Autor: Autor Desconhecido
Introdução
Falar desses desafios exige que cada confrade negro reveja séria e profundamente sua prática pastoral, no tocante à sua identidade de negro e o seu engajamento na luta pelo resgate da cultura e da vida dos nossos irmãos negros nestes 10 Anos de Caminhada no Movimento de Franciscanos(as) Negros(as).
Qual é o nosso papel de Franciscanos(as) negros(as) frente ao povo negro?
Como em nossa ação evangelizadora (pastoral) estamos assumindo esta causa e como ela se torna realidade?
Estas perguntas podem nos ajudar numa avaliação pessoal na caminhada, no Movimento e na Ação Evangelizadora.
Antes de aprofundarmos estes desafios do Movimento, vamos fazer uma breve colocação a respeito da Caminhada da Igreja na América Latina e no Brasil após o Concílio do Vaticano II. Esta visão ajudará contextualizar a caminhada de 10 anos do nosso Movimento Negro, seu nascimento, desenvolvimento e desafios pastorais nesse período.
I – Concílio Vaticano II – 1962 – 1965
O Concílio Vaticano II veio definir novas linhas da Ação Pastoral da Igreja no mundo em contínuas transformações, no qual o homem está inserido com suas angústias e esperanças. É neste mundo carregado por mudanças estruturais e culturais – ameaçado de ser construído “sobre a injustiça, a cobiça, a luta pelo poder e a violência”[1] – que a Igreja deve responder aos apelos e anseios do homem contemporâneo. Frente às questões sociais conflitantes e desafiantes, o Concílio afirma a “primazia do homem, pelo seu valor e dignidade”. O Vaticano II se posiciona na sociedade constituídas sobre os moldes de um sistema selvagem que desrespeita os direitos fundamentais da pessoa, quando diz: “Qualquer forma de discriminação nos direitos fundamentais da pessoa, seja ela social ou cultural, ou funde-se no sexo, raça, cor, condição social, língua ou religião, deve ser superada e eliminada, por que contrária ao Plano de Deus”[2].
Trinta anos de pois do Concílio e ainda sentimos formas discriminatórias bem claras em nosso meio social e religioso.
No Vaticano II também se assentua uma “atitude ecumênica”[3] um passo para o diálogo entre os não-cristãos. Este diálogo deve se estender até os nossos irmãos e irmãs negros(as) dos cultos afro-brasileira. Está na hora de a Igreja do Brasil assumir esta atitude ecumênica na prática.
Contribuição pastoral:
Com o Vaticano II o conceito de Pastoral tornou-se mais amplo, isto é, superou positivamente uma visão restrita, voltada sobretudo à dimensão sacramental, à ‘cura da alma’ e de obras, instituições temporais[4]. A pastoral tomou um novo impulso, saindo de uma tendência funcional e pragmática, assumindo um sentido mais dinâmico na ação evangelizadora, tendo presente a realidade sócio-economico-cultural e religiosa do povo, porque “toda a história da salvação é concebida em termos de povo, o ‘Povo de Deus’”[5]. Esta mudança substancial no conceito de pastoral foi retomado e ampliado por Medellin e depois por Puebla que passaremos a refletir.
II – América Latina
A nível de América Latina surgem duas Conferencias MEDELLIN (1968) e PUEBLA (1978) que “traduzem a crescente consciência eclesial de que é preciso aprofundar as análises para perceber as causas institucionais e estruturais da injustiça. É nessas raízes que se manifesta o pecado pessoal e social[6]. Analisar tais causas institucionais e estruturais, no dizer de Medellin, é necessário para a “Libertação integral do homem que inclui a libertação sócio-economica”[7]. Esta caminhada de promoção humana deve ser dar dentro de um “processo de Comunhão e Participação a partir da organização do povo pobre’”[8].
A “Opção Preferencial pelos Pobres” foi u passo concreto que a Igreja da América Latina deu no interior de sua História, a partir do qual criou-se um novo modelo de Igreja: que nasce da base ao lado de massas discriminadas e excluídas da participação social, devido o sistema capitalista selvagem, cujas implicações negam o valor e a dignidade de milhões de seres humanos.
A Igreja ao assumir essa opção quer demonstrar que existem, no Continente latino-americano, duas categorias de pessoas em permanente pobreza: “os índios sem acesso aos bens da sociedade e, em certos caos, não evangelizados ou insuficientemente evangelizados; e os afro-americanos, que são tantas vezes esquecidos’[9]. Temos aqui um dado muito importante: a explicação direta que Puebla faz das ”duas categorias de pessoas em permanente pobreza” no Continente Latino-americano que Medellin não explicita diretamente.
