Autor: Mário Ribas
Existe um velho adágio que diz “a sua força é a sua fraqueza, sua fraqueza sua força”. Eu acredito que isto tem tudo a ver com as mensagens que a sexta-feira santa e o domingo de páscoa juntos nos transmitem.
Na narrativa da Paixão encontramos Judas, que permitiu à ganância levá-lo a trair seus amigos. Mais adiante encontramos Pedro, figura de personalidade forte, negando Jesus, algo que ele admitiu jamais fazer. Também vemos Pilatos, que para manter sua popularidade frente ao povo que governava, não teve coragem para fazer valer a sua autoridade e manter o que acreditava ser justo e verdadeiro. Todos esses permitiram que suas forças se tornassem suas fraquezas. E a vítima de toda esta trama, Jesus, é condenado num julgamento questionável, e leva sobre si todas as fraquezas de nossa humanidade. Na sua humildade não se rebelou, não tentou se justificar, porque sabia que a força daqueles que o condenavam havia se tornado a fraqueza deles. Enquanto ele, na sua atitude de obediência que denotava fraqueza, sabia que sua missão era exatamente carregar sobre si a fraqueza de todo o mundo.
Na narrativa da ressurreição, encontramos força na fragilidade das mulheres que ousaram permanecer perto de Jesus o tempo todo. Às vezes temos a impressão de que as mulheres foram colocadas, pelos evangelistas, apenas para efeito das narrativas da paixão e ressurreição, e não como elementos ativos e fundamentais da estória. No entanto foram elas que tiveram coragem de ficar ao lado de Jesus, e de manhã, no domingo foram ao túmulo, mesmo sabendo que não conseguiriam remover a pedra facilmente. Enquanto isso, aqueles que seriam os “elementos principais” da estória estavam escondidos, amedrontados. Enquanto homens eram mais visados, e deviam ter ciência disso. Seria melhor se esconderem ou fugirem para Emaús, do que ficarem expostos, e se sujeitarem ao mesmo destino. Deste modo, as mulheres foram as primeiras a se lembrarem de que a morte de Cristo não era o fim, e sim, o começo da vida nova que se manifestaria através da comunidade dos primeiros cristãos e se propagaria por toda a terra.
Ambas as narrativas nos ensinam muito sobre a força ser a nossa fraqueza, e nossa fraqueza força. É necessário passarmos pela paixão para entendermos a ressurreição. A sexta-feira santa nos lembra nossas próprias fraquezas e vulnerabilidade, e não gostamos disso; por isso, muitos cristãos evitam aparecer na Igreja nesse dia.
Queremos viver no mundo da ilusão que criamos, onde todas as coisas têm um final “hollywoodiano”. Detestamos encarar nossas fraquezas e falhas, envelhecimento e morte; a pobreza do nosso país, ou a visita a um doente no hospital. Percebemos que o mundo perfeito com o qual sonhamos não existe e ainda o quanto a nossa vida pode ser vazia. Apesar de tudo, devemos lembrar que não há possibilidade de encontrarmos final feliz se ficarmos escondidos e amedrontados, evitando a realidade. O confronto com a realidade é necessário, e o reconhecimento de nossa fraqueza para que ela se torne em força; de outro modo, aquilo que achamos ser a nossa força pode nos levar ao fracasso.
Ressurreição é isso: é a força que emana da fraqueza de um homem que sempre destruiu os castelos de sonhos de muita gente; um homem que tentou mostrar aos poderosos que a força deles seria a sua destruição; que criticou as fraquezas dos fortes, e fortaleceu os fracos. Um homem que foi odiado devido à sua coragem de apontar os pontos fracos dos que se achavam fortes, e desta forma foi morto, e da sua morte emanou a vida. A morte de Cristo foi vista pelos discípulos como o fracasso de todo um projeto de salvação da humanidade, mas eles estavam enganados. Da morte surgiu a vida. Vida nova, que se manifesta na Igreja e através da Igreja. O Cristo ressuscitou através da coragem daquelas mulheres frágeis, e reascendeu a esperança daqueles homens cuja força havia virado fracasso. Deu a eles e elas, coragem para continuar aquilo que Ele havia começado.
Enquanto Igreja somos desafiados a encarar a realidade em que vivemos – pessoal e comunitária. Se nos acharmos fortes e ignorarmos a realidade, então seremos fracos, e vencidos pela cultura de morte que predomina em nossa sociedade. Se encaramos nossas fraquezas, isso significará que estamos dispostos a nos tornarmos agentes de mudança e transformação, e nos surpreenderemos com os resultados.
Que o Cristo ressuscitado nos ajude a encarar as nossas fraquezas para que dela emane a força transformadora. E que assim possamos ressuscitá-lo a cada dia na nossa vida, e nos nossos atos, para que a vida sempre triunfe.
* Rev. Mário Ribas – Pároco-Capelão da All Saints’ Church/Paróquia de Todos os Santos.
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