dos séculos.

Finalmente tudo isso ganha um valor especial pela forma com que Bonhoeffer refletiu em sua vida essas realidades. Amou a igreja do seu tempo, sofreu com ela e por ela, mas também participou ativamente do destino da sua pátria, e quando viu que a sua igreja silenciou diante de tanta injustiça, que os cristãos não levantaram suas  vozes em favor “dos irmãos mais fracos e indefesos de Jesus Cristo-(os judeus e os 200.000 considerados indignos de   viver, entre eles os deficientes físicos e mentais, todos estes condenados a eutanásia, mais os milhares de ciganos, homossexuais e testemunhas de Jeová levados para os campos de extermínio)” não calou e nem desistiu mesmo sabendo o risco que iria correr se fosse adiante pela causa. Consciente que o discípulo não está acima do seu mestre e nem o servo acima do seu senhor , não se conformou em ser um cúmplice dos crimes praticados pelo seu próprio povo, pagando assim um alto preço, o martírio aos 39 anos de idade. Sua vida   é um testemunho vivo de suas palavras que merecem e devem ser conhecidas e estudadas por nossa Igreja no Brasil.

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