Contribuição pastoral:
Se o Concílio do Vaticano II deu passos no conceito da Ação Pastoral da Igreja, as duas Conferências concretizaram tal conceito, assumindo nessa ação libertação integral do homem. Segundo Pe. José Marins esta nova ação (“praxes”) do continente se desenvolveu em torno de 3 aspectos;
a) Compromisso com a realidade;
b) Revisão e renovação dentro da Igreja em suas estruturas e missão;
c) Experiências de tensão, sofrimentos, martírios e lutas.
Por isso se diz que é um novo modelo de Igreja porque nasce do povo, isto é, dos pobres e excluídos. A Comunidade Eclesial de Base… na América Latina é a Igreja dos pobres, porque se desenvolveu sobretudo nos ambientes populares. Por conseguinte, temos uma pastoral que se afirma em meios pobres. Esta Igreja do povo é o lugar de reconciliação entre o catolicismo dos pastores e o catolicismo dos pobres.[10]
Nós como franciscanos(as) Negros(as) nos inserimos nesta pastoral de cunho libertador, porque nos inserimos no meio dos pobres e excluídos. É a partir desta visão que aprofundamos os desafios pastorais que o Movimento de Franciscanos(as) Negros(as) nesses 10 anos de caminhada experimentou. Antes, porém, vejamos a Igreja do Brasil dentro destas mudanças.
III – Igreja do Brasil
A Igreja do Brasil não escapou às mudanças pós-Vaticano II. Sob as influencias do Concílio ela passou-se a preocupar com sua renovação interior (ad intra). “de imediato, a preocupação foi com a renovação interna da Igreja sob o impulso da LUMEN GENTIUM: liturgia, vida religiosa, vida sacerdotal, paróquias, etc.”[11] o documento Lumen Gentium é uma luz na renovação da Igreja enquanto ‘Povo de Deus’ chamado à união com Cristo que é Luz do Mundo”. [12]
Implicações de Medellín
Com o advento de Medellina Igreja do Brasil, atualizando o Concílio, dar um passo para fora de si (ad. Extra), ou seja, ela passa a tomar consciência do seu papel fundamental sócio-política-transformador na realidade brasileira ao despertar par as tramas político-econômicas do acelerado empobrecimento dos pobres Latino-americanos[13].
Segundo Pe. José Marins e sua equipe, “as resoluções de Medellin permitiram e favoreceram à igreja o despertar do espírito de autocrítica a respeito do modo de evangelizar, da pedagogia e da forma de fazer história”.[14]
Implicações de Puebla
Com Puebla a Igreja reafirma sua opção pelos menos favorecidos e marginalizados da convivência social. A Igreja assume o Documento de Puebla em sua forma explícita de “dizer que o marginalizado, em sua maioria , tem um rosto definido; rosto negro e rosto indígena. Descobre que o trabalho pastoral é mais eficiente quando parte do próprio oprimido”.[15]
A Igreja também assume uma metodologia de cunho libertador, isto é, do VER, JULGAR E AGIR.
As comunidade Eclesiais de Bases passam a se fortalecer como espaço de reflexão da vida cotidiana das classes dominadas. Nas CEB’S a realidade sócio-político-econômio e religiosa é julgada à Luz da Palavra de Deus. A partir desta reflexão cresce uma nova consciência eclesial de ver, julgar e agir na sociedade, uma vez que a “dimensão do pecado social e da injustiça embutida nas próprias estruturas sociais, econômicas e políticas’[16], tornaram0se cada vez mais presentes na vida das categorias pessoais mais desprovidas da sociedade.
A resposta da Igreja do Brasil a tudo isto vai se concretizando na sua Linha de Evangelização, quando na Assembléia dos Bispos de 1987 define o Objetivo Geral da CNBB, nestes termos: “Evangelizar o povo brasileiro em processo de transformação social, econômica, política e cultural, anunciando a plena verdade sobre Jesus Cristo, a Igreja e o Homem, à luz da evangélica opção preferencial pelos pobres, pela libertação integral do homem, numa crescente participação e comunhão, visando formar o Povo de Deus e participar da construção de uma sociedade justa e fraterna, sinal do Reino Definitivo”. [17]
Campanhas da Fraternidade
As Campanhas da Fraternidade a partir de 1973, tomam uma reflexão em seu temas e lemas, tendo como ponto de partida o Documento “GAUDIUM ET SPES” do Vaticano II. “A Igreja, ao mesmo tempo que zela por sua renovação interna (ad intra), renova-se em sua missão no mundo (ad extra), na realidade brasileira [18]. A Igreja, poderia dizer, criou espaço para as classes subalternas que história da sociedade brasileira nunca tiveram vez e nem voz, frente às estruturas de dominação e opressão.
