Fé e liberdade

Autor: Guilherme Lieven

A Reforma do século XVI, liderada por Martim Lutero, foi um poderoso movimento de luta pela liberdade. Lutero promoveu um movimento de renovação da igreja cristã, que atingiu a vida de pessoas e de comunidades. Já em 1520 afirmou enfaticamente que “um cristão é senhor livre sobre todas as coisas e não está sujeito a ninguém – pela fé. O cristão é servidor de todas as coisas e submisso a todos – pelo amor.” A fé e a graça de Deus libertam todos e todas da lei (para ser salvo deve fazer isso, deve fazer aquilo…), do pecado e da morte. Colocam todas as pessoas no mesmo nível; todos são dependentes da graça de Deus (Romanos 8). A Reforma influenciou e criou novas experiências com Deus; relativizou doutrinas e poderes eclesiásticos; e codificou teologias novas para legitimarem espiritualidades que religam a pessoa humana diretamente com Deus, tornando-a livre para participar da criação de nova vida.

Novamente é tempo de perguntar pela importância da Reforma e pela sua contribuição para as cristãs e cristãos, como movimento histórico vivo e presente nos dias de hoje. Afinal, nossa sociedade está fortemente marcada pelo conhecimento, pela automação, pela informação. Trata-se de uma nova etapa da história humana. Cresce uma consciência planetária coletiva que muda padrões de comportamento, as relações com o outro e com a natureza, que transforma os valores da subjetividade e de outras dimensões da vida humana. Neste novo momento histórico, nesta nova etapa da vida humana, somos desafiadas e desafiados a indagarem pela liberdade. Há liberdade entre nós? Os cristãos vivem como corpo vivo de Cristo, livre e atuante nesta nova etapa histórica? O pluralismo doutrinário das igrejas cristãs, marcado pelo legalismo e pelo fundamentalismo, as novas propostas espirituais e comunitárias, permitem a influência da Reforma e sua busca por liberdade?

Em meio a estas e outras perguntas, ávidos por respostas convincentes e completas, proponho um pequeno desvio para duas passagens bíblicas em que Jesus é o protagonista. Primeiro, aquele relato de João 8. 31ss. Jesus afirma aos que acreditaram nele: “Se vocês obedecerem às minhas palavras, serão de fato meus seguidores e conhecerão a verdade, e a verdade os libertará.” Os que cercavam Jesus responderam: “Nunca fomos escravos de ninguém. Como é que você diz que seremos livres?” O diálogo de Jesus continua. Mas, quero extrair da passagem o fato de Jesus propor a liberdade para pessoas que não tinham a consciência de escravos; entendiam-se como livres. Creio ser este o grande desafio da Igreja de Jesus Cristo, em nossos dias; qual seja: como anunciar a liberdade para quem vive a ilusão de ser livre? A procura das pessoas por Deus não privilegia o todo da sua dimensão humana como criatura de Deus e não pressupõe o seu estado de escravidão. Mas, tem a característica de uma procura para resolver problemas individuais, pessoais e casuísticos; fazendo de Jesus um mestre fundamentalista, moralista e legalista, um curandeiro barato; e do Espírito Santo um poder que sopra e batiza só onde alguns querem e preferem, um terapeuta e massagista das dores espirituais e outras da dimensão subjetiva da pessoa humana. O propósito, o alvo, então, passa a ser o prazer “espiritual”, satisfação individual, ganhos econômicos e materiais, privilégios pessoais e coletivos, em detrimento a escravidão dominadora e nefasta não admitida , assumida e denunciada.

A segunda passagem bíblica que contribui para as respostas que buscamos, é aquela em que Jesus cercado por uma grande multidão, mesmo cansado, continua sua atuação libertadora. Ali Ele percebeu que aquelas pessoas, além de famintas, “pareciam ovelhas sem pastor”(Marcos 6.30ss.). Destaco a percepção de Jesus. Como seguidores e seguidoras de Jesus Cristo somos desafiados e desafiadas a admitirem que a massa humana, as multidões famintas e escravas, vivem como ovelhas sem pastor. Mesmo reconstruindo valores e padrões de comportamento, mesmo com todas as informações, tecnologia e conhecimento estão sem rumo e caminho, sem a verdade e liberdade, sem vida.

Corremos um grande risco nesta nova etapa histórica que sofremos e vivemos: a possibilidade de fazermos grandes e bonitas experiências espirituais, de reabilitarmos a cultura religiosa, de redescobrirmos a importância do espírito humano, de reunirmos grandes multidões maquiadas por discursos bíblicos e teológicos, porém vazios do conteúdo da fé no Cristo de Deus, longe do Jesus Cristo da cruz e da ressurreição; afastados do Deus de amor que morreu e ressuscitou para vencer a nossa escravidão e doar a liberdade, transformando os que crêem em vidas novas que participam da criação de nova vida.

As pessoas, o povo, a igreja, toda a humanidade, necessitam de liberdade e fé. Graças a Deus a Reforma luterana canta neste tom da liberdade, com a harmonia da fé no Cristo da Cruz e da ressurreição, o Cristo de Deus.

 

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