A Campanha da Fraternidade de 1988, não está fora desta opção preferencial da Igreja pelos pobres. Ela, mesmo diante das resistências, de correntes tradicionais no seu interior, assume o projeto dessa Campanha sobre “A FRATERNIDADE E O NEGRO”, reconhece sua omissão ao longo da escravidão deste país e cria espaço para o negro manifestar sua cultura, como: seus valores, expressões, símbolos, sinais, etc. neste contexto “os religiosos negros, em vários estados do Brasil, apesar de poucos, articulam-se dentro dos regionais da Conferencia dos Religiosos do Brasil, com o objetivo de ajudar as estruturas de serviço do negro. Estão deixando para trás a fase de ficar de fora, somente criticando as estruturas”[19].
Nós, fraciscanos(as) negros(as), também nos colocamos neste contexto de religiosos(as) negros(as).
IV – Movimento do(as) franciscanos(as) negros(as)
O Movimento nasce no mesmo contexto dos movimento (MNU, Grupo de Consciência Negra, APN’S; bispos e Padres Negros), sentido os mesmos desafios frente a uma elite branca que sempre dominou as classes subalternas deste nosso país. Ele é fruto de um contexto sócio-político-teolígico libertados que a partir de 1968 toma corpo nos “próprios grupos oprimidos que começam a traçar projetos alternativas de evangelização”[20]. É sobre este impulso que muitos religiosos(as) negros(as) se colocam ao lado de uma pastoral libertadora, a partir dos negros pobres e excluídos.
Campanha da Fraternidade
Com a Campanha da Fraternidade de 1988, amplia-se o trabalho de articulação do movimento a nível nacional. Os franciscanos Negros diante dos desafios, no interior da Ordem, nas diversas províncias, começam a articular, tendo à frente Frei David Santos, da Província da Imaculada de São Paulo que assumiu à nível de Província e de Brasil a causa do povo negro.
No interior de algumas Províncias cresce desconfianças e resistências por um trabalho pastoral de cunho marcadamente voltado para o negro. Neste sentido o conceito de Pastoral não coincide com a visão de colonização, mas sim com a visão de São Francisco “irmão menor no meio dos maiores”. Eis uma das razões, pela qual nós empenhamos em elaborar um “Projeto de Evangelização a partir do Negro”[21] especificamente em áreas próprias franciscanas, onde o negro tem predominância social e religiosa. Este deve ser um dos primeiros desafios pastorais que devemos superar nesta caminhada de 10 anos de movimento.
V – Desafios pastorais da ação evangelizadora do movimento
Nesta parte apresentamos a caminhada de luta e desafios do Movimento de Franciscanos(as) Negros(as) nestes 10 anos de ação pastoral voltada especificamente à causa de irmãos e irmãs negros e negras que em nível populacional são a maioria em regiões marcadas pela presença Franciscana. Nosso potencial, gerador de vida, deve ser colocado a serviço do resgate da vida e da cultura deste povo.
Estas colocações estão abertas para um maior aprofundamento e contribuições por parte de confrades negros e religiosas que ao longo destes 10 anos estiveram em nossos encontros, refletindo nossas utopias, resistências, vitórias e práticas evangelizadoras em nossa vida de consagrados(as) que atuamos na Evangelização inculturada, servindo aos irmãos negros que lutam por vida digna e pelos seus direitos.
1º Encontro
a) Realizado nos dias 09 a 11 de março de 1988, em Nogueira/Petrópolis – RJ.
b) Tendo como objetivo; “levar a nós, frades negros, a assumir nosso sangue negro e percebermos que a conseqüência de um passado que legitimou a escravidão ainda hoje persiste nas nossas províncias, por mais sutis que sejam”.
c) Fato de vida: o fato de vida marcante foi a presença do Ministro Geral Frei João Vohn e “a experiência de cada um serviu para fortalecer nossa caminhada”.
d) Temas aprofundados:
· “O Moreno na Vida Religiosa Franciscana”;
· “O Negro na Ordem dos Frades Menores”;
· “Discriminação na Caminhada Franciscana Hoje”;
· “Projeto África”.
Desafios na ação evangelizadora (pastoral):
· Superação da ideologia do embranquecimento reproduzido no interior das províncias franciscanas que aqui estabeleceram, cujos sintomas nós negros ainda hoje sofremos;
· Elaboração de um “projeto de evangelização a partir do negro. Isso significa “liberação de equipes de frades – negros/ brancos -, para, em várias partes do Brasil, trabalhar junto à comunidade negra por sua libertação”.
· Formação de uma pastoral assumida por pessoas que desenvolvam a consciência a partir da causa negra.
· Promoção de um trabalho vocacional, nas paróquias franciscanas, voltado sobretudo para o negro; como também no processo formativo seja levado em consideração a história de nossas famílias negras que foram massacradas “pelo sistema de escravidão e continuam sendo torturadas pelo sistema político e econômico vigente”.
· Engajamento dos frades negros no Movimento de Agentes de pastoral Negros, espaço que favorece a inserção do negro religioso na situação real do negro leigo que muitas vezes não tem nem voz e nem fez frente ao sistema discriminativo e excludente.
2º Encontro
a) O 2º Encontro aconteceu nos dias 07 a 10 de 1989 em Salvador – BA
b) FATO DE VIDA: os fatos marcantes foram “os momentos celebrativos e o encontro com lideranças do Movimento Negro”.
c) OBJETIVO: Perceber na Igreja do Brasil “as novas compreensões Eclesiais, Teológicas, Bíblicas e Pastorais a partir da própria realidade Afro-latino-americana”.
d) TEMAS APROFUNDADOS:
· “Religiosos Negros como Desafios à situação Periférica na Vida Religiosa”;
· “500 Anos de Evangelização: “Pelos Frutos se Conhece a Árvore’”.
e) DESAFIOS DA AÇÃO EVANGELIZADORA:
· Intensificar o nosso trabalho de base junto aos animais religioso negros e ao povo negro.
· no final deste trabalho este desafio voltará como ponto superado, em parte, pelo movimento.
· Deixarmo-nos tocar pelo desafio que a situação nos faz, no sentido de, entre nós, sair frades negros com a missão de dedicarem-se à pesquisa histórica, teológica, etc. a partir da ótica do negro e como contribuição à caminhada do religioso negro o do povo negro;
· Incentivar confrades negros a se prepararem em vista de assumirem o Projeto África a partir deste emergir da nova consciência de presença ao povo de Deus;
· Assumir a prática libertadora de Jesus Cristo, a fim de que a situação de periferia, na qual foi jogado o nosso povo negro chegue ao fim.
3º Encontro
a) Realizado nos dias 08 a 12 de janeiro de 1990, no Convento Histórico de N. Sr.ª dos Anjos, em Penedo – Alagoas.
b) OBJETIVO: Diante dos desafios sócio-políticos em que vivem as classes oprimidas, “solidificar a nossa organização de Franciscanos Negros, dentro da Vida Religiosa Franciscana”
c) FATO DE VIDA: – Contato e celebração na Senzala do Convento;
– Visita e Celebração na Serra da Barriga;
– Contato com a comunidade de Palmeira dos Negros;
– Participação de um confrade Capuchinho (RS) e outro Conventual (MA);
– Presença do Ministro Provincial, Fr. Antônio Carlos Cajueiro.
d) TEMAS APROFUNDADOS:
– “Ser Negro na Ordem Franciscana”;
– “Retomando o II Encontro: Liturgia e projeto África”,
– “Crítica ao Texto: (Senzala de Conventos)”;
– “Acolhimento e Formação do Jovem Negro na VR Ontem e Hoje”;
– “Espiritualidade do Religioso Negro”.
e) DESAFIOS NA AÇÃO EVANGELIZADORA:
• Pastoral Vocacional – dar condições para que os candidatos negros assumam sua negritude já no despertar vocacional;
• Superação de uma Espiritualidade dos manuais europeus;
• Posicionamento frente às pesquisas tendenciosas, que demonstram desconhecer a bem montada estrutura da repressão e controle do negro nas cidades e nas fazendas feita pela classe dominante, sobretudo aquelas que visam amenizar as verdades no que se refere à realidade dos escravos nos conventos.
· Alguns desafios já superados serão apresentados em outra parte.
4º Encotnro
a) O IV Encontro dos Franciscanos Negros aconteceu nos dias 28 de janeiro a 01 de fevereiro de 1991, na cidade de Rosário Oeste-MT.
b) FATO DE VIDA: A inserção dos confrades nas Mini-missões. Esta experiência nos levou a aproximar da vida do povo nas periferias da cidade e a refletir a posição sócio-econômica-política e religiosa do povo negro na sociedade.
c) OBJETIVO: Assumir a opção Franciscana e o momento Eclesial, Político e Social, como campo que nos desafia a trabalhar pelo Reino de Deus a partir de nossa realidade de negros.
d) TEMAS APROFUNDADOS:
• “Posição dos Franciscanos Restauradores Frente ao Povo Negro”;
• “Questões que nos Desafiam:
· Discriminação vocacional em Angola;
· Missões na África;
· Intercâmbio entre índios e Negros;
· Pesquisa na Província;
· Reestruturação do Trabalho;
· Encontro de 1992;
· Mini-missões;
· Etapa de Caminhada.
e) DESAFIOS NA AÇÃO EVANGELIZADORA:
Zelar por Igrejas, prédios, etc. remanescentes de quilombos que foram lugares de manifestações da vida religiosa e cultural do povo negro. Isto para não acontecer a exemplo da restauração da Igreja de São Francisco conservada pelos negros da Irmandade de São Benedito de São Paulo, que ao se identificar com o Santo Negro o colocou como padroeiro da Igreja, assumida num período de 50 anos por aqueles negros.
5º Encontro
a) O 5º Encontro realizou-se nos dias 27 de janeiro a 01 de fevereiro de 1992, em Petrópolis – RJ.
b) FATO DE VIDA: “Celebração afro na Igreja Velha do Pilar, Duque de Caxias, construída por volta de 1610, foi um dos momentos mais fortes de experiência da presença de Deus em nossas vidas”.
c) OBJETIVO: “Aprofundar o apelo dos MINISTROS GERAIS DAS ORDENS FRANCISCANAS, em seu recente documento de 25/12/91 sobre o V CENTENÁRIO DE EVANGELIZAÇÃO DA AMÉRICA, onde solicita que todos os franciscanos emprendam uma releitura destes 500 anos, dando também um caráter de “EXAME DE CONSCIÊNCIA”.
d) TEMAS APROFUNDADOS:
– “500 anos e a Diversidade de Interpretação”;
– “500 anos e a Diversidade da Caminhada Negra”;
– “500 anos e a Liturgia Afro”;
– “500 anos e Posicionamento da Igreja”.
e) DESAFIOS NA AÇÃO EVANGELIZADORA (PASTORAL):
– Assumir uma interpretação dos 500 anos de evangelização na América que tenha como ponto de partida a “situação de povo oprimido”, assim como foi do Egito.
– “Contemplar nos empobrecidos de hoje (negros, índios, mulheres, etc.) o rosto de N. S. Jesus Cristo, pobre e crucificado, como fez nosso pai e Irmão Francisco de Assis”.
– Devolver “ao povo a liturgia popular envolvente, onde o Mistério da Ressurreição retoma o seu sentido amplo e profundo”. Carregamos uma liturgia européia padronizada e sistematizada que não deixa manifestar o nosso ser, isto é, a partir do universo simbólico que a cultura afro nos proporciona, digo de passagem, muito mais do que a cultura ocidental.
– Dar testemunho “de que o verdadeiro ato de evangelização é estar em sintonia com a justiça do reino, posicionando e, até sofrendo ao lado dos pequenos, e não compondo-se com o poder estabelecido para fazer sobreviver a Instituição”.
6º Encontro
a) O 6º Encontro aconteceu nos dias 18 a 23 de janeiro de 1993, em Bacabal – MA
b) FATO DE VIDA:
– Participação de Congregações Femininas;
– Mini-missões nas Comunidades Negras;
– Celebração Afro na Comunidade de São Sebastião;
– Noite Cultural com as várias expressões Afro Regional, apresentadas pelo Grupo GNPR (Grupo Negro Palmares Renascendo).
c) OBEJTIVO: Aprofundar o tema “Liturgia e Inculturação”.
d) TEMAS APROFUNDADOS:
– “Inculturação”.
– “Inculturação: Elementos Afro que já estão entrando na Liturgia”;
– Inculturação: Desafios”.
e) DESAFIOS NA AÇÃO EVANGELIZADORA:
Encontramos muitos desafios que ainda não foram relativamente superados em nossa ação pastoral, especificamente quando se fala de uma Liturgia Inculturada. Eis, portanto, alguns desses desafios:
– Criar espaço na Igreja para formação de um corpo litúrgico e uma mística afro que se manifestam “nas expressões religiosas próprias das comunidades afro-americanas”, as quais ao longo dos 500 anos Evangelização foram suprimidas por outras. Este espaço de orar, celebrar, cantar, levando em conta seu universo simbólico.
– Resgatar em nossa liturgia o rosto negro de Deus;
– Vencer a tendência de querer celebrar de forma apressada, artificial e sem criatividade.
– Orientar outros fiéis “tradicionais” de que uma celebração afro não é macumba e sim uma nova forma de expressar o Deus da vida, portanto, da própria vida do negro (inculturação);
– Assumir alguns elementos, por sinal bíblicos, nas celebrações, como dança, alimentos, atabaques, frutas, etc., sem que se torne um folclore;
– Assumir a missão numa dimensão afro-brasileira; na perspectiva da inculturação, inserindo-nos no meio do povo negro, sobretudo nas favelas e periferias das grandes cidades.
7º Encontro
a) No Ano Internacional da Família, realizou-se o 7º Encontro nos dias 07 a 12 de fevereiro de 1994, em Floriano – PI.
b) FATO DE VIDA:
– Mini-missões em comunidades de origem negra;
– Contato e celebração afro na comunidade de “MIMBÓ”, onde vivem 80 famílias de origem negra.
– Momentos fraternos que estimulam nossa auto-estima para continuarmos a luta frente ao sistema discriminatório.
c) OBJETIVO: – Refletir o tema: “ANTROPOLOGIA E RAÍZES AFROS: DESAFIOS”.
d) DESAFIOS NA AÇÃO EVANGELIZADORA (PASTORAL):
– Valorizar o que temos de mais espiritual, no que diz respeito à nossa maneira peculiar de sermos pessoas negras, sem a dicotomia entre ser e pensar.
– Conhecer a cultura Afro-brasileira para assumir, sem preconceito, suas manifestações que formam o etchos cultural do nosso ser negro; e para manter um diálogo respeitoso, numa atitude muito próxima à das Primeiras Comunidades Cristãs.
– Colocar em prática os documentos da Igreja da América Latina, sobretudo Santo Domingo, no que se refere à Nova Evangelização, destacando com muito acento a INCULTURAÇÃO. Aí sentimos que já são vividas pelo nosso povo, nas celebrações e orações.
– Fazer um trabalho de base nas próprias paróquias voltado, especificamente para o povo de etnia negra.
– Tirar do cotidiano uma linguagem preconceituosa que a ideologia do embranquecimento ao longo dos anos foi introjetada em nós de descendência negra.
8º Encontro
a) realizando nos dias 08 a 14 de fevereiro de 1995, em Maceió – AL.
b) FATO DE VIDA:
– Visita a Serra da Barriga, lugar onde foi construído Quilombo dos Palmares. O momento forte de celebração nos fez experimentar a mística de resistência dos nossos resistentes heróis. Bebendo desta espiritualidade manifestamos nossa solidariedade com aqueles que ainda hoje lutam por uma sociedade mais aquilombada, isto é, mais igualitária entre os diferentes que formam a nossa sociedade.
c) OBJETIVO: Aprofundar “A MÍSTICA DA RESISTÊNCIA NEGRA E OS 300 ANOS DA MORTE DE ZUMBI”.
d) DESAFIOS DA AÇÃO EVANGELIZADORA:
O documento nos aponta os seguintes desafios:
– Fazer suscitar em nós, franciscanos negros e brancos solidários, uma mística de resistência que nos impulsione e uma opção de vida capaz de reverter uma cultura de morte, cujo respeito à natureza e à vida de milhares de irmãos nossos, negros, índios, não está sendo levado em conta pelo sistema neoliberal que degrada a pessoa enquanto pessoa.
– Transformar nossas celebrações e orações em perenes fontes de uma espiritualidade de resistência que nos contagia e estimula para um trabalho evangelizador, partindo da nossa própria cultura, tendo são Francisco e Zumbi como exemplo.
9º Encontro
a) Aconteceu nos dias 25 a 29 de julho de 1996, em Paty do Alferes – RJ.
b) FATO DE VIDA:
– Visita à Fazenda Arcozelo, local que nos fez lembrar a vida de centenas de irmãos e irmãs que ali foram vendidos como “peças” aos senhores. Ao lado da casa-grande nos deparamos com a Senzala e a Capela de N. Sr.ª do Rosário (bem pequena). O momento forte uma oração realizada em volta de uma imagem de São Francisco, cujos traços corporais do Santo remontam a figura do negro sofredor. A imagem encontra-se numa área livre. O elo (abraço) que nos uniu em volta do Santo nos fez reafirmar a mística de resistência experimentada no VIII. Encontro de Maceió.
– Participação de uma representante da OFS e do GNPR de Bacabal.
c) OBJETIVO:
* Avaliação do Movimento dos(as) Franciscanos(as) Negros(as) nos 10 anos de Caminhada.
d) DESAFIOS DA AÇÃO EVANGELIZADORA:
– Assentar um cunho afro-brasileiro em nossas pastorais paroquiais;
– Participar ativamente dos grupos de base – APN’s – existentes ou criá-los em regiões franciscanas.
– Apoiar e/ou criar grupos de religiosos negros e índios (GRENI’s), para refletir a caminhada da Vida Religiosa no contexto sócio-econômico-religioso e cultural em que vivem negros e índios.
– Trabalhar a inculturação a partir do Documento de Santo Domingo, o qual nos dá condições para uma liturgia mais apropriada à nossa cultura e aberta ao diálogo com os cultos afro-brasileiros.
VI. Outros desafios
– Cremos que outros desafios poderiam ser elecando, alargando os horizontes de confrades negros que estão inseridos nesta causa, como:
– Na história da Igreja apareceram homens e mulheres que fizeram opções contrárias às das instituições sociais e religiosas do seu tempo – como São Francisco, Zumbi, etc. Será senão está na hora de darmos novos passos, como resposta ao Novo Milênio e futuros franciscanos (candidatos negros?
– Nos faltam muitas vezes a ousadia e a coragem de São Francisco e de Zumbi. Estes heróis sonhavam com um novo modelo de sociedade e de Igreja, por isso mesmos se lançaram na realização deste sonho, desta utopia. Eis um grande desafio, frente as estruturas de alienação que nos amarram no interior das instituições, impedindo que novos sonhadores se tornem profetas de um povo mais humano e mais próximo do Projeto de Deus.
Estes desafios serão suprimidos à medida que usarmos da nossa ousadia e coragem frente ao sistema discriminador e opressor e à medida que assumirmos nosso ser negro, conscientes de que somos responsáveis pelo resgate do valor e da dignidade do nosso povo negro.
VII.Desafios superados na ação
evangelizadora
Acreditamos que nestes 10 anos de caminhada alguns passos, positivamente, foram alcançados. Isto é, muitos desafios superamos ao longo das reflexões e ações pastorais nascidas e desenvolvidas em respostas e tais desafios.
Alguns desafios superados podemos elencar, como:
Resistência na caminhada apesar do fechamento das estruturas, nas quais estamos inseridos. Percebemos que tal resistência ajudou intensificar o trabalho de base com religiosos negros e com o povo;
Cresceu em nós, franciscanos negros, uma maior dedicação à pesquisa histórica e teológica a respeito do nosso ser enquanto negros, decentes de irmãos africanos. Este estudo a partir da ótica do negro contribuiu substancialmente na opção pela causa do ser negro e pelo trabalho com o negro.
Percebe-se um alto nível de articulação e conscientização do religioso negro, como também um incentivo maior nas congregações franciscanas masculinas e femininas para um trabalho em conjunto, a partir dos GRENI’S e encontros regionais e nacionais.
– Passos positivos no surgimento de uma liturgia inculturada, que resgata a cultura religiosa do nosso povo negro. Como também uma espiritualidade que emerge das reflexões e encontros que nos fazem entrar em contato com este universo simbólico, cujos elementos encontramos na própria natureza.
– Acolhimento do calendário da “BELEZA NEGRA”, EDITADO PELAS vozes;
– Promoção de prés-vestibulares para estudantes negros de baixa renda econômica, com o apoio das instituições;
– Reconhecimento na Vice-Província N. Sr.ª da Assunção MA/PI do SERVIÇO FRANCISCANO NEGRO e presença do seu representante no CONSELHO DE FORMAÇÃO CONTINUADA.
Estes e muitos outros desafios já superados poderiam ser elencados conforme experiências de confrades e irmãs que atuam diretamente neste serviço de franciscanos(as) negros(as).
VIII. Conclusão
As Constituições Gerais nos chama a atenção para um ponto muito importante no que diz respeito à nossa presença, como frades menores, no meio da cultura e religião do povo. Segundo estas devemos estar atentos à existência de sementes do Verbo e à presença secreta de Deus tanto no mundo moderno quanto em muitos elementos de outras religiões e culturas. Que elementos das religiões e culturas afro-brasileiras nossa Igreja e a ordem assumiram neste tempo de Evangelização no Brasil/. Nosso papel de menores é auscultar “os outros com respeito, com caridade e sem fingimento’. Deveremos questionar sempre nossas práticas pastorais e transformá-las em novas formas de evangelização, sabendo que “entre os diferentes povos cresce o desejo de viver e celebrar a fé em formas adequadas à sua própria cultura”. Esta é a busca constante do movimento: celebrar a vida do povo negro a partir da sua própria cultura. Assim podemos falar de inculturação de forma inequívoca, conscientes de que o Projeto de Jesus Cristo não tem monopólio deste ou daquela cultura; pelo contrário, ele é encarnado “através da história e das múltiplas culturas”, nas quais já estão presente as “sementes do Verbo’.
IX. Bibliografia
A PARÓQUIA RENOVADA, Elias Della Giustina – Edições Paulinas, 2º edição, 1986.
CONCLUSÕES DE MEDELLIN – Edições Paulinas, 6º edição, 1987.
DOCUMENTOS DOS ENCONTROS DE FRANCISCANOS(AS) NEGROS(AS) DO BRASIL.
ENCHER A TRRA COM O EVANGELHO DE CRISTO, Fr. Hermann Schaluck, Roma, 1996. Editora Vozes.
MANUAL DA CAMPANHA DA FRATERNIDADE DE 1988 – CNBB – CPP.
O NEGRO E A IGREJA CATÓLICA – O ESTPAÇO ECONCEDIDO, UM ESPAÇO REIVINDICADO – Ana Lúcia E. F. Valente – Campo Grande – MT, 1994.
PUEBLA – Conclusões da Conferência de, texto oficial, Edições Paulinas, 6ª edição – 1979.
REGRA E CONSTITUIÇÕES GERAIS DA ORDEM DOS FRADES MENORES – DOCUMENTO/ OFM – N.º 8 – São Paulo – 1988.
SANTO DOMINGO – IV CONFERENCIA DO EPISCOPADO LATINO – AMERICANO. 2ª edição – VOZES – 1993.
VATICANO II, COMPENDIO – VOZES – 1984. 17ª edição.
500 ANOS DE INVASÃO – 500 ANOS DE RESSITENCIA – Edições Paulinas 1992.
Frei Antônio Leandro da Silva
Vice Província de São Benedito da Amazônia
Santarém – PA
[1] Documento da II Conferencia da América Latina – MEDELLIN. EP/ 1987.
[2] Documento Gaudium et Spes, n.º 29.
[3] O negro e a Igreja Católica – Ana Lúcia E. F. Valente – 1994. P. 72.
[4] A PARÓQUIA RENOVADA – Elias Della Giustina, EP – 1986. 2ªed. p. 27.
[5] Id. Ibid., p. 30.
[6] MANUAL DA CF/ 88, CNBB, p. 79.
[7] Id. Ibid. p. 79.
[8] Id. Ibid. p. 79.
[9] Documento de Puebla, 365.
[10] A PARÓQUIA RENOVA, op. cit. P. 29.
[11] MANUAL DA CAMPANHA DA FRATERNIDADE/ 88. P. 80.
[12] Documento LUMEN GENTIUM, n.º 3.
[13]
[14] PE. JOSÉ MARINS, in O NEGRO E A IGREJA CATÓLICA, op. cit. P. 80.
15] FR. DAVID SANTOS, in 500 ANOS DE INVASÃO, 500 ANOS DE RESISTÊNCIA – EP – 1992. P. 222.
[16] MANUAL DA CF/ 88, P. 81.
[17] 25ª ASSEMBlÉIA GERAL DA CNBB, 1987, in MANUAL CF/ 88, P. 81.
[18] “MANUAL DA CAMPANHA DA FRATERNIDADE/ 88. P. 22.
[19] Fr. DAVID SANTOS, in 500 ANOS DE INVASÃO, 500 ANOS DE RESISTÊNCIA. OP. CIT. P. 226.
[20] ID. Ibid. p. 223.
[21] Documento do I Encontro de Franciscanos Negros do Brasil, in SEDOC, VOL. 20 – MAIO/ JUNHO, 1988, p. 735.
fonte: http://www.itf.org.br/concilium/
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